sábado, 26 de julho de 2008

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


GRANDES E PEQUENOS PARTIDOS
Marco Aurélio Nogueira

Aberto formal e efetivamente o processo eleitoral, algumas antigas e já bastante discutidas questões voltam a intrigar analistas e eleitores. Como explicar a facilidade com que adversários incondicionais e muitas vezes furiosos no plano nacional se coligam em várias cidades do País, numa demonstração de elasticidade que beira a irresponsabilidade? Como entender que aliados históricos, afinadíssimos no combate ao governo federal, não consigam caminhar juntos em alguns municípios e cheguem mesmo, como ocorre em São Paulo com o PSDB e o DEM, a se converter em adversários e facilitar as coisas para candidatos de partidos contra os quais se batem por toda parte?

Partidos amigos no plano nacional se convertem em inimigos no plano municipal e emprestam apoio a chapas que não se coadunam com os propósitos proclamados nos estatutos e documentos partidários. A “esquerda” alia-se sem muito pejo com a “direita”, dando origem a blocos desprovidos de coerência profunda. As disputas regionais são mais fortes que as nacionais e praticamente proíbem que os candidatos se declarem fiéis ou leais ao que quer que seja. Não é por acaso que os políticos não lidam bem com a fidelidade partidária e vivem tentando flexibilizá-la ou burlá-la, quase sempre em nome de uma necessária dose de “liberdade de pensamento e ação” ou da alegação de que o quadro partidário é jovem demais para ser racionalmente estruturado. Muitos dos atritos entre o Poder Judiciário e a política passam por aí. Boa parte das decepções do cidadão, também.

Dado o caráter do federalismo brasileiro e do próprio regime presidencial instalado por aqui, as eleições municipais têm enorme valor estratégico. Desempenham papel determinante tanto na sustentação dos governos estaduais e federal quanto na dinâmica das eleições para governadores e presidente da República. Deste ponto de vista, 2008 é a ante-sala de 2010. E quase tudo o que é feito hoje tem um olho depositado no que será feito daqui a dois anos.

O eleitor tem motivos de sobra para se sentir perdido e ludibriado. Dada a incoerência com que se depara, é como estivesse abandonado pelos políticos e pelos partidos.

E o que dizer, então, da força que ganham as pequenas legendas? Muitas vezes, os grandes partidos, ou os candidatos mais fortes, entregam-se a uma luta insana para obter o apoio dos pequenos. Fazem de tudo para integrá-los a suas coalizões, prometendo-lhes mundos e fundos e os anunciando como fatores decisivos, verdadeiros fiéis da balança. Quase sempre a operação é feita simplesmente para prejudicar os adversários, na linha da máxima “o inimigo de meu inimigo é meu amigo”, ou seja, com o objetivo mais de atrapalhar que de somar ou agregar. É a sedução usada como mero artifício de campanha, sem muita sinceridade ou rigor.

São, evidentemente, operações legítimas, sancionadas por qualquer bom manual de estratégia política. É impossível criticar os partidos por desejarem mais apoio para suas chapas ou por pretenderem embaçar a vista e embaralhar os passos dos adversários. Apoios, em política, são como o sal da terra. Sempre têm alguma tradução prática e muito valor simbólico.

Coligações eleitorais pesam em termos contábeis. Fornecem aos partidos recursos de campanha, material de divulgação, minutos importantes na propaganda eleitoral, tribunas alternativas em certos setores, áreas ou regiões, além da possibilidade de ampliar os apoios pela via da multiplicação do número de candidatos comprometidos com o vértice da coligação.

Ao serem buscados e concretizados, os apoios funcionam como atestados de flexibilidade, desprendimento e largueza de visão, prova de que os candidatos não querem tudo, estão abertos a compartilhar os frutos da vitória desejada, como se desejassem demonstrar uma generosidade que a disputa pelo poder tende a ofuscar ou impedir. Há alianças que simbolizam um compromisso com o futuro, outras que espelham a nova face de um partido, outras ainda que são um esforço para revalidar identidades ou sugerir caminhos alternativos. Pode ser extraordinário, por exemplo, o efeito simbólico da inclusão no mesmo palanque de pessoas que pensam diferentemente ou de antigos adversários, figuras dotadas de carisma específico, heróis de batalhas passadas, ícones da nacionalidade.

