O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
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Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quinta-feira, 24 de julho de 2008
LÊNIN E GRAMSCI
Raimundo Santos
Raimundo Santos
Lênin e Gramsci guiaram as esquerdas comunistas – até os anos 1970, a marxista-leninista e, depois, a vertente que se reivindica apenas marxista. Orientaram-nas na busca de uma sociedade homogênea na qual a política e o Estado já não teriam serventia (neste estágio a "administração das pessoas" seria substituída pela "administração das coisas", cf. Engels). A ditadura do proletariado viria garantir a supremacia popular requerida para alcançarmos essas utopias igualitárias (cf. Marx e Engels, sobremaneira Lênin, no limiar do século XX).
Gramsci elabora suas teorias no contexto da crise de 1929, quando o poder burguês já não se sustenta exclusivamente no uso da força (no Estado, por ele renomeado como "sociedade política"). Ampliado, o Estado passa a contar com o consenso obtido por meio de um "conjunto de ´aparelhos privados´ de hegemonia" (escolas, partidos etc.), a "sociedade civil". Nessa circunstância, a revolução não se reduz a um assalto direto ao Estado (Rússia, 1917). Ela assume forma de uma "guerra de trincheiras" ou "posições" ao interior da "sociedade civil", não desconsiderada a captura da "casamata" mais forte: a "sociedade política". Para Gramsci, a revolução consiste num processo largo de renovamento "ético-político", "catarse" (sic). Todavia, assim pensada (consenso prévio, instituições), a revolução pressupunha hegemonia. No contexto já muito diversificado daquela época de "capitalismo organizado", o socialismo, no "Ocidente" (nas sociedades complexas; "Ocidente" não é conceito geográfico), requer supremacia de um bloco nacional-popular.
O núcleo dessa teoria gramsciana – a hegemonia – foi discutido intensamente desde que Bobbio fixou nosso paradoxo nos anos 1970: democracia no capitalismo; socialismo sem democracia. A esquerda vem se debatendo ante o desafio de renovar a sociedade por meio da política, sob o Estado Democrático de Direito. Habermas, a quem sigo, define-se pelo caminho da "identificação sem reservas com o Estado democrático de direito, sem o abandono de objetivos reformistas muito além do status quo".
Raimundo Santos é professor da UFRRJ/CPDA, autor de vários livros.
DEU EM O GLOBO
ENTRE PORRETES E CENOURAS
Merval Pereira
Merval Pereira
NOVA YORK. Além de ter que torcer por uma derrapada de Barack Obama em sua primeira viagem internacional como candidato a presidente, coisa que até agora não aconteceu, o senador John McCain está lidando mal com uma espécie de "herança maldita" que, também no caso americano, está ajudando Obama. Tanto como senador como candidato, Obama foi contra o reforço de tropas no Iraque, no início de 2007, que sem dúvida proporcionou um controle maior da segurança no país, a ponto de permitir que hoje o próprio governo iraquiano fale em dispensar as tropas dos Estados Unidos até 2010, programação que coincide com a proposta do candidato democrata de retirada gradual por um período de 16 meses a partir de janeiro do próximo ano.
Não há dúvidas de que o reforço de tropas e a concentração de poderes no general Petraeus, comandante-geral das forças multinacionais no Iraque, que McCain apoiou desde o primeiro instante, ajudaram a criar a atual situação, mas, para efeitos de opinião pública americana, a melhoria de segurança não significa que os Estados Unidos estão ganhando a guerra do Iraque, mas sim que já é tempo de os soldados regressarem ao país, a principal bandeira de Obama.
Para infelicidade de McCain, também quem deu várias escorregadas na política externa foi ele, que, além de se referir a uma inexistente fronteira entre Iraque e Paquistão, onde a situação seria perigosa, deu uma versão sobre o controle da segurança no Iraque que não corresponde à realidade histórica, perdendo as credenciais de especialista em guerras e em política externa que se atribui por ser herói do Vietnã.
Querendo ressaltar a importância de ter apoiado o aumento das tropas e a mudança de estratégia que fora criticada por Obama, o candidato republicano atribuiu a essa decisão o movimento de tribos e insurgentes, na região de Anbar, contra as ações da Al Qaeda, conhecido como "Anbar Awakening" ("Despertar de Anbar", na tradução literal).
Acontece que esse movimento teve início em 2006, e as tropas extras dos Estados Unidos só chegaram ao Iraque entre fevereiro e março de 2007, quando também assumiu a função o general Petraeus.
É verdade que em setembro de 2006 os insurgentes contra a Al Qaeda formaram o Conselho de Jazeera em Ramadi, e começaram a trabalhar em conjunto com as forças da coalizão, o que se intensificou no início de 2007.
Ao comentar a posição do senador Barack Obama, o candidato republicano tentou menosprezar os conhecimentos do adversário, afirmando que ele desconhecia "fatos históricos" e fazia "um grande desserviço" ao não reconhecer o papel da liderança do general Petraeus e dos "jovens americanos que com seu sacrifício possibilitaram o sucesso no Iraque".
Mas, historicamente, foi McCain quem cometeu a gafe, que está sendo apontada como grave para quem pretende ser o comandante de uma guerra que não teria prazo para acabar.
Ao contrário, a viagem internacional de Obama está sendo vista como um divisor de águas que dará confiança ao eleitorado na capacidade de o candidato democrata vir a ser o futuro presidente dos Estados Unidos.
O diretor do Centro para Estudos Globais e Humanidades da Universidade Duke, Walter Mignolo, por exemplo, considera "muito interessantes" os movimentos internacionais de Obama, e atribui a eles algumas mudanças de atitude do governo Bush.
A atitude firme, mas conciliadora, que Obama vem defendendo para a política externa americana teria sido a razão de algumas mudanças liberalizantes da administração Bush, como retirar a Coréia do Norte da lista negra de países, e mesmo uma posição mais negociadora com o Irã.
Para Mignolo, a carta decisiva é a secretária de Estado Condoleezza Rice, "negra como Obama": "Ela está mudando de posição a política externa sentindo os novos tempos, revelando que no final ela é uma boa política, ou está apenas tratando de sua futura carreira?", pergunta.
