segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Ressaca eleitoral


Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Em conversas reservadas, segundo informações menos contingenciadas, cedo na segunda-feira o presidente Lula já se convencera de que pouco importa o que as urnas disseram. Dispensava maiores cuidados a situação pós-eleitoral já sem os véus que a encobriam. As eleições foram exclusivamente municipais. Lula decidiu não atribuir ao PMDB peso suficiente para levá-lo a reabrir o ministério e reacomodar interesses menores. O presidente ainda não se refez das cólicas de que foi vítima todas as vezes que precisou acalentar insatisfações na base de sustentação do governo. Na República Velha vigorava a lição que recomendava "deixar como está, para ver como é que fica". Ficava sempre do mesmo jeito, senão pior. Já era o pressuposto de que o que está ruim não escapa do fim. No século 21, ficou diferente. Não é mais como no tempo em que se mudava de Constituição como barata troca de casca. Na verdade, não existe nada tão ruim que não possa piorar. É o ancestral do quanto pior, melhor.

Sem perda de tempo, o presidente emitiu o recado a quem pudesse interessar. Há vencedores por todos os lados mas, da sua cota, pode contar com poucos de bom peso. São Paulo pesou, para menos, por todo o resto: o PT perdeu o equivalente a 10 vezes seu peso político. Lula já pode tornar-se sócio do clube dos que gostam de "tomar o mingau pelas bordas", fundado por Leonel Brizola para fortalecer a democracia no recomeço. Para quê pressa? O tempo ajuda, quando não atrapalha. O PMDB desempenha o rendoso papel de vítima no espaço político nacional, desde que os demais partidos lhe deram acintosamente as costas nas sucessões presidenciais. Nenhum fechou com candidatos do PMDB a presidente. Sob os militares, o velho MDB abrigou todas as tendências políticas, mas de nenhuma teve a menor retribuição. Nada, porém, impede que, na encruzilhada do passado com o futuro, avalie favoravelmente a oportunidade e apresente candidato próprio daqui a dois anos. Vai ver o que é oportunismo. Eis a incógnita que saiu das urnas municipais.

Foi Lula quem recomendou ao PT aumentar a dose da impropriamente chamada federalização das eleições municipais. Vista de onde o presidente se plantou, entre o terceiro mandato que recusa (vá lá, por uma questão de princípio) e a posição de magistrado, com a história ao seu dispor, transferiu sua volta ao Planalto para 2014. Não hesitou em garantir presença nos palanques, como nunca se viu neste país. Arrombou a porta sem se lembrar de que é presidente da República, e não do PT e associados na bacia das almas. Adiou a hora de cuidar da biografia.

Vale pouco o pragmatismo presidencial, sem a garantia contra falha humana e erro eleitoral, como ocorreu no caso da prefeitura paulistana, a jóia da coroa que os eleitores recusaram a Marta Suplicy. A que título se revezam dois Lulas, um generoso com o risco eleitoral alheio e outro que desaparece de cena assim que pinta resultado adverso? São Paulo atravanca o futuro do petismo em sua própria casa. A classe média paulista não faz cerimônia em abster-se, em relação tanto ao petismo quanto ao aguado socialismo pós-Lenin para o século 21. Trata-se de produto que não recuperou posição no mercado democrático, nem sob a forma diluída e abstrata como o PT o oferece. Não basta ser mais barato, se não for legítimo. Qual seja, sem mostrar os benefícios e ocultando as imperfeições que roeram a teoria, cada vez mais distante da prática.

O presidente não é de se aborrecer com o que não dá certo. Parece convencido de que seus erros são menores que os acertos, com base nas pesquisas. Se passar dos 100 por cento de aprovação, estaremos aritmeticamente perdidos. A oposição mostra-se satisfeita no nicho que ocupa. O PT também espera que a História lhe abra a porta para mais de uma reeleição. Uma vez despejado, por falta de sucessor sangue puro, o petismo irá olhar para trás à procura da explicação definitiva e então se dará conta de que pode estar condenado a virar estátua de sal. Então dirá baixinho, como o último dos luízes, depois de mim só a recessão.

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