sexta-feira, 14 de novembro de 2008

A fidelidade reafirmada

EDITORIAL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Por 9 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) colocou uma pá de cal sobre o argumento de que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) extrapolou de suas atribuições e infringiu a Constituição ao decidir, em 27 de março do ano passado, respondendo a uma consulta do então PFL, que os mandatos parlamentares não pertencem aos que os exercem, mas aos partidos pelos quais se elegeram. (Mais tarde, o TSE estendeu esse princípio aos eleitos para cargos executivos.) O Supremo avalizou ainda a resolução da Justiça Eleitoral, aprovada em outubro daquele ano, que determina e define os procedimentos para a cassação e a substituição dos mandatários infiéis às suas legendas. A mudança só será validada nos casos em que for provocada por desvio do programa partidário, discriminação pessoal, fusão ou criação de siglas. Este foi o segundo pronunciamento do STF a respeito.

Também em outubro de 2007, a Corte ratificou a tese da primazia dos partidos sobre os integrantes de suas bancadas nas câmaras legislativas, embora tivesse validado as trocas ocorridas até a primeira manifestação do TSE. À época, o ministro Celso de Mello condenou enfaticamente a infidelidade partidária como um desvio ético e político. “O ato traduz um gesto de intolerável desrespeito à vontade soberana do povo”, apontou. A crítica é irrefutável, por mais que se diga que a identidade partidária é o menos decisivo dos critérios que levam os eleitores a fazer as suas escolhas. Mas não é nem sequer um princípio abstrato de moralidade política o que ampara o critério de que o partido é o titular das cadeiras às quais os seus filiados concorreram, tendo portanto pleno direito de reclamar as vagas abertas quando os seus ocupantes migram para outras agremiações.

Trata-se da realidade objetiva do modelo eleitoral brasileiro. Primeiro, ninguém pode ser candidato avulso: os partidos são a única via de trânsito para os aspirantes ao voto popular. Além disso, no sistema proporcional em vigor, os eleitos se beneficiam dos votos dados a todos os candidatos da agremiação (ou coligação) e do voto de legenda. Dos 513 deputados federais, por exemplo, apenas 32 não dependeram dos sufrágios dos correligionários ou coligados para se eleger. Mas a traição é aceita porque tende a aumentar as chances de sobrevivência e prosperidade política dos eleitos e dos partidos oportunistas. Nenhum projeto punindo a infidelidade com a perda de mandato prosperou exatamente porque prejudicaria os interessados diretos - seja nas disputas locais, em que o troca-troca abre espaço para ambições e acomoda rivalidades entre as caciquias partidárias, seja, sobretudo, nas relações entre as siglas e os governos de turno.

Por instigação destes ou por iniciativa própria, vereadores, deputados estaduais e federais mudam de partido para tirar proveito de sua adesão ao lado vitorioso nas urnas. A infidelidade, assim, tem sido um mecanismo fundamental para a construção de maiorias parlamentares e o traçado das relações de poder entre os partidos da base governista. Por isso, o Executivo não apenas avança sobre as bancadas oposicionistas (e as oportunistas), como ainda geralmente indica as legendas para as quais os seus aliados de ocasião e os demais devem se bandear. O que mudará com a decisiva última palavra da Justiça? Está claro desde logo que os políticos, embora já sem pretextos para fazê-lo, relutarão em “cortar na carne”, despojando dos seus mandatos os infiéis sem justa causa. Há meses se arrasta na Câmara o caso de um deputado da Paraíba, cuja vaga é reclamada pelo DEM, do qual ele se desfiliou depois do prazo permitido para aderir ao PRB.

O presidente da Casa, Arlindo Chinaglia, se recusou a cumprir a decisão do TSE pela cassação e posse do suplente. Agora, alega que o STF não tratou especificamente dele. Enquanto isso, é dado como certo que o Congresso abrirá uma janela para a infidelidade: no mês anterior às convenções partidárias que definem as candidaturas em cada eleição. O presidente do Supremo, Gilmar Mendes, adverte, porém, que uma lei nesse sentido poderá ser impugnada. Afinal, os mandatos pertencem aos partidos 12 meses por ano - todos os anos.

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