Mas os grandes partidos não costumam ser muito generosos quando se trata de decidir quem ocupará a “cabeça da chapa”. Nestes casos, o desprendimento é bastante relativo, e muitas vezes não passa de dissimulação e jogo de cena.

Partidos são seres de duas almas: a conquista do poder e a organização dos interesses e opiniões. A primeira exige visão tática e estratégica, é fria e obstinada, não mede esforços para se completar. A segunda depende de cultura, ideologia, teoria social, empuxo programático, marcas de identidade. Alianças sem outro critério que não o de viabilizar o acesso ao poder, ainda que legítimas, não ajudam à alma substantiva dos partidos e podem até mesmo feri-la, apequená-la ou descaracterizá-la. Justificam-se no curto e médio prazos, mas podem ser letais no longo prazo se, por exemplo, chamuscarem a identidade e a coerência doutrinária dos partidos.

Não se trata de uma escolha de Sofia. As duas almas são indispensáveis para o partido político. Há momentos em que simplesmente não há como escolher, os fatos empurram as decisões. Mas o ideal seria sempre manter as almas em equilíbrio e integração, até para que uma possa moderar ou chamar às falas a outra.

O problema é que hoje, nestes tempos “líquidos”, consumistas e velozes em que vivemos, a alma programática e ideológica se encontra combalida, menosprezada e sem eixo para se sustentar. Com isso a volúpia pelo poder ganha completa independência e espalha sua lógica pelo sistema político e pelos mais diferentes circuitos sociais.

Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da Unesp, é autor dos livros Em Defesa da Política (Senac, 2001) e Um Estado para a Sociedade Civil (Cortez, 2004).

DEU NO JORNAL DO BRASIL


GOVERNO E CAMPANHA SOLTOS
Villas-Bôas Corrêa

NESTA FASE NEBULOSA em que a campanha eleitoral não encorpa e o governo cai na defensiva, com a inflação a arranhar a porta e a engolir nacos do Bolsa Família, o megaescândalo do Opportunity, a derramar o lixo para todos os lados veio mesmo a calhar a jogada um tanto constrangida do presidente Lula de recolher as velas e interromper o oba-oba das visitas às obras do Projeto de Aceleração do Crescimento, o sumido PAC, enquanto torce para que as coisas melhorem ou parem de piorar.

Na já longa militância política, iniciada nos tempos de ascensão do maior líder operário da história deste país e o salto para o degrau de fundador e candidato único do PT à Presidência em três tentativas malogradas até a vitória em dose dupla dos dois mandatos, Lula pagou o preço da inexperiência e da improvisação. Mas aprendeu com caneladas de erros e empurrões dos acertos. E mandou o recado de que não participará da campanha, com exceções de São Paulo e São Bernardo do Campo. E é de se tirar o chapéu o veto sumário e seco à participação da ministra-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff e candidata à sua sucessão nos até agora murchos palanques da mofina campanha municipal para a eleição de prefeitos e vereadores. Para dourar a pílula, estendeu a proibição ao ministro das Relações Internacionais, José Múcio Monteiro, que deve limitar a sua área de atuação a Pernambuco.

Os demais ministros estão liberados para comícios e demais atos de campanha. O caso de Dilma já não tão poderosa, mas ainda a candidata única do governo para a sucessão de Lula em 2010, a conversa é outra. Nas primeiras avaliações cautelosas, exercícios que não vão além de palpites, esta campanha municipal está prometendo ser a mais medíocre desde o fim da ditadura do rodízio dos generais-presidente.

Ainda há tempo para a reviravolta, com a massificação da campanha com o horário de propaganda eleitoral em rede nacional das emissoras de rádio e televisão. Mas será uma grata surpresa a revelação de lideranças ­ poucas, não convém alimentar ilusões para não cair na fossa ­ no deserto em que tantos já perderam o rumo de casa. Em vez de confirmar candidaturas para a cadeira de Lula, muitas ambições apresentam escoriações e lanhos que podem ser fatais.