A visita a Israel era considerada talvez a mais delicada etapa da viagem internacional, ainda mais porque Barack Obama havia feito uma declaração recentemente que teve que ser refeita em seguida. Num dia, ele se disse favorável a um Estado Palestino tendo por capital Jerusalém, para no dia seguinte afirmar que Jerusalém era indivisível, e teria que continuar sob domínio israelense.
Ontem, usando uma gravata comum listrada de azul e branco, as cores de Israel, Barack Obama saiu-se bem da questão, continuando a afirmar a soberania de Israel sobre Jerusalém, mas defendendo um Estado palestino independente. Mais importante do que tudo, reafirmou seu apoio integral na disputa com o Irã, não deixando dúvidas de que o Irã nuclear é uma ameaça tanto a Israel quanto aos Estados Unidos.
Disse estar disposto a negociar com o Irã, mas falou na política do "big stick" (grande porrete), que marca a época mais dura da política externa americana. É verdade que acenou com "big carrots" ("grandes cenouras") para atrair a boa vontade do Irã, mas isso faz parte da maneira que ele está encontrando para se equilibrar entre seu passado de político liberal e seu presente de candidato a presidente, que precisa atrair os votos da grande classe média branca americana, que ainda não o escolheu como seu candidato.
Ele tem, por exemplo, uma vantagem de 60 a 30 entre os eleitores judeus americanos, mas, quando se trata do eleitorado geral, ainda há uma divisão forte. Na mais recente pesquisa do jornal "Washinton Post" e da cadeia de televisão ABC, os eleitores estão claramente rachados entre Obama e McCain sobre quem é mais habilitado a lidar com questão de Israel com os palestinos: 44% votam em McCain, enquanto 42% preferem Obama. Mas os resultados são anteriores a esta viagem.
DEU EM O GLOBO
QUAL É O NOSSO LADO?
Carlos Alberto Sardenberg
Carlos Alberto Sardenberg
A Rodada Doha foi lançada em novembro de 2001, na capital do Catar, apenas dois meses depois do ataque terrorista que havia derrubado as torres de Nova York. A reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio estava marcada antes do atentado - mas parecia que nem ia se iniciar. Não havia clima para negociações cujo objetivo seria facilitar o comércio internacional e, pois, a globalização.
O ataque acabou influenciando na outra direção. Tornou-se amplamente aceita a tese segundo a qual quanto mais crescimento, emprego e renda houvesse nos países emergentes e pobres, menor seria o espaço para o terrorismo. E ainda: quanto mais integrados os países estivessem no comércio global, também menor seria a tentação terrorista, vista como uma espécie de desespero diante da exclusão. Acrescente-se que o mundo sofria as conseqüências da crise financeira gerada pelo estouro das bolhas da internet e das telecomunicações, outro problema que poderia ser combatido com mais negócios.
Resumindo, o clima internacional virou para o outro lado. Combater a pobreza no mundo tem de ser prioridade na agenda; o Talibã e a al-Qaeda merecem bombas, o Afeganistão precisa de ajuda; e todos precisam de mercados e, pois, de comércio externo.
Por isso a Rodada Doha ganhou o apelido de Rodada do Desenvolvimento. A conseqüência direta era a abertura do comércio agrícola mundial, pois mais de 70% das exportações dos países não-ricos eram compostas de produtos agrícolas e industrializados com uso intensivo de mão-de-obra. Ora, naquele momento, Estados Unidos, União Européia e Japão estavam gastando mais de US$200 bilhões anuais com subsídios agrícolas.
A rodada iniciou-se ambiciosa. A conclusão do acordo foi marcada para janeiro de 2005. Já estamos, portanto, com quatro anos de atraso. Os objetivos falavam de redução "substancial" dos subsídios e tarifas de importação de produtos agrícolas. Hoje, está claro que se perdeu muito do espírito inicial.
Isso foi conseqüência de uma combinação de fatores, a começar pela emergência econômica e política de países como China, Índia, Brasil e Rússia, cujos interesses nacionais parecem complementares, mas aparecem freqüentemente contraditórios. Não cabe mais aí a divisão entre pobres e ricos, Sul e Norte.
A Índia, por exemplo, está mais alinhada com a União Européia quando se opõe à redução de tarifas de importação agrícola, medida de total interesse do Brasil. Outro fator: o terrorismo quase se dissipou, não era a ameaça global que parecia ser.
Finalmente, o mundo entrou em um processo de forte crescimento econômico global (2002/2007), com expansão dos emergentes, passando a idéia de que o comércio global já estava bem arrumado assim mesmo. Com isso, a rodada sofreu sucessivos fracassos. Chega a seu momento decisivo quando a prosperidade global deu lugar a uma série de crises nacionais e regionais, situações que tendem a exacerbar o protecionismo. Ou seja, a atual rodada, se terminar com acordo, será um acordo bem limitado. Uma pena, pois o fundamento é totalmente correto: mais comércio mundial é igual a mais prosperidade.
Em Genebra, os EUA propuseram um teto anual de US$15 bilhões para os subsídios que pagam aos seus agricultores, para compensar preços baixos. Ora, neste ano, por exemplo, quase todos os preços agrícolas estiveram muito altos, de modo que o governo americano não precisou subsidiar diversos agricultores. Resultado, seus gastos estão em torno dos US$7,5 bilhões - metade do que propuseram nas negociações.
Por outro lado, a lei agrícola aprovada pelo Congresso americano estipula um teto anual de US$48 bilhões para subsídios. Esse é o valor que o governo poderia gastar em um momento de preços internacionais baixos. Ora, US$48 bilhões é três vezes o teto proposto pelo governo Bush em Genebra. Problema: a lei agrícola atual foi aprovada pelo Congresso, com a maioria democrata. O presidente Bush vetou, propondo limitar os subsídios a agricultores com renda anual de até US$200 mil.
Os deputados e senadores derrubaram o veto e mantiveram inclusive o subsídio a agricultores com renda de até US$1,2 milhão e aumentaram o apoio a plantadores de milho para etanol.
Sabem quem foi um dos mais entusiastas defensores da lei? Barack Obama. Já McCain votou contra a lei agrícola e os subsídios ao etanol de milho, assim como pediu a eliminação do imposto de importação sobre o etanol brasileiro.
CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
A LEI SECA E SEUS EFEITOS
Celso Ming
Ninguém gosta de proibições. Mas está ficando tão difícil a vida nas cidades que algumas leis que implicam sérias restrições à liberdade de ação dos indivíduos começam a ganhar rápida popularidade.
