sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Sobre escolhas


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. A escolha do(a) companheiro(a) de chapa na campanha presidencial americana desta vez parecia ter uma dimensão maior do que nas anteriores por um motivo delicado: a chance também maior de que tanto o candidato democrata, Barack Obama, quanto o republicano, John McCain, não terminassem o mandato, por motivos diferentes. Mas essa escolha acabou se tornando determinante na disputa não por isso, mas por redefinir as candidaturas, permitindo que o republicano passasse à frente do democrata após as convenções. Com a escolha de Sarah Palin, a candidatura republicana deu uma guinada para a direita que agradou em cheio à sua base eleitoral, ao mesmo tempo que a escolha do senador Joe Biden retirou da candidatura de Obama o caráter de mudança, sem dar a ela um reforço em votos.

Primeiro negro com chances reais de chegar à Casa Branca, Obama vive cercado de um esquema de segurança reforçado desde que, ainda antes de ser escolhido o candidato oficial, recebeu ameaças de morte. Já McCain, ao 72 anos, com uma saúde frágil em conseqüência das torturas sofridas quando prisioneiro de guerra no Vietnã, e já tendo tido um melanoma, será o mais velho presidente a assumir o cargo num primeiro mandato.

Seria natural que a escolha do vice-presidente, nessas circunstâncias, ganhasse uma dimensão diferente, ainda mais num país em que em pelo menos metade das últimas 19 administrações houve ocasiões em que o vice-presidente teve que assumir as responsabilidades do cargo presidencial, mesmo que por algumas horas, e nada menos que quatro deles assumiram o cargo em definitivo com a morte do titular.

Theodore Roosevelt, por exemplo, que assumiu o cargo em 1901 aos 42 anos com o assassinato do presidente William Mckinley, tornou-se o mais jovem presidente americano. Outros dois casos de morte levaram os vices a assumir o governo. Além do assassinato de John Kennedy, substituído por Lyndon Johnson, também o presidente Franklin Roosevelt morreu poucas semanas depois de começar seu quarto mandato seguido, sendo substituído por Harry Truman.

Também Gerald Ford assumiu a Presidência com a renúncia de Richard Nixon. Dois outros vices tiveram que assumir, mesmo que momentaneamente, a Presidência, e depois tornaram-se presidentes eleitos: Richard Nixon assumiu o comando em várias ocasiões durante o governo de Dwight Eisenhower, e George H.W. Bush assumiu formalmente o governo, mas por apenas oito horas, quando Ronald Reagan operou um pólipo em 1985. Mas não assumira quatro anos antes, quando o presidente fora baleado numa tentativa de assassinato.

Nunca ambos os candidatos mais cotados à Presidência dos Estados Unidos reuniram tantas razões para que a escolha do vice se tornasse uma questão política fundamental, mas o que aconteceu na verdade foi uma mudança de tendência do eleitorado pelo que as duas escolhas representaram, além do fato de que poderão assumir a Presidência. Ou talvez mesmo por causa disso.

A escolha do senador Joe Biden para vice de Obama foi compreendida como uma capitulação do "candidato da mudança" à máquina partidária. Chamar para companheiro de corrida presidencial um político que está em Washington há 35 anos pareceu aos eleitores de Obama uma reviravolta no espírito da candidatura, que representava uma proposta de novidade política que atropelava a estrutura partidária e se impunha pela força da mobilização e das idéias novas.

O problema é que, tomando essa direção, Obama tranqüilizou eleitores que o consideram inexperiente, mas desanimou a grande massa de jovens e independentes que o apoiava. Uma das razões não explicitadas para não ter escolhido Hillary Clinton era justamente porque ela representava o establishment de Washington, uma maneira antiquada de fazer política que Obama queria superar.

Pois agora Biden disse em público que Hillary teria sido uma melhor escolha que ele, num elogio público à sua amiga senadora que está lhe causando sérias críticas. E Obama e seus estrategistas dependem cada vez mais de Hillary para contra-atacar a candidata-surpresa retirada do bolso do colete pelo candidato republicano John McCain, e não têm garantidos nem mesmo os votos dos apoiadores de Hillary.

O fenômeno Palin deu nova vida à campanha de McCain, embora pelo lado que ele procurava renegar, o da direita do partido. Mas foi em busca de uma renovação na candidatura, menos do que atrás desses votos da direita fundamentalista, que ele arriscou uma escolha ousada, e acertou no essencial, isto é, na aprovação do eleitorado, embora tenha alterado substancialmente a postura de sua candidatura.

Um candidato que se apresentava como palatável aos independentes por não ser tão conservador quanto a administração republicana, no poder há oito anos, passou a ser ligado aos valores mais reacionários que essa administração representa.

McCain está conseguindo, no entanto, levar a campanha para uma discussão desses valores morais, feminismo, machismo, raça, batom em porcos ou em pitbulls, em vez de debater o que os eleitores consideram mais importante, a questão econômica. Neste momento, as pesquisas mostram que, para 56% dos americanos, a economia é a principal preocupação.

Ao contrário da situação de quatro anos atrás, quando nessa mesma época, na passagem dos ataques terroristas de setembro de 2001, cerca de 25% dos americanos ainda diziam que o terrorismo e a segurança nacional eram a maior preocupação, hoje apenas 4% têm o tema como prioritário.

Isso mostra que a preocupação do cidadão comum não está onde McCain é mais forte. E sua fraqueza está certamente na economia, tema que Obama não consegue aprofundar no decorrer da campanha.

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