sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Resposta mesquinha

EDITORIAL
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Congresso precisa votar reforma política, e não mecanismos para burlar fidelidade partidária decidida pelo Supremo

A CRÔNICA das "reformas políticas" que vêm sendo implantadas de modo assistemático e anômalo no país ganhou mais um capítulo. A previsível reafirmação, pelo Supremo Tribunal Federal, das regras sobre a fidelidade partidária -norma criada pela corte em outubro de 2007 e regulamentada pelo Tribunal Superior Eleitoral em seguida- deflagrou uma lamentável reação corporativista no Congresso.

Deputados e senadores pretendem aprovar um atalho legal que lhes devolva a faculdade de mudar de partido impunemente. A idéia -que demonstra como parlamentares são inventivos quando se trata de legislar em causa própria- é criar uma "janela" para o troca-troca. Como maio é o mês das noivas e outubro, o das crianças, todo setembro que antecedesse um ano eleitoral seria o mês da infidelidade tolerada na política.

Pelo projeto do deputado Flávio Dino (PC do B-MA), durante esses 30 dias senadores, deputados, vereadores, prefeitos, governadores e até o presidente da República poderiam mudar de legenda sem correr o risco de perder o mandato. A iniciativa está tão eivada de esperteza, no sentido macunaímico do termo, que soa como um acinte, uma caçoada que ofende não só o público, mas a própria decisão do STF.

A corte constitucional decidiu, há mais de um ano, que o mandato dos políticos eleitos no sistema proporcional (deputados e vereadores) pertence ao partido. Mais tarde, o TSE estendeu a possibilidade de perda do cargo a senadores, prefeitos, governadores e presidente que trocassem de legenda. A entrada do Judiciário nessa seara, tipicamente legislativa, decerto não foi o melhor caminho para acabar com a distorção da infidelidade partidária generalizada.

A intervenção do Supremo criou, ademais, outros problemas, que já começam a aparecer. Mais de 2.000 processos em torno da perda de cargos eletivos por troca de legendas já entopem os escaninhos do TSE. Em cada caso, os ministros da corte terão de decidir se a cassação é devida ou se ele pode ser enquadrado nas exceções -perseguição pessoal, mudança substancial do programa partidário, criação de novas siglas- admitidas pelo órgão. Juízes começarão a resolver pendências bastante subjetivas, características do jogo político.

Não há hipótese, contudo, de o Supremo voltar atrás na decisão tomada, ao menos no curto prazo. Como a cartada ensaiada no Congresso, a "janela de infidelidade", afronta brutalmente o pressuposto de que o mandato pertence ao partido, é provável que seja fulminada pelo STF caso se transforme em lei.

A licença de 30 dias para traições partidárias é uma resposta ridícula ao desafio que se impõe ao Congresso -cuja inação de mais de uma década na reforma política permitiu que o Supremo atendesse a alguns anseios da sociedade. Para que ocupem o centro desse debate, local que lhes é de direito, os legisladores precisam mirar mais alto e aprovar projetos que alterem os mecanismos de escolha de representantes populares no país, caso do sistema distrital misto.

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