sexta-feira, 15 de agosto de 2008

DEU NO VALOR ECONÔMICO


CANDIDATO COM RECALL BAIXO PERDE
Alberto Carlos Almeida

Não há grandes surpresas nos resultados olímpicos. Os nadadores se conhecem, assim como todos os competidores das diferentes modalidades do atletismo. São muitas as competições: copa do mundo, campeonato europeu, mundial, etc. Em cada uma os atletas mostram os resultados que conseguem obter. Quando chegam à Olimpíada já é possível saber quem é favorito e quem não é. Adicionalmente, há as séries de classificação. Nelas, os atletas ratificam suas respectivas chances de vitória. Assim, não há surpresas, não há um caso no qual o atleta que tenha o oitavo melhor tempo do ano seja o vencedor com um recorde mundial. Isso pode até acorrer uma vez ou outra, mas não é a regra. Em geral, aqueles que vêm se saindo bem nos últimos dois anos são os que acabam conquistando o pódio olímpico. Isso equivale ao recall ou lembrança na política.

Lembro-me de que, anos atrás, em uma eleição para governador do Rio, a então candidata Lúcia Souto se queixou dos institutos de pesquisa e da cobertura da imprensa quanto aos resultados. Ela afirmou que os resultados das pesquisas que a colocavam com apenas 1% das intenções de voto selavam as suas remotas chances de crescer. Para ela, o eleitor não votaria em um candidato com porcentual tão baixo. Por isso, a divulgação das pesquisas acabava por "congelar" as posições relativas dos candidatos.

Quem vai para uma disputa eleitoral depende em grande parte do recall ou lembrança. O eleitor não vota em quem não conhece.

Recentemente estive em Porto Alegre para avaliar seu quadro eleitoral. Em um diálogo bastante elucidativo me perguntaram quais eram as chances de um candidato com intenção de voto muito baixa vencer as eleições. Eu disse que eram mínimas e, na maioria dos casos, nulas. Na réplica argumentaram que quando Rigotto foi eleito governador ele saiu de um porcentual muito baixo e venceu. Perguntei qual tinha sido a trajetória dele na política. Ele já tinha sido eleito várias vezes deputado antes de disputar e vencer a eleição para governador. O que isso significa? Que Rigotto foi se exercitando, acumulando musculatura no que diz respeito ao seu nível de lembrança, no que tange ao seu recall, até se candidatar ao governo estadual. Naquela ocasião, já era velho conhecido do eleitorado gaúcho. Sem esse requisito, muito dificilmente teria sido eleito.

Ninguém em sã consciência se tornaria sócio de um desconhecido. Na vida empresarial, corporativa, a interação é crucial. Os sócios em uma empresa são pessoas que se conhecem, na maioria das vezes, profundamente. Isso se aplica também ao voto. É muito raro que um candidato tenha mais votos do que seu nível de conhecimento. Tive a oportunidade de analisar dezenas de eleições e centenas de candidatos. Para cada cem candidatos, só cinco conseguem obter mais votos do que o seu nível de conhecimento. Em 95% das vezes a proporção de votos é menor do que a proporção dos que dizem conhecer o candidato.

A conclusão não é surpreendente. Essa análise permite afirmar que para cada 1% a mais que um político soma ao seu nível de conhecimento consegue, na média, mais 0,6% de votos. Qual é a conseqüência prática dessa relação estatística? Tome qualquer eleição e avalie a intenção de voto de cada candidato. Aquele com maior recall tenderá a ter mais votos do que aquele com recall menor.

Vamos a um caso em particular, a disputa José Serra versus Aécio Neves pela candidatura presidencial do PSDB. Serra fica na frente nas pesquisas de intenção de voto porque é mais lembrado, mais conhecido do que Aécio. Para enfrentar Serra em igualdade de condições o neto de Tancredo Neves terá de buscar aumentar o seu recall entre o eleitorado. Já Serra, para manter a dianteira na disputa, terá de ficar de olho nas ações de Aécio. Cada vez que o governador mineiro buscar mais recall diretamente entre o eleitorado, Serra deverá tentar fazer o mesmo.

Da mesma forma, esse é o principal obstáculo ao crescimento de um candidato do PT. Lula levou mais de três eleições aumentando o seu recall. Agora, tentará eleger um candidato em sua primeira disputa. É possível fazer isso? Sim. Há duas situações nas quais o eleitor está disposto a votar em quem afirma não conhecer: quando o governo é muito bem avaliado e indica um candidato para lhe dar continuidade e quando o governo é muito mal avaliado e o eleitorado escolhe alguém para mudar a situação, fecha os olhos e diz: "Voto nele, mesmo não o conhecendo bem."

O governo Lula se enquadra na primeira situação. Foi assim que Conde foi eleito prefeito do Rio e Pitta, de São Paulo, em 1996. Ambos eram menos conhecidos do eleitorado do que seus adversários, respectivamente Sérgio Cabral e Luíza Erundina. Mesmo assim, por causa da boa avaliação do governo municipal, o eleitorado preferiu - em nome da continuidade - votar em um candidato menos conhecido. A chance de Lula e do PT em 2010 é esta: em nome da continuidade eleger um candidato menos conhecido do que aquele que será escolhido pelo PSDB. Essas situações são raras, mas existem.

Na política, assim como na vida profissional, o recall não aumenta por causa de um episódio ou outro, não cresce por causa de um fato isolado. A ampliação do recall depende de um processo contínuo de relacionamento com o eleitorado. Meça o recall dos candidatos em maio e depois em outubro, nas vésperas das eleições. Adivinhe o que acontece: na média de cem candidatos o recall não aumenta. O nível de lembrança dos candidatos não aumenta durante o processo eleitoral, mas o processo eleitoral tem impacto sobre a lembrança quando somado a outros eventos: a atuação como deputado, programas regulares de rádio, a soma de uma eleição com outra, etc.

Serra foi secretário de Planejamento do governo Montoro, deputado federal, senador, ministro do Planejamento e da Saúde de FHC, entre um cargo e outro disputou a Prefeitura de São Paulo e a eleição presidencial de 2002. Foi eleito prefeito de São Paulo em 2006, disputou e venceu o governo de São Paulo dois anos depois. Tudo isso somado aumentou muito o recall de Serra em São Paulo e no Brasil.

Antes de ter sido eleito governador de Minas, Aécio foi deputado federal e presidente da Câmara dos Deputados. Quando ocupava esse cargo, teve grande projeção nacional. Sua visibilidade à frente da Câmara, liderando várias medidas de moralização da política, foi crucial para lhe dar maior lembrança entre os eleitores mineiros. Foi eleito e reeleito governador de Minas. Sua carreira política é tão rica quanto a de Serra. É possível, porém, que a candidatura de Serra a presidente em 2002 lhe tenha conferido a vantagem de recall que tem hoje. Para enfrentar Serra em um nível equivalente de recall Aécio terá de agir para ter maior visibilidade nacional a partir do cargo de governador de Minas.

Enquanto isso, Lula e o PT tentam fazer com Dilma Roussef o que o então PFL fez com muito sucesso com Roseana Sarney. Durante cerca de seis meses, Roseana ocupou todos os programas de TV nacionais e estaduais do PFL. Graças a um discurso correto, ela cresceu nas pesquisas; com isso, obteve mais mídia, tornou-se mais conhecida, obteve mais votos, teve mais mídia... e por aí vai num círculo virtuoso de aumento de recall.

Se você quer ganhar uma eleição, não se esqueça: precisa ser conhecido do eleitorado.


Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" (Record).

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