Celso Ming
Ninguém gosta de proibições. Mas está ficando tão difícil a vida nas cidades que algumas leis que implicam sérias restrições à liberdade de ação dos indivíduos começam a ganhar rápida popularidade.
A lei do rodízio dos veículos que trafegam durante a semana no centro expandido da cidade de São Paulo é uma delas. Ninguém, nas atuais condições do transporte público, seria capaz de defender o fim desse sistema. Também foi enorme o índice de aprovação à lei do Município que restringiu a poluição visual. A população estava tão acostumada a viver naquelas condições que o alívio só foi sentido plenamente quando as placas, painéis e outdoors foram definitivamente removidos.
As normas antifumo também estão nessa categoria. No mundo inteiro, as restrições nesse campo tendem a aumentar e são cada vez mais aceitas com naturalidade.
O último caso de ampla aprovação de uma lei que restringe o consumo é a lei seca, que proíbe os motoristas em todo o Brasil de dirigirem seus veículos depois de terem ingerido qualquer quantidade de bebida alcoólica. Alguns interesses saíram contrariados e fizeram questão de manifestar essa contrariedade. Este é especialmente o caso dos fabricantes de bebidas e o dos proprietários de bares e restaurantes.
Mas as primeiras pesquisas de opinião, provavelmente levantadas em condições ainda precárias, mostram que 73% da população aplaudiu a iniciativa.
Também são fortemente favoráveis os resultados que se seguiram às primeiras semanas de vigência da lei. As mortes violentas registradas pelo Instituto Médico Legal caíram 57% em São Paulo. E os casos de motoristas apanhados pelo bafômetro começaram a diminuir, o que parece comprovar que ela deverá ser observada.
São dados iniciais, longe de serem confiáveis, não só porque ainda não apresentaram a necessária densidade estatística, mas também porque julho é um mês atípico. Além de ser marcado pelas férias escolares, apresenta trânsito menos caótico do que em outros períodos do ano na cidade, o que pode ter interferido na precisão desses números. Mesmo assim, não podem ser desconsiderados como indícios de que essa nova lei "vai pegar".
Mas os principais resultados ainda estão por vir. Informações apresentadas pela Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo dão conta de que as despesas com atendimento de pronto-socorro e internação hospitalar em conseqüência de acidentes de trânsito queimam R$ 2,5 mil por hora do contribuinte do Estado. Com a redução do número de acidentes, o custo dos serviços públicos de assistência médica tende a cair substancialmente.
Se essa redução se confirmar, dentro de mais alguns meses será inevitável, também, a queda dos prêmios de seguro tanto de veículos como de seguro de vida. Números disponíveis da Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização (Fenaseg) mostram que apenas as indenizações pagas em conseqüência da colisão de veículos (54% do total) alcançaram R$ 2,5 bilhões no ano passado.
E, de quebra, a nova lei deve contribuir para combater o alcoolismo, não só por parte dos motoristas, mas da própria população.
CONFIRA
Reforço de dose - A decisão do Copom foi aumentar os juros em 0,75 ponto porcentual, para 13,00% ao ano. É a terceira alta desde janeiro, que acumula neste ano um avanço nos juros básicos de 1,75 ponto porcentual.
Tempestivamente - Esta é a palavra-chave do comunicado divulgado junto com a decisão. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, já a usou há algumas semanas.
Em tempo oportuno - Este é o significado dessa expressão. Mas Meirelles parece ter pretendido dizer com isso que o Banco Central está sendo determinado a trazer rapidamente a inflação para o centro da meta.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
PEGA LADRÃO!
Fernando de Barros e Silva
Fernando de Barros e Silva
SÃO PAULO - A demanda por moralidade na política e maior transparência no processo eleitoral ganhou um aliado polêmico com a divulgação da "lista dos 15" pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros). Os fichas-sujas viraram um assunto. Essa onda moralizadora está ligada a um desejo mais amplo de "passar o país a limpo", como mostram as reações ao caso Dantas.
Ninguém de boa-fé deixará de reconhecer méritos nesse anseio. Mas ninguém escaldado deixará de perceber também que esse filme é velho e suas motivações são mais ambíguas do que podem parecer.
Sabemos todos que notórios ladrões fazem da política a sua profissão. Que usam a imunidade do cargo como biombo para a impunidade e usurpam o mandato popular, transformando-o em ferramenta de seu business ou gatunagem.
A generalização dessa percepção, para a qual contribuiu o realismo quase sem nenhum pudor de PSDB e PT na última década, tem alimentado uma certa ojeriza à política. Desenvolveu também em muitos progressistas de antigamente uma espécie de cinismo pragmático.
A atitude do eleitor desiludido diante dos candidatos parece oscilar entre dois pólos complementares: 1. O que ele quer arrancar de mim? 2. O que eu posso tirar dele? (O leitor de boa alma faça a gentileza de não vestir a carapuça.)
Nesse ambiente, a faxina eleitoral proposta pela AMB corre o sério risco de se converter numa caça às bruxas, manchando a democracia em nome da "higienização" do voto.
Entre o critério elástico adotado pela lista dos juízes, que junta candidatos em situações legais muito distintas e passados muito diversos, e a atual legislação eleitoral, que na prática premia os larápios e pune a sociedade, seria o caso de buscar um meio-termo, menos estridente, mas também menos concessivo, capaz de separar o joio do trigo.
É essa, aliás, a posição esclarecida do presidente do TSE, ministro Carlos Ayres Britto, infelizmente minoritária no âmbito daquele tribunal que decide as coisas.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
ERROS E ACERTOS
Eliane Cantanhêde
Eliane Cantanhêde
BRASÍLIA - Não foi nenhum acusado, advogado ou curioso quem disse que há "erros" no inquérito do delegado Protógenes Queiroz sobre o trio Daniel Dantas, Naji Nahas e Celso Pitta. Foi, nada mais nada menos, o ministro da Justiça e chefe da PF, Tarso Genro.
Antes, os erros eram só de procedimento, a tal "espetacularização" de prender os suspeitos com câmeras de TV adentrando a casa alheia e com o uso de algemas de pobre em gente tão rica.