A sorte pode ser ingrata, mas não se mostrou tendenciosa na primeira fase de caminhada. Basta olhar o panorama com a isenção de quem busca entender o que está acontecendo. E começar cravando evidências: nem o governo e nem a oposição têm o seu candidato natural, apoiado pelos partidos da sopa aguada de siglas que confunde o eleitor. A oposição chamusca os seus candidatos nas fogueiras das intrigas e vaidades regionais, como nos exemplos de Minas e São Paulo. E o presidente Lula foi obrigado a acudir antes que a única candidata que não foi torrada na temporada de escândalos e grossa roubalheira das dezenas de denúncias que se perdem na burocracia judiciária, caia no mundéu do envolvimento nos sangangus do segundo escalão.

A ministra-candidata vai hibernar por algum tempo, até que as coisas melhorem e a poeira assente. E Lula mudou o modelo da agenda de viagens. Ampliou o roteiro para passar ao lago das áreas de turbulência e distraiu-se com o exotismo de civilizações bizarras nos cafundós da Ásia e da África, além da atenção permanente na consolidação do projeto de liderança continental. Escorado na proibição constitucional e com a ministra-candidata em quarentena, evitará as visitas às obras e lançamentos de projetos do PAC, com todas as evidências de campanha eleitoral. Mas não faltaram motivos para aborrecimentos.

Não é apenas o projeto da ministra-candidata que reclama cuidado: o PT é um manancial de amofinação. Ainda agora, o serviço de inteligência federal confirma que o ex-deputado petista, José Greenhalgh é um dos lobistas suspeitos de ligação com o banqueiro Daniel Dantas e que teria exigido US$ 260 milhões para viabilizar a fusão entre a Brasil Telecom e a OI.

Tudo poderia ser varrido para debaixo do tapete se a inflação não tivesse rompido a cerca e voltasse a ameaçar novo surto, com a elevação do preço dos gêneros de primeira necessidade da alimentação dos pobres e remediados e a ronda das maquinetas da remarcação dos preços nos mercados.

DEU EM O GLOBO


VENDENDO UTOPIAS
Merval Pereira


NOVA YORK. O mundo solidário que o candidato democrata Barack Obama profetizou poeticamente no seu já histórico discurso em Berlim não é uma realidade palpável, embora seja difícil se opor a ele. Apesar do sucesso de audiência, e a conseqüente exposição midiática que o showmício de Berlim lhe proporcionou, o candidato democrata está recebendo mais críticas do que seria de se esperar, aqui e no exterior, não apenas pelo conteúdo do pronunciamento, que teria sido histórico simbolicamente, e não em substância, mas, sobretudo, pela imagem de presunção que deixou em seu rastro. A retórica do candidato que melhor encarna uma visão multilateral do mundo pode não ajudar Obama internamente, mas pode também não passar disso, uma retórica que impressiona as multidões, especialmente os jovens, mas que não se traduzirá em mudanças concretas na política externa, mas apenas cosméticas.

O professor de História da Universidade de Nova York, Tony Judt, autor do best-seller "Pós-Guerra", recentemente lançado no Brasil, por exemplo, falando à coluna, diz que Obama pode decepcionar os estrangeiros que esperam mudança radical na política externa dos Estados Unidos:

"Ele é percebido nos Estados Unidos como fraco em política externa e temas militares, e vai querer mostrar-se capaz de firmeza e de olhar para os interesses americanos em primeiro lugar".
Embora considere que Obama "certamente entende o mundo contemporâneo melhor do que McCain", Judt diz que "na presente situação econômica, concessões generosas para fortalecer estados estrangeiros competidores teriam consideráveis resistências dentro de casa".

Passados os momentos de maior emoção, e retirada da cena política a honra patriótica de ver-se o mundo aos pés de um americano, já é possível analisar-se a fala de Obama sob dois aspectos: o da apresentação pessoal e o da representação oficial de um provável futuro presidente dos Estados Unidos.

