quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Quem atira a primeira pedra?


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Veio mesmo a calhar, como se fosse encomenda com data marcada para a entrega, a festança cívica que acaricia os nossos maltratados brios patrióticos, da abertura pelo presidente Lula da produção do pré-sal na área do campo de Jubarte, em Vitória, com a promessa de miraculosa reserva de petróleo nas profundezas do oceano.

As dúvidas dos técnicos forradas de cautelas quanto às dificuldades a serem vencidas em prazo calculado em anos não empanam o feito da Petrobras nem tisnam a euforia presidencial.

Mas, na retaguarda, fermenta a crise inédita da denúncia confirmada do grampeamento clandestino do telefone do gabinete do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, com a publicação da sua conversa com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).

A esperada reação do presidente do STF, com o apoio unânime dos ministros, envolveu os três poderes, em graus diferentes de suspeição, com todos os riscos de evoluir para uma crise institucional. Ao Congresso chegou com a imediata reação do presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), e o apoio do plenário. E transbordou para a Câmara dos Deputados.

Sob pressão e com o senso político da sua esperteza, o presidente Lula cedeu às indignadas exigências do STF e do Congresso, com a demissão da cúpula da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) acusada de responsável pelos grampos, demitindo toda a sua diretoria, a começar pelo diretor-geral, Paulo Lacerda.

Muita água suja vai correr pelos vazamentos das suspeições que já se ampliam no jogo de desmentidos e na troca de farpas entre os suspeitos.

Mas, no fundo da cisterna, ainda intocada, pousa a crise institucional que lavra nos três poderes, em níveis variados de culpas.

O Supremo foi surpreendido quando desfrutava o merecido reconhecimento pela ousada decisão de derrubar a farra do nepotismo que, desde sempre, campeia à larga em todo o mastodôntico monstrengo burocrático, a começar pela intumescência do patusco ministério de 37 titulares com tão pífios resultados setoriais.

E como o desequilíbrio do tropeço quase sempre provoca novo escorregão, a toga não resistiu à tentação de entrar no forró da criação de milhares de cargos, muitos de livre nomeação, sem o democrático concurso público.

O Legislativo está sendo exposto ao ridículo do horário de propaganda eleitoral para a eleição de prefeitos e vereadores. Dos programas que tenho assistido por penoso dever profissional, o desfile dos pretendentes ao sacrifício da administração dos municípios, com as devidas ressalvas, não chega a espantar o voto e envergonhar o eleitor. Mas, o que os partidos oferecem à escolha do eleitorado para as câmaras municipais, francamente, parece deboche. Há exceções, poucas que não chegam para compor o plenário do Legislativo de um município médio. Ora, a base de partidos finca a sua estaca nos municípios, como é de veneranda evidência.

O governo é o que estamos enxergando a olho nu no emaranhado da sua bagunça com altos índices da popularidade de Lula. Êxitos setoriais importantes são por ele valorizados – seu melhor e mais aplicado divulgador. Com os delirantes exageros que atropelam a forçada euforia da badalação de cada dia.

A gravidade da escuta clandestina dos telefones dos presidentes do Supremo e do Senado, de senadores e, provavelmente, de deputados, dependendo da sua evolução, pode incendiar a crise institucional que chamusca a autoridade do presidente da República.

Alguém precisa atirar a primeira pedra.

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