terça-feira, 9 de setembro de 2008

Além dos números


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. Um trabalho da equipe do cientista político da PUC do Rio de Janeiro Cesar Romero Jacob, que reúne pesquisadores brasileiros e franceses, publicado na edição de setembro da revista Alceu, dá boas indicações para se entender o que está acontecendo com os votos nas duas principais capitais do país, Rio e São Paulo, e que conseqüências podem ter as eleições municipais para a eleição presidencial de 2010. O artigo, com 50 mapas por zonas eleitorais do TRE, e por Áreas de Ponderação da Amostra, do IBGE, para os dados socioeconômicos, mostra a correlação entre a votação das eleições municipais de 2002 e a eleição presidencial de 2006, assim como já haviam feito com as eleições municipais de 1996 e 2000 e as presidenciais de 1998 e 2002.

Um primeiro ponto a destacar: diferentemente de eleições anteriores - quando se verificou um descompasso entre as votações dos candidatos a presidente pelo PSDB, Fernando Henrique Cardoso, em 1998, e José Serra, em 2002, e o desempenho dos candidatos desse partido a prefeito, José Serra, em 1996, e Geraldo Alckmin, em 2000, com os candidatos do PSDB a presidente tendo ótimas votações na capital paulista e os seus postulantes a prefeito não tendo desempenho semelhante - houve uma convergência dos resultados obtidos por Serra, para prefeito em 2004, e por Alckmin, para presidente em 2006, "o que se constitui num fato novo na política paulistana".

Esta mudança, segundo o estudo, deve-se ao enfraquecimento do malufismo, atingido por uma sucessão de denúncias de corrupção envolvendo os ex-prefeitos Paulo Maluf e Celso Pitta.

Já no Rio, o descompasso entre as votações dos candidatos do PT, nesses dois níveis de eleição, se acentua. É grande a discrepância entre o bom desempenho de Lula, em 2006, e a reduzida votação de Jorge Bittar, em 2004, o que se deve, em parte, segundo o estudo da PUC do Rio, à divisão das forças de esquerda no pleito municipal.

Além disso, com o enfraquecimento do brizolismo, acentuado com a morte de Leonel Brizola, em 2004, e com a perda de expressão eleitoral do grupo de Anthony Garotinho, um "vácuo político" propiciou o bom desempenho de um candidato fora dos quadros partidários tradicionais, como o bispo licenciado Marcelo Crivella.

Na verdade, ressalta o estudo coordenado pelo cientista político Cesar Romero Jacob, este fato se constitui num elemento novo na política carioca, tradicionalmente dividida entre os diversos grupos da família brizolista: o próprio Brizola (PDT), Cesar Maia (PFL), Marcello Alencar (PSDB) e Garotinho (PMDB).

Com a vitória em 2004, Cesar Maia se afirmou como o principal herdeiro da família brizolista na cidade, ao vencer a quarta eleição consecutiva, como candidato (em 1992, 2000 e 2004) ou elegendo o seu sucessor (Luiz Paulo Conde, em 1996).

A candidatura de Crivella acabou provocando uma divisão de caráter religioso na cidade: os católicos fazendo voto útil em Cesar Maia e os evangélicos votando no irmão Marcelo Crivella.

Desse modo, "enquanto no Rio observou-se uma cidade dividida pela religião, em São Paulo verificou-se uma cidade polarizada pela política, numa acirrada disputa entre os dois maiores partidos brasileiros do momento, o PT e o PSDB", destaca o estudo.

O trabalho dos pesquisadores da PUC do Rio de Janeiro não vai além dos dados das últimas eleições, mas com base neles é possível fazer-se algumas ilações. A forte votação de Marta Suplicy confirma uma situação recorrente, com os candidatos do PT a prefeito e a presidente tendo seus maiores percentuais de votos nos bairros populares. Vencendo, Marta Suplicy torna-se uma forte candidata à Presidência pelo PT, com uma base de votos importante na capital paulista.

Se confirmada a "cristianização" do candidato tucano Geraldo Alckmin em benefício da reeleição do prefeito Gilberto Kassab, com apoio de Serra, é possível prever-se uma boa votação do candidato tucano à Presidência da República em 2010, principalmente se ele for Serra. Indo Alckmin para o segundo turno, mesmo que derrote Marta, o PSDB estará irremediavelmente dividido. Terá sido uma vitória pessoal dele, e não do partido.

No Rio, dos 7 pleitos realizados desde 1982 para o governo estadual, 5 foram ganhos por políticos pedetistas ou que atuaram, em algum momento de sua vida política, nesse partido: Brizola (1982 e 1990), Marcello Alencar (1994), Garotinho (1998) e Rosinha Garotinho (2002).

Portanto, com exceção de Moreira Franco (1986) e Sérgio Cabral (2006), ambos do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), os demais poderiam ser considerados integrantes da "família brizolista".

O crescimento da candidatura de Eduardo Paes, apoiado pelo PMDB do governador Sérgio Cabral, pode significar que uma nova era na política do Rio está se abrindo, com a máquina peemedebista sendo ajudada pelo fato de Paes ser oriundo da máquina da prefeitura, onde ele iniciou sua vida política com o prefeito Cesar Maia.

Assim como em 2004 o voto útil foi para Cesar Maia contra Crivella ainda no primeiro turno, agora estaria indo para Eduardo Paes, mesmo que seja previsível um segundo turno.

Os estudos da equipe da PUC do Rio revelam a existência em São Paulo de territórios eleitorais fiéis ao PT e ao PSDB, "num confronto político do tipo direita-esquerda mais clássico". São Paulo continua sendo uma cidade polarizada pela política e não pela religião, como aconteceu na última eleição municipal do Rio de Janeiro, e continua acontecendo hoje.

Segundo o estudo, "a boa implantação dos dois maiores partidos brasileiros na capital paulista tem impedido que, pelo menos nas eleições para prefeito, questões de natureza religiosa se sobreponham a escolhas político-partidárias". No Rio, ao contrário, PT e PSDB são fracos politicamente.

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