sábado, 13 de dezembro de 2008

Para não esquecer

Editorial
ZERO HORA (RS
)

No fim da tarde de 13 de dezembro de 1968, começava o período mais sombrio da recente história política do Brasil. O governo do marechal-presidente Artur da Costa e Silva, pressionado por setores da ultradireita militar, editou o Ato Institucional nº 5. Foi uma espécie de porta aberta para o regime de exceção que durante os quatro anos anteriores tentara manter uma aparência de democracia. O AI-5, uma espécie de formalização legal da ditadura, foi considerado um golpe dentro do golpe. Entre as medidas impostas naquele ato e naquele dia, estavam algumas das mais liberticidas: o Congresso foi fechado por tempo indeterminado, parlamentares tiveram seus mandatos suspensos, o presidente da República foi autorizado a governar por decretos-lei e a estabelecer o estado de sítio, as reuniões de cunho político foram proibidas e reprimidas, estabeleceu-se a censura prévia (que atingiu a imprensa, o cinema, o teatro e a música), foi suspenso o habeas corpus para delitos políticos e foi autorizada a intervenção em Estados e municípios. Um clima de medo e de radicalismo instalou-se no país. Se antes do AI-5 a democracia estava gravemente ferida, depois dele estava morta.

Para as gerações que não viveram aqueles obscuros momentos, é difícil entender a lógica de medidas tão draconianas. Mais de 1,5 mil pessoas foram punidas, houve milhares de torturados, um número não definido de brasileiros buscou asilo formal ou refúgio informal em países vizinhos ou na Europa, a censura vetou mais de 500 letras de música, mais de 200 livros, mais de 450 peças teatrais e mais de 500 filmes. Abateu-se sobre a oposição ao regime um clima de repressão e de desânimo. A máquina publicitária do governo criou uma espécie de maniqueísmo político pelo qual os bons estavam do lado do governo, os maus do outro lado. “Ame-o ou deixe-o”, era o slogan dessa distorção.

O efeito, no entanto, foi o oposto do que o regime esperava. As medidas de força, escancaradas, alimentaram a resistência. O radicalismo da ditadura fez com que, aos poucos, a chama democrática se avivasse. Alguns gestos desse renascimento, mesmo compreensíveis, foram equivocados, a começar pela opção pela luta armada, que ganhou a simpatia de alguns setores oposicionistas. Mas o país começou a pressionar por mais liberdade. E esta foi, aos poucos, ganhando espaço em oposição a uma massacre publicitário oficial e a um ferrenho controle da informação. Nas eleições parlamentares de seis anos depois, as únicas por votação direta, os brasileiros já respondiam com vitórias do MDB e derrotas para o regime.

Pela importância que o AI-5 teve como símbolo da exceção e como ferramenta da ditadura, não se pode deixar que o esquecimento se abata sobre ele. Nossa democracia, reconquistada nos anos 80, já ostenta hoje algumas virtudes e algumas conquistas que merecem ser exaltadas, especialmente para contrastá-las com aquele período. A vontade das maiorias e os direitos das minorias, estes especialmente, estão legalmente protegidos. O país vive o mais longo período contínuo de liberdades públicas desde a Revolução de 30. Até para valorizar essas conquistas, é preciso lembrar que houve aquele 13 de dezembro de 1968.

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