No pessoal, o que ficou registrado para setores conservadores foi a soberba do candidato, que teria sido demonstrada em pelo menos dois momentos do discurso. Primeiro, ao abrir a apresentação, Obama fez um gracejo, dizendo que sabia que ele era diferente dos políticos americanos que ali estiveram, referindo-se indiretamente a sua cor. Parece claro que estava se referindo ao democrata John Kennedy, ou até mesmo ao republicano Ronald Reagan, ex-presidentes que fizeram discursos históricos em Berlim.

Mas, além disso, houve quem se lembrasse que tanto Colin Powell quanto Condoleezza Rice, dois negros, como secretários de Estado do governo americano, rodaram o mundo com posição política de destaque e, portanto, não era o caso de Obama destacar essa sua "diferença", muito menos ele, que diz não querer fazer da cor um motivo de campanha.

São situações distintas, claro, Obama é o primeiro negro candidato a presidente da República com chances reais de vitória, e poucos, muito menos Powell ou Rice, levariam centenas de milhares de pessoas às ruas de Berlim, a não ser que fosse para protestar contra a guerra do Iraque, como aconteceu em diversas ocasiões. Mas o registro desse pequeno sinal de soberba ficou.

John F. Cullinan, da National Review, uma publicação conservadora, anotou também uma espécie de plágio no discurso de Obama, quando ele diz: "Agora, o mundo vai ver e lembrar o que fazemos aqui, o que nós fazemos deste momento".

A frase é semelhante a outra, dita por Abrahan Lincoln no Cemitério de Gettysburg, em homenagem aos mortos da Guerra Civil: "O mundo vai notar pouco, ou não vai se lembrar por muito tempo, o que nós dissemos aqui, mas não poderá nunca esquecer o que eles, os mortos honoráveis, fizeram aqui".

Mas Cullinan não deixou de destacar o tom auto-elogiativo de Obama, em contraste com a modéstia de Lincoln. Os conservadores destacaram também a exortação de Obama a que um "estado de espírito" da Guerra Fria fosse abandonado, como coisa do passado, com críticas a uma posição que seria ingênua do candidato democrata diante das constantes mensagens ameaçadoras que estariam sendo enviadas pela Rússia, tanto em relação à energia quanto ao rearmamento militar.

Também não passou despercebido o fato de que o apelo de Obama para que os países europeus despendam mais recursos e homens para ajudar a combater o terrorismo, especialmente no Afeganistão, será vão, pois diversos países europeus continuam com forte oposição popular à guerra comandada pelos EUA.

Para o professor Tony Judt, "a Europa não tem posição unificada em política externa nas questões críticas como guerra do Iraque, Oriente Médio, Rússia, Turquia, e essa é sua mais importante, e talvez incapacitante, fraqueza".

O aspecto messiânico da atuação do candidato democrata é o que mais incomoda a parte do público - e da mídia - que não aderiu à Obamamania. Ao mesmo tempo, é difícil acreditar que Obama seja ingênuo a ponto de imaginar um mundo perfeito onde as barreiras de preconceitos serão derrubadas, e todos trabalharão em conjunto.

Ele mesmo deixou claro, em entrevista a uma televisão americana, que sua exortação a que os europeus participem mais ativamente no combate ao terrorismo mundial, enviando tropas para o Afeganistão, teria um resultado colateral positivo para os Estados Unidos, que precisariam enviar menos soldados para a guerra. Com o dinheiro poupado, seria possível investir mais internamente para contornar a crise econômica e aumentar a oferta de empregos.

Essa explicação pode até soar bem aos ouvidos dos eleitores americanos, mas não fará o menor sucesso entre os europeus, mesmo entre os obamamaníacos.


Continua amanhã

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


ILHA DE CUBA, PARA ONDE VAI?
Sergio Fausto

Em 26 de julho de 1953 ocorreu o ataque ao quartel de La Moncada, em Santiago de Cuba, episódio que, na narrativa revolucionária, marca o início do processo que levou ao triunfo de Fidel e seus liderados em janeiro de 1959. Passados 55 anos, Cuba encontra-se em reforma do modelo de organização econômica e social cujos traços fundamentais se definiram já no começo da década de 1960. Naqueles anos, a revolução vitoriosa enveredou definitivamente pelo caminho ou descaminho do socialismo, com a estatização praticamente completa da propriedade e dos meios de produção e o estabelecimento de um sistema de planejamento e controle da economia totalmente centralizado.