Agora, passaram a ser de conteúdo: a fundamentação da prisão temporária (como Gilmar Mendes já dizia), a referência leviana a pessoas inocentes e os rasgos messiânicos injustificáveis em peças policiais (como apontou o repórter Ranier Bragon). Sem contar as ações escondidas da cúpula da PF e a aliança com a Abin.
Segundo Tarso, o substituto de Protógenes, Ricardo Saadi, é de "altíssimo nível" e o inquérito incorporará uma profusão de adjetivos: será "mais profundo", "mais técnico", "mais sofisticado", "com mais qualidade" e "menos midiático".
O que, portanto, significa retirar trechos como o que trata uma boa jornalista como "integrante de organização criminosa", por ter dado o chamado "furo de reportagem", ou o que faz referência a um rapaz de Niterói como agente infiltrado de Daniel Dantas no Exército.
Ele fez engenharia da computação no Instituto Militar de Engenharia e se tornou tenente em 2007, mas desistiu da carreira. O Exército exigiu ressarcimento, e ele entrou na Justiça. Trata-se do primeiro espião que decidiu processar quem deveria espionar.
O grande escândalo poderia descambar para uma comédia de quinta, não fosse o principal: à parte as idiossincrasias e os erros de Protógenes, a essência do inquérito que ele comandou é consistente -ou "robusta", como admitiu Tarso. E, assim, a investigação e suas conseqüências têm de ir adiante, porque a desmoralização não seria só de um delegado; seria geral.
DEU NO VALOR ECONÔMICO
"ESSE É O GABEIRA, GENTE", ANUNCIA ASSESSOR EM BANGU
Ana Paula Grabois, do Rio
Gabeira em campanha com Aladim, jogador do Bangu na década de 60, hoje vereador pelo PV de Curitiba
Quase como um desconhecido, o candidato a prefeito do Rio Fernando Gabeira (PV/PSDB/PPS) fez caminhada ontem no calçadão de Bangu, parada obrigatória de políticos em busca dos votos da zona Oeste carioca. No centro de comércio popular de um dos bairros com maior eleitorado da cidade, Gabeira precisava ser anunciado por um assessor munido com um megafone. "Esse é o Gabeira, gente. O candidato do povo", dizia o rapaz conhecido como Pulmão aos aposentados que lotavam as mesinhas de cimento no meio do calçadão.
Mais identificado com o eleitor da zona Sul, o candidato era menos reconhecido do que o vereador do PV de Curitiba, Aladim, ex-jogador do time do Bangu na década de 60. Depois de cumprimentada pelo candidato do PV, a aposentada Eliete Gomes de Araújo disse que iria votar nele, mas comentava com ironia: "Não é o homem do Partido Verde? É o homem da erva, da erva maldita."
Com um figurino que destoava daquele cenário, vestido com uma blusa florida de tons claros e manga comprida, calça jeans e tênis de skatista, o deputado seguiu firme por todo o calçadão. Entrava nas lojas, cumprimentava pessoas na fila de um banco e era recebido por rostos um tanto constrangidos. Vindo de um partido com apenas um representante na Câmara Municipal, o deputado federal defensor da liberação da maconha e dos direitos civis dos homossexuais, não teve nenhum dos seis vereadores do coligado PSDB na caminhada de ontem. Nem o seu vice, o deputado estadual tucano Luiz Paulo Corrêa da Rocha, apareceu.
"É uma caminhada como as outras. Há alguma simpatia, algumas pessoas cumprimentam e dizem que vão votar. Outras, simplesmente cumprimentam ou ficam espantadas porque não sabiam que as eleições estão começando. Há lugares e há dias mais densos, como um sábado em Madureira", disse o candidato.
Gabeira vai manter a campanha nas zonas Sul e Norte, mas quer avançar na zona Oeste, área que costuma definir as eleições na cidade. O principal entrave, diz, são as 26 milícias armadas que controlam comunidades da região e dificultam a entrada de políticos. "Tem uma parte da população que não pode votar livremente. Esse dado é muito importante na zona Oeste e nós vamos entrar nas comunidades, mas primeiro queremos que haja algum tipo de investigação", afirmou.
Ele pretende iniciar a campanha nessas comunidades na semana que vem sem a escolta da Polícia Militar. Na terça-feira, a candidata à Câmara Municipal Ingrid Gerolimich, do PT, foi à favela da Rocinha com policiais militares para garantir a segurança de sua panfletagem. "Vamos entrar sem polícia, vamos entrar na moral", disse Gabeira, para quem é preciso organizar uma campanha educativa na imprensa e no Tribunal Regional Eleitoral do Rio de que voto é secreto, pois as milícias dizem que vão descobrir o voto de cada um. "O Rio é a única cidade do Brasil onde tem mais de 700 mil pessoas que não podem ser acessadas pelos candidatos."
A zona oeste é marcada pela política do voto comunitário. O prefeito Cesar Maia (DEM), eleito três vezes, criou uma rede forte de sustentação assistencialista por meio de vereadores das localidades com ligações com associações de moradores, centros sociais e obras. Ontem, o DEM decidiu expulsar o deputado estadual e chefe de milícia Natalino Guimarães, preso pela Polícia Civil na terça-feira.
Nesta semana, porém, Maia fez duras críticas ao candidato em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, Marcelo Crivella (PRB), por adotar práticas clientelistas nas comunidades pobres do Rio. O prefeito chama o ex-bispo da Igreja Universal de neo-chaguista ao lembrar o projeto de reformas de casas "Cimento Social" no Morro da Providência, cujas obras foram interrompidas pela Justiça Eleitoral. Na avaliação de Gabeira, os vereadores não são tão importantes. "O importante é conquistar a sociedade", disse. (Com Agência O Globo)
Ana Paula Grabois, do Rio
Gabeira em campanha com Aladim, jogador do Bangu na década de 60, hoje vereador pelo PV de Curitiba
Quase como um desconhecido, o candidato a prefeito do Rio Fernando Gabeira (PV/PSDB/PPS) fez caminhada ontem no calçadão de Bangu, parada obrigatória de políticos em busca dos votos da zona Oeste carioca. No centro de comércio popular de um dos bairros com maior eleitorado da cidade, Gabeira precisava ser anunciado por um assessor munido com um megafone. "Esse é o Gabeira, gente. O candidato do povo", dizia o rapaz conhecido como Pulmão aos aposentados que lotavam as mesinhas de cimento no meio do calçadão.
