quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Paulista de Garanhuns


Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Um dos principais eixos da campanha da ministra Dilma Rousseff a presidente da República, definidos no governo, é fixar nela a marca de candidata não paulista. O staff político que assessora o presidente Lula vem, há meses, formulando argumentação para o fato de que o eleitorado do Brasil não suporta mais votar em um presidente de São Paulo. Ouve-se isto no Palácio do Planalto, nas direções dos partidos da aliança lulista e de políticos petistas nascidos na Bahia, em Sergipe, em Minas Gerais ou Rio Grande do Sul. Um ou outro cientista político alimenta o raciocínio, que parlamentares repassam, com o prazer de inexistente rigor científico. Todos estão falando de forma empírica.

Não há pesquisa ou estudo que alimente como possível, muito menos provável, este desejo. E há exemplos da falta de eficiência da tese. As candidaturas de Ciro Gomes, por exemplo, foram sempre embaladas por esta estratégia que evidentemente não lhe rendeu votações extraordinárias ou vitórias.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porém, mostrou esta semana que está engajado mesmo nesta linha de campanha. Teria, entre outros sinais, tentado desinflar o balão da candidatura a presidente de Marta Suplicy, que seu grupo político considera um projeto óbvio caso seja eleita prefeita de São Paulo. Lula teria sido inspirador de mensagem à ex-prefeita sobre não alimentar a idéia de uma candidatura do PT de São Paulo. Não foi por acaso que, antes da chegada do presidente à sua campanha, no último fim de semana, Marta declarou que a candidata do PT em 2010 é Dilma.

A fim de fazer fermentar essa tese é que na aliança governista se exalta, como adversário mais perigoso, no PSDB, o governador Aécio Neves. Pela mesma razão, a lista de presidenciáveis do PT, até há bem pouco tempo, incluía os governadores Jaques Wagner, da Bahia, e Marcelo Déda, de Sergipe, além do ministro da Justiça, o gaúcho Tarso Genro.

Há quem veja na estratégia realmente o que ela é, uma competente maneira de posicionar a candidatura de Dilma no ângulo de competição com a candidatura mais forte do PSDB, a do governador José Serra. Mas pode ter efeitos inesperados. Os marqueteiros podem conseguir firmar bem a condição não paulista da ministra pelos palanques Nordeste afora, ainda que São Paulo tenha a segunda maior população nordestina do país e milhares de famílias nordestinas tenham pelo menos um parente em São Paulo. E apesar de, recentemente, em 2006, há menos de dois anos, portanto, o país votou maciçamente, no segundo turno, em um candidato de São Paulo, o atual presidente Lula. Os especialistas dão ênfase ao fato de que, para ser bem sucedida, de fato, a campanha contra o candidato paulista depende da forma como for retrucada.

Pode estar ai um equívoco precoce do marketing

Se apesar de tudo conseguir enraizar a tese no eleitorado nacional, a propaganda tem o risco do efeito paradoxal. Pode representar um problema para o futuro tanto de Marta Suplicy, quanto de outros politicamente paulistas do PT, como Antonio Palocci, sempre lembrado como opção quando saltar os obstáculos judiciais que hoje o impedem de retomar os planos. E, pior, pode dificultar o retorno do próprio Lula, seja em 2010, se vingar a proposta do terceiro mandato, seja em 2014.

Como Washington Luis, que foi chamado de "paulista de Macaé", numa alusão à cidade do Rio onde nasceu, Lula pode ser chamado, para evitar os efeitos da estratégia sobre si, de "paulista de Garanhuns", sua cidade pernambucana natal, mesmo que não saiba de lá um só nome de rua.

Tradição mantida

O general Jorge Félix, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, a quem a Abin está subordinada, manteve a tradição de dar explicações estapafúrdias e inverossímeis, arranjadas no órgão que comanda, para justificar os descontroles e desmandos praticados por espiões da Agência Brasileira de Inteligência, o antigo SNI. No governo Fernando Henrique, o general que então chefiava o GSI informou ao Brasil que fitas de grampos feitos no BNDES, que gravaram até conversas do presidente da República, tinham sido encontradas sob um viaduto, em Brasília, e levadas ao governo. Agora, o general do GSI do governo Lula apresenta suspeitos para o grampo contra os presidentes e dois poderes e autoridades do Executivo que, a seco, não ficam em pé. A não ser que Jorge Félix volte ao assunto para dar razões da sua convicção.

São três os seus suspeitos para a espionagem dos presidentes do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, além de autoridades do Executivo cujos nomes não foram ainda revelados: o banqueiro Daniel Dantas, a central de grampo do Senado Federal, e agentes da Abin fora do controle da direção. A imprecisão da revelação do general, praticamente uma denúncia, atesta que tanto tempo de escuta das conversas de Daniel Dantas e seus funcionários, advogados, parlamentares e jornalistas que conversaram com qualquer um dos investigados na operação Satiagraha não foi suficiente para a Abin e a Polícia Federal comprovarem que o banqueiro estava grampeando os três Poderes.

Não se sustenta em pé, também, a suspeita de que esteja na central de inteligência do Senado a autoria do grampo. O general Félix falou desta hipótese tão de passagem que a Polícia Federal terá dificuldades em reunir elementos para aprofundar a investigação. Da suspeita de que tenham sido agentes da Abin, fora do controle da direção, o que tem parecido mais provável para os grampeados, o general Félix ensaiou um recuo, em seu depoimento de ontem.

Apenas um dos três suspeitos do general chefe do Gabinete Institucional da Presidência da República, porém, tem nome e sobrenome - Daniel Dantas - e sobre isto ele continua devendo à sociedade as informações que devem ter balizado sua convicção.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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