Dois conjuntos de perguntas resumem as muitas dúvidas sobre a evolução futura das reformas em andamento em Cuba. O primeiro diz respeito à amplitude e velocidade que poderão assumir as reformas econômicas e se elas desembocarão, mais cedo ou mais tarde, na transição para uma economia de mercado na ilha. O segundo se refere a se e quando serão adotadas reformas políticas e, nessa eventualidade, se haverá uma transição para a democracia em Cuba.

Em meio a tantas incertezas, uma coisa parece certa: as reformas iniciadas - parciais, sem dúvida, mas todas elas apontando inequivocamente na direção de mais liberdade econômica de mercado e menos centralização estatal - não deverão ter o mesmo destino das que, deflagradas em 1991, foram interrompidas ou revertidas cinco anos depois. A razão é que a “nova” liderança cubana, ao que tudo indica, está convencida de que ou muda a organização da economia e da sociedade ou perderá o controle político da ilha em não muito tempo.

Trata-se de um reconhecimento tácito de que o socialismo em Cuba é insustentável sem a ajuda externa que lhe proporcionava o mundo soviético, até o final dos anos 80. De fato, boa parte dos indicadores econômicos e sociais cubanos não se recuperou das perdas sofridas após o colapso da União Soviética, a despeito dos últimos três anos de alto crescimento, puxado pela elevação das cotações internacionais do açúcar e do níquel e facilitado pelas importações especiais de petróleo venezuelano.

A velha doutrina socialista tem apelo cada vez menor entre os mais jovens, que não viveram o período revolucionário e não vêem as suas expectativas atendidas por uma economia débil e um sistema público de serviços sociais em decadência. O próprio governo passou a reconhecer os problemas: cerca de 50% dos professores do ensino fundamental são profissionais improvisados, sem as necessárias qualificações, para substituir os professores que deixaram a carreira, alguns o próprio país, em busca de melhor remuneração. O saldo das reformas truncadas da primeira metade dos anos 90 é relativamente negativo: se, por um lado, desafogou a vida de alguns e melhorou as condições de oferta de alguns bens, por outro, criou novas desigualdades na sociedade e na economia cubanas e ampliou a informalidade, por onde penetram o crime e a delinqüência.

Além das dificuldades de uma marcha à ré, o momento é oportuno para avançar com as reformas econômicas. Existe abundância de capitais no mundo, em que pese a crise recente. Há interesses palpáveis de grupos europeus, sobretudo espanhóis, de investir na ilha, principalmente no setor de turismo. As perspectivas de desenvolvimento do etanol abrem novos horizontes para a estagnada lavoura açucareira e as possibilidades de exploração de novas reservas de petróleo no Golfo do México, em parceria com empresas estrangeiras, parecem promissoras. A eventual eleição de Barack Obama nos EUA poderá representar um alento adicional, com a suspensão prometida das restrições a viagens e remessas de dinheiro de cidadãos americanos e cubano-americanos para Cuba.

A estratégia do governo da ilha é clara: melhorar a situação econômica com reformas graduais visando, principalmente, a atração de investimentos diretos estrangeiros, sem abrir mão do poder político. Isso não elimina a possibilidade de relaxamento das restrições às liberdades civis e políticas hoje existentes, inclusive com a libertação de prisioneiros políticos, na medida em que facilitem concessões econômicas externas, mas não coloca de imediato sobre a mesa a carta da transição democrática e da alternância no poder.

No curto e médio prazos, a estratégia do governo conta com boas chances de sucesso. A prazo mais longo, as pressões por uma real democratização devem prevalecer. O relaxamento do regime político reduzirá o medo. A eventual melhoria da situação econômica diminuirá a energia gasta com a obtenção mesmo das coisas mais comezinhas. A ampliação do número de “produtores autônomos” reforçará os interesses em favor de uma economia de mercado com regras claras. A intensificação dos contatos com o exterior, sem a necessidade de abandonar o país, fortalecerá as expectativas de que “um outro mundo é possível”.