Mais identificado com o eleitor da zona Sul, o candidato era menos reconhecido do que o vereador do PV de Curitiba, Aladim, ex-jogador do time do Bangu na década de 60. Depois de cumprimentada pelo candidato do PV, a aposentada Eliete Gomes de Araújo disse que iria votar nele, mas comentava com ironia: "Não é o homem do Partido Verde? É o homem da erva, da erva maldita."
Com um figurino que destoava daquele cenário, vestido com uma blusa florida de tons claros e manga comprida, calça jeans e tênis de skatista, o deputado seguiu firme por todo o calçadão. Entrava nas lojas, cumprimentava pessoas na fila de um banco e era recebido por rostos um tanto constrangidos. Vindo de um partido com apenas um representante na Câmara Municipal, o deputado federal defensor da liberação da maconha e dos direitos civis dos homossexuais, não teve nenhum dos seis vereadores do coligado PSDB na caminhada de ontem. Nem o seu vice, o deputado estadual tucano Luiz Paulo Corrêa da Rocha, apareceu.
"É uma caminhada como as outras. Há alguma simpatia, algumas pessoas cumprimentam e dizem que vão votar. Outras, simplesmente cumprimentam ou ficam espantadas porque não sabiam que as eleições estão começando. Há lugares e há dias mais densos, como um sábado em Madureira", disse o candidato.
Gabeira vai manter a campanha nas zonas Sul e Norte, mas quer avançar na zona Oeste, área que costuma definir as eleições na cidade. O principal entrave, diz, são as 26 milícias armadas que controlam comunidades da região e dificultam a entrada de políticos. "Tem uma parte da população que não pode votar livremente. Esse dado é muito importante na zona Oeste e nós vamos entrar nas comunidades, mas primeiro queremos que haja algum tipo de investigação", afirmou.
Ele pretende iniciar a campanha nessas comunidades na semana que vem sem a escolta da Polícia Militar. Na terça-feira, a candidata à Câmara Municipal Ingrid Gerolimich, do PT, foi à favela da Rocinha com policiais militares para garantir a segurança de sua panfletagem. "Vamos entrar sem polícia, vamos entrar na moral", disse Gabeira, para quem é preciso organizar uma campanha educativa na imprensa e no Tribunal Regional Eleitoral do Rio de que voto é secreto, pois as milícias dizem que vão descobrir o voto de cada um. "O Rio é a única cidade do Brasil onde tem mais de 700 mil pessoas que não podem ser acessadas pelos candidatos."
A zona oeste é marcada pela política do voto comunitário. O prefeito Cesar Maia (DEM), eleito três vezes, criou uma rede forte de sustentação assistencialista por meio de vereadores das localidades com ligações com associações de moradores, centros sociais e obras. Ontem, o DEM decidiu expulsar o deputado estadual e chefe de milícia Natalino Guimarães, preso pela Polícia Civil na terça-feira.
Nesta semana, porém, Maia fez duras críticas ao candidato em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, Marcelo Crivella (PRB), por adotar práticas clientelistas nas comunidades pobres do Rio. O prefeito chama o ex-bispo da Igreja Universal de neo-chaguista ao lembrar o projeto de reformas de casas "Cimento Social" no Morro da Providência, cujas obras foram interrompidas pela Justiça Eleitoral. Na avaliação de Gabeira, os vereadores não são tão importantes. "O importante é conquistar a sociedade", disse. (Com Agência O Globo)
DEU NO VALOR ECONÔMICO
ESQUECERAM QUE DANTAS ERA O ACUSADO
Maria Inês Nassif
A primeira reação da mídia foi a de se refugiar em seu papel noticiarista: a prisão do banqueiro Daniel Dantas, de sua irmã e de outros parceiros de negócios foi acompanhada pelas lentes dos fotógrafos e dos cinegrafistas, e pelas diligentes anotações dos repórteres. Aí, os acusados eram Dantas e outros integrantes ou parceiros de negócios do Grupo Opportunity. Num segundo momento, os meios de comunicação embarcaram nos protestos do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que acusou o delegado da PF, Protógenes Queiroz, de sensacionalista, jogou pedras sobre o Ministério Público e soltou todos os presos, exceto os envolvidos diretamente na tentativa de suborno de um delegado. Foi quando os acusados passaram a ser a Polícia Federal e o Ministério Público. Em seguida, sob pressão da mídia, o ministro da Justiça, Tarso Genro, e a direção da Polícia Federal forçaram o afastamento dos delegados responsáveis pelo inquérito. A partir daí, os dedos acusadores da mesma mídia apontaram para o governo, que teria abortado a ação saneadora do delegado Protógenes, antes aquele que cometeu abusos contra acusados.
Exceto no primeiro capítulo da novela Daniel Dantas, o foco da mídia não foi o dos negócios do banqueiro - ou empresário, ou sócio de empresas fantasmas, ou seja lá o que for - que estava sob investigação da polícia, mas os supostos crimes cometidos pela PF, ou uma ação política do governo para esvaziar o inquérito produzido por delegados da PF antes acusados de cometer ilegalidades.
É difícil cobrar um comportamento sempre coerente da mídia: no calor dos fatos, reportar e julgar ao mesmo tempo, sem ter todas as informações, embute um enorme risco de erro. Mas é inegável que as oscilações abruptas de julgamento - e de foco - têm evidentes efeitos colaterais. A desautorização do inquérito da PF em determinado momento - desautorização pura e simples, sem ressalvas - serviu à defesa de Dantas. É certo que o inquérito cometeu erros crassos, misturou estações e interpretou de forma muito equivocada alguns grampos - e perdeu credibilidade ao misturar pessoas envolvidas nos negócios de Dantas com outras que simplesmente foram citadas e não tinham culpa nenhuma no cartório. Mas os meios de comunicação também não separaram as coisas. Primeiro, publicaram tudo como se fosse tudo verdade e, quando se depararam com a dificuldade de comprovar o envolvimento de alguns dos citados, a tendência foi a de generalizar a acusação de "abuso", como se prender alguém que mandou corromper um delegado fosse algo impensável, pelo menos quando essa figura é um banqueiro. Quando resolveram rever sua opinião sobre a polícia - e isso ocorreu quando foi possível acusar o governo de pressão política sobre a instituição - a guinada foi radical: a PF não era mais leviana, mas moralizadora, e era essa PF moralizadora o objeto das pressões de um governo.
