segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Os novos governos e a crise


Claudia Costin
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


No dia 26 de outubro elegemos, no Brasil, novos prefeitos em todos os municípios onde houve segundo turno. Muita comemoração entre os vencedores e alguns gestos bonitos e civilizados dos derrotados. Mas as cidades do País, mal saíram do som dos fogos de artifício, tiveram de se defrontar com algo que nem o feriado emendado do Dia do Servidor Público pôde abafar: muitas das promessas não poderão ser cumpridas - não necessariamente por descompromisso dos eleitos, mas porque, enquanto os dias finais da campanha corriam, a crise, que já parecia séria, assumiu feições com que nem os melhores compêndios de economia ensinaram a lidar. Trata-se, nas palavras do economista-chefe de um dos maiores bancos do País, não de uma recessão pura e simples, mas de uma depressão. A economia mundial não quer mais trabalhar com empréstimos, todos querem entesourar e um pânico generalizado atinge não só a economia virtual, o que Manuel Castells chama de autômato ou o gerenciador eletrônico que comanda as finanças do planeta, mas a economia real, a dos produtos, empregos, salários e aquisições.

E o Brasil? Houve aqui, inicialmente, um esforço governamental grande para tranqüilizar o mercado, assegurando aos agentes que estaríamos imunes ao que se passava em outras terras, dados os inegáveis fundamentos macroeconômicos mais sólidos de que dispomos hoje. O baixo índice de crédito imobiliário era usado para mostrar que não teremos (como não temos) problemas nesse segmento. Não creio que tais garantias tenham sido anunciadas de má-fé. Pouco se sabia ou entendia do que haveria de vir.

Na semana da eleição, o cenário mostrou-se mais claro. O Brasil, que vende commodities a países industrializados, conta com uma estrutura de gastos correntes no setor público muito amarrada e pouca folga para investimentos, vai ser, sim, afetado, não é impermeável ao que se passa lá fora. Acabaram-se os tempos de bonança, de arrecadação alta e dinheiro disponível para os necessários gastos sociais, para obras e aumentos de salários que possam atrair bons quadros para o funcionalismo, especialmente num contexto em que, como divulgou o IBGE, o número de funcionários da administração pública no País aumentou 7,5% de 2005 para 2006, bem mais que o aumento no setor privado. Neste contexto, ganharam os prefeitos reeleitos que se prepararam para os tempos de vacas magras.

Na verdade, vários prefeitos eleitos já admitem rever seus programas de governo e adotar uma postura inicial mais austera. Como bem observam Geraldo Biasoto Jr. e José Roberto Afonso, em artigo do dia 25 de outubro no Estadão, a arrecadação deve cair e será fundamental controlar o gasto de custeio para preservar as ações sociais básicas, vitais em momento de crise para garantir a qualidade de vida da população e os investimentos em infra-estrutura. Acrescentaria investimentos em educação, focalizando o gasto em ações que introduzam maior qualidade no ensino, evitando despesas não diretamente vinculadas à aprendizagem dos alunos. O mecanismo mais fácil para avaliar a importância de uma despesa nesta área é verificar se ela contribuirá para um Ideb (o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica estabelecido e monitorado pelo MEC) mais alto ou não. Mas tudo isso, segundo os autores do artigo, deve se subordinar ao preceito da responsabilidade fiscal e da própria democracia: a despesa de um mandato precisa caber dentro de seu período. Para os prefeitos, nesse sentido, o momento é de priorizar gastos, reavaliar as promessas de campanha, reprogramando o momento certo de honrá-las, e, sobretudo, comunicar com clareza aos eleitores o porquê de suas ações. Transparência aqui é chave e serenidade, uma boa conselheira diante do turbilhão que afeta a economia e agitará, certamente, as ondas das finanças públicas municipais.

Outro governo que terá de repensar suas propostas diante de um novo cenário é o do novo presidente americano. Barack Obama ou John McCain, ambos senadores, têm grande familiaridade com a discussão de orçamentos, que nos EUA confere um papel ainda mais importante ao Legislativo. Suas prioridades em políticas públicas são distintas, mas envolvem gastos que, num contexto recessivo, não podem permitir, como chegou a propor McCain, corte de impostos. Há, em primeiro lugar, o programa contra o aquecimento global, tema negligenciado por Bush, mas assumido por ambos os candidatos. McCain chega a afirmar em seu programa que “os EUA não podem continuar a negar sua responsabilidade na redução das emissões de dióxido de carbono”. E Obama, segundo artigo recente de Richard Holbrook na Foreign Affairs, tem o plano mais completo na área, com metas ambiciosas para redução de emissões de dióxido de carbono e um mecanismo de mercado para compensação de carbono respeitado por economistas de direita e de esquerda. Ora, uma ação consistente nessa direção demanda investimentos importantes. O mesmo se pode dizer do reaparelhamento das Forças Armadas, de algumas ênfases na política externa, como o Afeganistão, ou mesmo a mudança na matriz energética. A recuperação de um papel importante e da respeitabilidade dos EUA no cenário internacional tampouco será levado a efeito sem gastos. No caso específico de Obama, incluem-se também gastos sociais relevantes, como a ampliação dos serviços de saúde e educação.

Novamente, neste caso, a crise obrigará o eleito a priorizar e, assim como no Brasil (provavelmente em maior medida), a convencer o Congresso e os eleitores da justeza das prioridades. Afinal, numa democracia promessas podem ser revistas diante de novas circunstâncias, mas sempre em diálogo com o cidadão e seus representantes.

Claudia Costin, vice-presidente da Fundação Victor Civita, professora do Ibmec-SP, foi ministra da Administração Federal e Reforma do Estado e secretária de Cultura do Estado de São Paulo

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