Como toda transição, os setores mais duros do regime vão resistir. Eles se concentram nos aparatos de segurança e nas empresas estatais, hoje não raro chefiadas por militares. A violência do processo dependerá, em parte, da atitude da “comunidade internacional”, a começar pelos EUA.

O Brasil tem um papel a desempenhar nesse processo. Faz bem quando a Petrobrás se apresenta para investimentos em parceria. Faz mal quando se cala diante das violações do regime cubano aos direitos humanos. Pior ainda, quando colabora com elas, como no caso recente dos boxeadores.

Pela significação política que tem, o assunto é maior que o tamanho da ilha. E o Brasil precisa ter uma política à altura, que não sacrifique, como a atual, a defesa internacional dos direitos humanos, princípio da nossa Constituição, em nome de mal disfarçadas simpatias ideológicas e puro e simples pragmatismo econômico.


Sergio Fausto, cientista político, é coordenador de estudos e debates do Instituto Fernando Henrique Cardoso e membro do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint/USP)

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

MAIS TRANSPARÊNCIA PELO VOTO CONSCIENTE
Mozart Valadares Pires

A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) tornou público por meio de sua página na internet (www.amb.com.br) os nomes dos candidatos que concorrem às eleições municipais e que estão sendo processados por condutas criminais lesivas à administração pública e/ou atos de improbidade administrativa. A denominação "lista suja", largamente utilizada pelos meios de comunicação, jamais foi utilizada pela entidade, que pautou sua iniciativa com o cuidado de não emitir juízo de valor sobre as informações colhidas, deixando exclusivamente para o eleitor esse julgamento.

Duas questões se colocam: como foram obtidas as informações e qual a finalidade da divulgação?

A AMB compilou informações existentes em bancos de dados públicos dos diversos tribunais brasileiros.

A metodologia utilizada foi bastante criteriosa, incluindo na lista as ações penais e/ou de improbidade administrativa propostas pelo Ministério Público. Ficaram de fora ações propostas por particulares, na esfera privada, e os casos que ainda estão na fase de investigação. A divulgação inclui o link para que o interessado consulte diretamente a fonte da informação.

Parece redundante divulgar o conteúdo de bancos de dados públicos e de livre acesso. Entretanto, grande parcela da população desconhece que pode consultar os sistemas dos tribunais para descobrir se alguém está sendo processado. A informação pública resta arquivada, como se fosse reservada para uso exclusivamente técnico dos profissionais do direito e para a instrução de processos, como os de impugnação de candidaturas.

A divulgação dos nomes constitui ação concreta em favor do Estado democrático de Direito e do aperfeiçoamento do sistema de representação política no Brasil.

A AMB defende o efetivo cumprimento do texto do artigo 14, parágrafo 9º da Constituição, com edição de lei complementar que estabeleça outros casos de inelegibilidade para proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerando a vida pregressa do candidato e a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

A citada norma foi definida pela emenda constitucional de revisão nº 4, de 1994, e a lei complementar, apesar do tempo decorrido, ainda não foi aprovada pelo Congresso.

A finalidade da divulgação pode ser resumida na palavra transparência.O sistema de representação política, por força da desvalorização dos partidos políticos, afasta o eleitor do processo de indicação dos candidatos.

Nas convenções partidárias, ao contrário do que ocorre em democracias amadurecidas, a participação dos eleitores é mínima. O brasileiro, em regra, não se filia aos partidos políticos e, portanto, não decide quem gostaria de ver representando os princípios e ideais que norteiam sua vida.

O desconhecimento dos mecanismos de registros públicos de informações processuais dificulta a pesquisa dos dados sobre a história de vida de cada um dos candidatos.