Nesses dois extremos, a mídia também foi o veículo da sensacionalização. Se a PF foi sensacional, foi porque o fato dado a conhecimento foi reverberado pela mídia sem qualquer filtro. Daí foi a própria mídia a acusar o sensacionalismo e pressionar por uma posição de governo contra o que considerou abusos. E foram os próprios meios de comunicação quem, à ação corretiva dos superiores do delegado, acusaram sensacionalmente o governo de ter pressionado a instituição a não apurar fatos relativos ao inquérito contra Dantas e grupo.
Mídia mudou de posição sobre a PF várias vezes
Nesse processo, o resultado mais palpável foi que em alguns dias Daniel Dantas e suas ações pouco republicanas saíram rapidamente de foco e deram lugar a um debate surrealista sobre o que é um abuso policial e sobre até onde vai a autonomia da PF diante de uma pressão do governo (dada como certa e definitiva) sobre a instituição para não apurar os fatos - que, ao mesmo tempo, segundo a mesma imprensa, fez um inquérito que beirou o abusivo. É surrealista porque em nenhum momento a imprensa analisou o seu próprio papel no caso. E isso inclui o fato de que toda a informação que uma instituição vaza é publicada por algum veículo de comunicação. Se foi um abuso o vazamento de todo o inquérito, inclusive as partes relativas a pessoas que não são parte dos delitos cometidos pelo grupo de Dantas, de quem é o abuso? De quem vazou ou de quem publicou a informação vazada?
Desde a promulgação da Constituição de 1988, o país vive ciclos em que uma ou outra instituição se impõe sobre as demais quando assume como exclusivamente seu o papel de repressão ao crime e de guardião da moralidade. O Ministério Público já esteve nessa situação, assim como os juízes de primeira instância. Agora é a vez da PF. Todas as vezes que uma instituição se excedeu, no entanto, foi porque encontrou eco na mídia. Foram os veículos de comunicação que deram guarida aos sucessivos vazamentos de investigações do MP ou de processos que corriam na Justiça; como hoje dão abrigo aos vazamentos da PF. Não raro, um vazamento de informação acaba justificando um pedido judicial da mesma instituição que fez o vazamento; ou é usado como pressão política contra partidos e governos; ou é exibido como prova de eficiência, em movimentos de valorização corporativa. Portanto, a informação, pretensamente acrítica, não é neutra. Ela tem usos políticos e corporativos.
Não dá para debater os eventuais abusos de instituições sem reconhecer que o jornalismo teve um papel fundamental nos processos de hipertrofia dos poderes de uma ou outra, em determinados períodos. É um engano imaginar que a informação acrítica é neutra. Ela é apenas acrítica - e isso não significa sequer ser independente. O próprio modus operandi de Dantas é prova disso. A farta produção de dossiês para destruir reputações de inimigos foi um fato. Se os jornais e revistas os publicaram, fizeram um favor a Dantas. Esse comportamento está longe de ser neutro. Se um inquérito policial atinge quem não deve atingir, e a imprensa não filtra essa informação, pode lançar o descrédito em todo o inquérito e contribuir para a impunidade dos que devem efetivamente ser punidos. Ou pode abalar as reputações de quem nada deve.
Maria Inês Nassif
A primeira reação da mídia foi a de se refugiar em seu papel noticiarista: a prisão do banqueiro Daniel Dantas, de sua irmã e de outros parceiros de negócios foi acompanhada pelas lentes dos fotógrafos e dos cinegrafistas, e pelas diligentes anotações dos repórteres. Aí, os acusados eram Dantas e outros integrantes ou parceiros de negócios do Grupo Opportunity. Num segundo momento, os meios de comunicação embarcaram nos protestos do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que acusou o delegado da PF, Protógenes Queiroz, de sensacionalista, jogou pedras sobre o Ministério Público e soltou todos os presos, exceto os envolvidos diretamente na tentativa de suborno de um delegado. Foi quando os acusados passaram a ser a Polícia Federal e o Ministério Público. Em seguida, sob pressão da mídia, o ministro da Justiça, Tarso Genro, e a direção da Polícia Federal forçaram o afastamento dos delegados responsáveis pelo inquérito. A partir daí, os dedos acusadores da mesma mídia apontaram para o governo, que teria abortado a ação saneadora do delegado Protógenes, antes aquele que cometeu abusos contra acusados.
Exceto no primeiro capítulo da novela Daniel Dantas, o foco da mídia não foi o dos negócios do banqueiro - ou empresário, ou sócio de empresas fantasmas, ou seja lá o que for - que estava sob investigação da polícia, mas os supostos crimes cometidos pela PF, ou uma ação política do governo para esvaziar o inquérito produzido por delegados da PF antes acusados de cometer ilegalidades.
É difícil cobrar um comportamento sempre coerente da mídia: no calor dos fatos, reportar e julgar ao mesmo tempo, sem ter todas as informações, embute um enorme risco de erro. Mas é inegável que as oscilações abruptas de julgamento - e de foco - têm evidentes efeitos colaterais. A desautorização do inquérito da PF em determinado momento - desautorização pura e simples, sem ressalvas - serviu à defesa de Dantas. É certo que o inquérito cometeu erros crassos, misturou estações e interpretou de forma muito equivocada alguns grampos - e perdeu credibilidade ao misturar pessoas envolvidas nos negócios de Dantas com outras que simplesmente foram citadas e não tinham culpa nenhuma no cartório. Mas os meios de comunicação também não separaram as coisas. Primeiro, publicaram tudo como se fosse tudo verdade e, quando se depararam com a dificuldade de comprovar o envolvimento de alguns dos citados, a tendência foi a de generalizar a acusação de "abuso", como se prender alguém que mandou corromper um delegado fosse algo impensável, pelo menos quando essa figura é um banqueiro. Quando resolveram rever sua opinião sobre a polícia - e isso ocorreu quando foi possível acusar o governo de pressão política sobre a instituição - a guinada foi radical: a PF não era mais leviana, mas moralizadora, e era essa PF moralizadora o objeto das pressões de um governo.
