domingo, 19 de outubro de 2008

Aloprados e truculentos


Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)


Sete dias depois de veicular uma das maiores barbaridades eleitorais dos últimos tempos, o marqueteiro João Saldanha admitiu um “erro de avaliação”. O comandante da campanha de Marta Suplicy, João Santanna, em entrevista à repórter Renata Lo Prete da Folha de S.Paulo, lamentou profundamente não ter previsto a reação da opinião pública.

Aprendiz de Duda Mendonça, o novo Dr. Goebbels não lamentou o pérfido preconceito, nem a ostensiva introdução do lixo no debate eleitoral. A admissão do erro não foi um dever de consciência, esforço para mostrar alguma urbanidade e decência, na realidade foi mais uma tentativa de livrar a ex-campeã da tolerância do papel de ícone da arrogância e da presunção.

A solução "relaxa e goza" proposta pela então ministra do Turismo para enfrentar o caos aéreo foi evidentemente uma gafe, fruto da desatenção ou do despreparo, mas como sabem psicólogos, psicanalistas e inclusive a autora do despautério, gafes são lapsos que não acontecem por acaso. Armazenados em algum recanto da alma, soltam-se na primeira oportunidade.

As duas perguntinhas fatais – "Ele é casado? Ele tem filhos?" – foram estudadas, foram estratégicas, resultaram de uma bateria de "pesquisas qualitativas" onde os marqueteiros identificaram uma oportunidade para cobrar esclarecimentos a respeito da intimidade de Gilberto Kassab.

Imaginaram que o eleitor engoliria a maldade. Não contaram com a internet onde, no mesmo dia em que começaram a ser transmitidas as primeiras mensagens (domingo, passado) já se abrigava enorme onda de protestos.

Na reta final da disputa pelo governo de São Paulo, em 2006, um pelotão de milicianos ligados à candidatura de Aloísio Mercadante também inventou uma operação suicida: a divulgação através da revista IstoÉ de um falso dossiê contra o candidato José Serra, o famigerado Dossiê Vedoin. Apesar da repercussão, como se tratava de grave crime eleitoral o então-ministro da Justiça Márcio Thomas Bastos associado ao então Diretor Geral da Polícia Federal deram um jeito de livrar da merecida condenação os "aloprados" – a designação é do próprio presidente Lula.

A partir daquele episódio, aloprar e seus derivados, incorporaram-se ao nosso riquíssimo vocabulário político como sinônimos de paranóia e falta de escrúpulos. Insinuar que Gilberto Kassab pode ser homossexual porque não é casado e não tem filhos não constitui crime. É um ardiloso desvio de conduta, manifestação de preconceito, falha ética, irregularidade que o TRE de São Paulo puniu rápida e exemplarmente.

É possível que o "deslize" (como o classificaram círculos petistas que condenaram as perguntas, mas não a candidata) possa ser absorvido e superado. O saldo, porém, dificilmente será esquecido: a percepção do eleitorado avançou, a veneranda passividade e complacência começam a ser substituídas por um senso de vigilância e responsabilidade social.

A ameaça de novos surtos de alopramento é concreta. A possibilidade da derrota de candidatos próximos ao governo federal em cidades-chaves como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre pode estimular a insensatez, os desvarios e o seu ingrediente mais perigoso: o vale-tudo político.

Convém lembrar que nesta quinta-feira, uma das mais animados participantes do bafafá que resultou no confronto entre as polícias civil e militar em São Paulo, era o deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT), o Paulinho, presidente da Força Sindical que corre o perigo de perder o mandato por conta de uma sucessão de estripulias com dinheiro público.

Gente assim, ameaçada de perder as regalias, embarca sem qualquer constrangimento em aventuras e desatinos. Diferentes do Dr. Goebbels não apelam para perguntas insidiosas. Preferem a truculência.

» Alberto Dines é jornalista

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