A AMB lançou um olhar especial sobre essas questões, em prol do esclarecimento do eleitor e do voto consciente. Em maio de 2007, a AMB apresentou um manifesto contra a corrupção em todos os setores da sociedade, pugnando pela celeridade nos julgamentos dos processos, em especial daqueles que envolvam acusações de crimes contra a administração pública e atos de improbidade administrativa, com a criação de juízos especializados nesses julgamentos, pela edição de leis que facilitem a atividade jurisdicional e a implantação de uma política judiciária nacional de combate à corrupção. Muito precisa ser feito. Os brasileiros interessados no aperfeiçoamento do sistema de representação política e na realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, enumerados no artigo 3º da Constituição, podem colaborar.

MOZART VALADARES PIRES, 49, juiz de direito licenciado (Recife), é o presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros).

DEU EM O GLOBO


ESTÁGIO FINAL
Editorial / O Globo


A campanha eleitoral no Rio tem permitido que todos compreendam o sentido real de designações como "estado paralelo" ou "zonas de exclusão". Não se trata tão-somente de conceitos rebuscados, extraídos de textos de cientistas ou analistas políticos sobre desdobramentos da deterioração da segurança pública na região metropolitana carioca - e não só nela.

Não é de hoje a dramática e perigosa realidade da existência de feudos e capitanias em que o Estado não tem mais o monopólio da força, e, por isso mesmo, não consegue impor o cumprimento da lei e garantir o exercício de dispositivos inscritos na Constituição. O agravamento dessa situação, pela inépcia do poder público em fazer valer o estado de direito nessas áreas - outra mazela que não é apenas carioca -, foi retratado numa série de reportagens do GLOBO, há cerca de um ano, sobre como o regime ditatorial continuava - e continua - a vigorar para centenas de milhares de pessoas na região metropolitana. No posto de títere, em vez do militar de ocasião, o traficante e/ou miliciano local. Com o agravante de que, no regime militar, havia leis e tribunais; leis draconianas, mas havia. Já na ditadura do bairro, da favela, a lei é feita e aplicada na hora, pelo títere local, e com as próprias mãos.

Os currais eleitorais controlados por milicianos e quadrilhas do tráfico surgem nesta campanha eleitoral em decorrência do longo processo de degradação na segurança pública e, por conseqüência, nos usos e costumes da vida política. Um dos últimos estágios nessa metástase social que vivemos é quando a criminalidade, de colarinhos de todas as cores, começa a tomar de assalto as instituições, conquistando representatividade política pela força da coerção - de forma sutil, por mecanismos clientelistas, como os chamados centros sociais, ou pelo manejo das armas.

Os assentos na Câmara de Vereadores e na Assembléia Legislativa dos irmãos donos de milícia na Zona Oeste Jerominho (PMDB) e Natalino (DEM), no momento devidamente encarcerados, atestam o estágio avançado dessa degradação.

O caso da Rocinha, em que o traficante local registra em ata a decisão de destinar a um candidato a vereador os votos do seu curral eleitoral - curral estabelecido numa área dividida entre dois bairros onde há uma das mais altas rendas per capita do país, São Conrado e Gávea -, compõe, com Jerominho e Natalino, um cenário de terror. Nele, o estado de direito democrático será solapado por dentro das próprias instituições - o mesmo projeto bolivariano em curso na Venezuela, na Bolívia e no Equador, e talvez, em breve, no Paraguai. Usam-se, na operação de implosão da democracia, instrumentos da própria democracia. Os rebanhos de eleitores são manipulados para permitir a infiltração nas instituições de representação popular.

Por isso, bandeiras do MST - uma organização radical de esquerda já distante da questão da reforma agrária e mais abertamente voltada à tomada do poder - são desfraldadas na Rocinha. Os militantes enxergam na aliança com o tráfico e a criminalidade em geral um atalho para revogar a "ordem burguesa". Se esse projeto viesse a ser executado, na verdade o que existiria no final seria um narcoestado. Estágio a que certamente não chegaremos. Porém, para esse perigo ser mais rapidamente afastado, o poder público, em todos os níveis, deve despertar de vez para os sérios riscos que a sociedade brasileira - não apenas a carioca e a fluminense - corre.