Nesses dois extremos, a mídia também foi o veículo da sensacionalização. Se a PF foi sensacional, foi porque o fato dado a conhecimento foi reverberado pela mídia sem qualquer filtro. Daí foi a própria mídia a acusar o sensacionalismo e pressionar por uma posição de governo contra o que considerou abusos. E foram os próprios meios de comunicação quem, à ação corretiva dos superiores do delegado, acusaram sensacionalmente o governo de ter pressionado a instituição a não apurar fatos relativos ao inquérito contra Dantas e grupo.
Mídia mudou de posição sobre a PF várias vezes
Nesse processo, o resultado mais palpável foi que em alguns dias Daniel Dantas e suas ações pouco republicanas saíram rapidamente de foco e deram lugar a um debate surrealista sobre o que é um abuso policial e sobre até onde vai a autonomia da PF diante de uma pressão do governo (dada como certa e definitiva) sobre a instituição para não apurar os fatos - que, ao mesmo tempo, segundo a mesma imprensa, fez um inquérito que beirou o abusivo. É surrealista porque em nenhum momento a imprensa analisou o seu próprio papel no caso. E isso inclui o fato de que toda a informação que uma instituição vaza é publicada por algum veículo de comunicação. Se foi um abuso o vazamento de todo o inquérito, inclusive as partes relativas a pessoas que não são parte dos delitos cometidos pelo grupo de Dantas, de quem é o abuso? De quem vazou ou de quem publicou a informação vazada?
Desde a promulgação da Constituição de 1988, o país vive ciclos em que uma ou outra instituição se impõe sobre as demais quando assume como exclusivamente seu o papel de repressão ao crime e de guardião da moralidade. O Ministério Público já esteve nessa situação, assim como os juízes de primeira instância. Agora é a vez da PF. Todas as vezes que uma instituição se excedeu, no entanto, foi porque encontrou eco na mídia. Foram os veículos de comunicação que deram guarida aos sucessivos vazamentos de investigações do MP ou de processos que corriam na Justiça; como hoje dão abrigo aos vazamentos da PF. Não raro, um vazamento de informação acaba justificando um pedido judicial da mesma instituição que fez o vazamento; ou é usado como pressão política contra partidos e governos; ou é exibido como prova de eficiência, em movimentos de valorização corporativa. Portanto, a informação, pretensamente acrítica, não é neutra. Ela tem usos políticos e corporativos.
Não dá para debater os eventuais abusos de instituições sem reconhecer que o jornalismo teve um papel fundamental nos processos de hipertrofia dos poderes de uma ou outra, em determinados períodos. É um engano imaginar que a informação acrítica é neutra. Ela é apenas acrítica - e isso não significa sequer ser independente. O próprio modus operandi de Dantas é prova disso. A farta produção de dossiês para destruir reputações de inimigos foi um fato. Se os jornais e revistas os publicaram, fizeram um favor a Dantas. Esse comportamento está longe de ser neutro. Se um inquérito policial atinge quem não deve atingir, e a imprensa não filtra essa informação, pode lançar o descrédito em todo o inquérito e contribuir para a impunidade dos que devem efetivamente ser punidos. Ou pode abalar as reputações de quem nada deve.
Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras
INFLEXÃO PRÓ-URIBE SUPERA AMBIGÜIDADE QUANTO ÀS FARC
Jarbas de Holanda
Antes tarde, é o caso de dizer”. Ou seja, antes tarde do que nunca. Assim, editorial do Estado de S. Paulo, de ontem – “O novo aliado de Uribe” – avalia e aplaude a presença do presidente Lula nas comemorações do 198% aniversário da independência da Colômbia, e a assinatura de um acordo de cooperação militar entre os governos colombiano, brasileiro e do Peru contra o narcotráfico e o contrabando em geral na região de fronteira dos três países. Promovido na cidade de Letícia, o principal ato das comemorações teve a participação dos presidentes Álvaro Uribe, Lula e Alan Garcia e ganhou a dimensão (ao lado de eventos semelhantes realizados em outros centros urbanos da Colômbia e em 90 cidades do exterior) de novo marco de mobilizações sociais pela libertação de cerca de 700 reféns que a narcoguerrilha das Farc mantém em cativeiros.
O editorial registra que “Lula molhou as mãos com tintas azul e amarela, as cores colombianas, para imprimi-las num mural grafitado com apelos pela liberdade dos seqüestrados”, e associa a inflexão pró-Uribe do nosso governo à atitude assumida agora pelo colombiano de concordância com a “polêmica” proposta da criação de um Conselho de Defesa da América do Sul, concebido pelo ministro Nelson Jobim e apresentado em recente encontro, em Brasília, da Unasul – União das Nações Sulamericanas, no qual “a proposta foi praticamente ignorada pelos participantes, a começar dos colombianos”. O texto do Estado trata ainda do anúncio, feito
nessa viagem pelo presidente Lula, de um financiamento de US$ 650 milhões, através do BNDES, para a construção por duas empresas brasileiras – Camargo Corrêa e Odebrecht – de ferrovia que ligará o altiplano colombiano ao litoral do país, com um ramal para servir a uma siderúrgica recentemente adquirida pela Votorantim.
Com essa inflexão, o presidente deixa, enfim, inteiramente para trás a ambigüidade que o Itamaraty mantinha diante do conflito entre o governo da Colômbia e as Farc, postura que o levou a enredar-se em sucessivas e confusas propostas de “negociação equilibrada para a libertação dos reféns”. Enredamento resultante de dois tipos de pressões: de um lado, o relacionamento ideológico- cooperativo entre o PT e a guerrilha colombiana, formalizado no Foro de São Paulo constituído na capital paulista no início dos anos 90, quando ela já passava a se financiar com o narcotráfico, e, de outro, a influência que nos últimos anos vinha sendo exercida por Hugo Chávez, explícita e agressivamente em favor do grupo narcoguerrilheiro (isso até a apreensão, do outro lado da fronteira da Colômbia com o Equador, dos computadores de Raúl Reyes, reveladores de estreito relacionamento do presidente da Venezuela com o grupo, seguida de completo isolamento internacional deste com o sucesso da operação de Uribe que libertou do cativeiro Ingrid Betancourt, três norte-americanos e 11 policiais-militares colombianos).
A parceria econômica com a Colômbia
Trechos de reportagem de hoje do Valor, intitulada “Após trauma, empresas do Brasil voltam à Colômbia”:
“Onze anos após ter tido dois de seus engenheiros seqüestrados pelas Forças Revolucionárias da Colômbia (Farc), a construtora mineira Andrade Gutierrez está recuperada do trauma e pronta para voltar a operar no país. Mais segura, com um ambiente mais propício aos negócios e com uma economia em melhor forma do que há uma década,a Colômbia tem chamado a atenção de um número crescente de empresas brasileiras. Mas não apenas pelas mudanças internas. A disposição do governo brasileiro de financiar obras e serviços no país, realizados por companhias brasileiras, ajuda também a reforçar o interesse pela terceira maior economia e pelo segundo país mais populoso da América do Sul.
“O seqüestro foi um fator para sairmos da Colômbia”, diz o vice-presidente para Relações Institucionais da empresa, Flávio Ma
chado Filho. “Mas hoje, tendo em vista a situação do país, nos interessa em voltar a atuar aqui e estamos prospectando obras de infra-estrutura ferroviária, aeroportuária, metroviária, em Bogotá, particularmente, e de hidroelétricas”. Os dois engenheiros estiveram por sete meses nas mãos da guerrilha e seguem no quadro da empresa – um deles hoje trabalha na Venezuela; o outro, no Ceará”.
“Ao mesmo tempo em que conseguiu reduzir os indicadores de violência – os seqüestros, os homicídios e atos de sabotagem e atentados despencaram - o atual governo, ao longo dos últimos seis anos, centrou sua política econômica no equilíbrio das contas públicas, na redução da inflação e no crescimento econômico.”
Jarbas de Holanda
Antes tarde, é o caso de dizer”. Ou seja, antes tarde do que nunca. Assim, editorial do Estado de S. Paulo, de ontem – “O novo aliado de Uribe” – avalia e aplaude a presença do presidente Lula nas comemorações do 198% aniversário da independência da Colômbia, e a assinatura de um acordo de cooperação militar entre os governos colombiano, brasileiro e do Peru contra o narcotráfico e o contrabando em geral na região de fronteira dos três países. Promovido na cidade de Letícia, o principal ato das comemorações teve a participação dos presidentes Álvaro Uribe, Lula e Alan Garcia e ganhou a dimensão (ao lado de eventos semelhantes realizados em outros centros urbanos da Colômbia e em 90 cidades do exterior) de novo marco de mobilizações sociais pela libertação de cerca de 700 reféns que a narcoguerrilha das Farc mantém em cativeiros.
O editorial registra que “Lula molhou as mãos com tintas azul e amarela, as cores colombianas, para imprimi-las num mural grafitado com apelos pela liberdade dos seqüestrados”, e associa a inflexão pró-Uribe do nosso governo à atitude assumida agora pelo colombiano de concordância com a “polêmica” proposta da criação de um Conselho de Defesa da América do Sul, concebido pelo ministro Nelson Jobim e apresentado em recente encontro, em Brasília, da Unasul – União das Nações Sulamericanas, no qual “a proposta foi praticamente ignorada pelos participantes, a começar dos colombianos”. O texto do Estado trata ainda do anúncio, feito
nessa viagem pelo presidente Lula, de um financiamento de US$ 650 milhões, através do BNDES, para a construção por duas empresas brasileiras – Camargo Corrêa e Odebrecht – de ferrovia que ligará o altiplano colombiano ao litoral do país, com um ramal para servir a uma siderúrgica recentemente adquirida pela Votorantim.
Com essa inflexão, o presidente deixa, enfim, inteiramente para trás a ambigüidade que o Itamaraty mantinha diante do conflito entre o governo da Colômbia e as Farc, postura que o levou a enredar-se em sucessivas e confusas propostas de “negociação equilibrada para a libertação dos reféns”. Enredamento resultante de dois tipos de pressões: de um lado, o relacionamento ideológico- cooperativo entre o PT e a guerrilha colombiana, formalizado no Foro de São Paulo constituído na capital paulista no início dos anos 90, quando ela já passava a se financiar com o narcotráfico, e, de outro, a influência que nos últimos anos vinha sendo exercida por Hugo Chávez, explícita e agressivamente em favor do grupo narcoguerrilheiro (isso até a apreensão, do outro lado da fronteira da Colômbia com o Equador, dos computadores de Raúl Reyes, reveladores de estreito relacionamento do presidente da Venezuela com o grupo, seguida de completo isolamento internacional deste com o sucesso da operação de Uribe que libertou do cativeiro Ingrid Betancourt, três norte-americanos e 11 policiais-militares colombianos).
A parceria econômica com a Colômbia
Trechos de reportagem de hoje do Valor, intitulada “Após trauma, empresas do Brasil voltam à Colômbia”:
“Onze anos após ter tido dois de seus engenheiros seqüestrados pelas Forças Revolucionárias da Colômbia (Farc), a construtora mineira Andrade Gutierrez está recuperada do trauma e pronta para voltar a operar no país. Mais segura, com um ambiente mais propício aos negócios e com uma economia em melhor forma do que há uma década,a Colômbia tem chamado a atenção de um número crescente de empresas brasileiras. Mas não apenas pelas mudanças internas. A disposição do governo brasileiro de financiar obras e serviços no país, realizados por companhias brasileiras, ajuda também a reforçar o interesse pela terceira maior economia e pelo segundo país mais populoso da América do Sul.
“O seqüestro foi um fator para sairmos da Colômbia”, diz o vice-presidente para Relações Institucionais da empresa, Flávio Ma
chado Filho. “Mas hoje, tendo em vista a situação do país, nos interessa em voltar a atuar aqui e estamos prospectando obras de infra-estrutura ferroviária, aeroportuária, metroviária, em Bogotá, particularmente, e de hidroelétricas”. Os dois engenheiros estiveram por sete meses nas mãos da guerrilha e seguem no quadro da empresa – um deles hoje trabalha na Venezuela; o outro, no Ceará”.
“Ao mesmo tempo em que conseguiu reduzir os indicadores de violência – os seqüestros, os homicídios e atos de sabotagem e atentados despencaram - o atual governo, ao longo dos últimos seis anos, centrou sua política econômica no equilíbrio das contas públicas, na redução da inflação e no crescimento econômico.”