O governador Sérgio Cabral demonstra ter a necessária vontade política para esse combate, que passa pelo saneamento da polícia fluminense. A tarefa, contudo, por sua dimensão, requer um trabalho coordenado do Palácio Guanabara com municípios e Brasília. Daí a importância de a Polícia Federal de fato entrar na investigação e repressão dos currais eleitorais usados para que a criminalidade amplie sua presença na representatividade política municipal.

O drama que transcorre de forma translúcida na região metropolitana do Rio, e de maneira menos visível em outras, deve levar magistrados da Justiça eleitoral e dirigentes partidários à reflexão. Eles podem e devem servir de barreira a que laranjas de traficantes, milicianos ou de que ramo da criminalidade seja conquistem cargos eletivos, alguns deles blindados por imunidades.

Os currais eleitorais da criminalidade reforçam, ainda, a posição defendida pelo Tribunal Regional Eleitoral fluminense (TRE-RJ), favorável a uma avaliação rígida, como deve ser, da folha corrida dos candidatos. Se valesse a interpretação pessoal do próprio ministro Ayres Britto, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Jerominho e Natalino, mesmo sem qualquer condenação final, não teriam sido candidatos. Mas Britto é minoritário no TSE.

O Congresso, por sua vez, precisa apressar a revisão da Lei das Inelegibilidades, para acabar de vez com o conflito de entendimentos entre tribunais regionais e o TSE. Impedir que pessoas condenadas em primeira instância por crimes graves ganhem passaporte para a política já será um grande avanço. Mas, antes que isso seja possível, os magistrados devem julgar atentos ao que acontece na Rocinha e em outras "zonas de exclusão".

É impensável que, restaurada a democracia depois de mais de duas décadas de trevas políticas, ela venha a ser ameaçada por traficantes, milicianos e radicais de esquerda, devido à leniência de representantes do Judiciário, do Executivo e do Legislativo. Será um retumbante suicídio institucional.

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)


DOUTRINA CABRAL
Editorial /Jornal do Commercio (PE
)


A despreocupação e o descuido do poder público com a segurança dos cidadãos estão ultrapassando os limites normais. Depois de permitir que os criminosos se organizassem em máfias que se tornaram, diante da omissão da autoridade, um poder paralelo, depois de deixar que as corporações policiais se degradassem e aviltassem no despreparo, na remuneração inadequada, na indisciplina e até no conluio com as quadrilhas, agora é a vez de justificar o mau comportamento de quem deveria proteger a sociedade. Chegamos à fase de a polícia atirar a esmo contra criminosos e também contra qualquer pessoa esteja em locais de confronto. Isso não é apenas tolerado, mas explicitamente aceito, por ao menos um governador, o do Rio, Sérgio Cabral. Ele declarou que a função da polícia é atirar contra os bandidos. Prender para quê? Atingimos assim a plena democracia: todo cidadão é um fora-da-lei até prova em contrário depois de morto ou ferido.

A velha incompetência e a prepotência que caracterizam as autoridades brasileiras de um modo geral assim decidiram. Casos como os de pessoas que estão a pé ou de automóvel ao alcance da polícia, ou até dentro de casa, e são atingidas por tiros, morrem, tornam-se quase diários, principalmente na jurisdição de Sérgio Cabral. Em vez de melhorar a qualidade da polícia fluminense, ele optou pelo confronto indiscriminado nas ruas, executado por agentes geralmente despreparados. Há poucos dias, as conseqüências da Doutrina Cabral chegaram ao Recife. Vítima inocente da polícia não é novidade por aqui e pelo Brasil afora. Mas é especial o caso de Maria Eduarda, 9 anos, baleada e morta na Várzea, em ação de policiais da Companhia Independente de Policiamento com Motos (CIPMotos).

Conforme as pessoas que estavam no carro baleado e várias testemunhas, inclusive um menor assaltante que se refugiou-se no carro das vítimas, a família saía de uma festa quando foi surpreendida por assaltantes e, em seguida, por policiais que já chegaram atirando. Sete pessoas estavam no carro, cinco eram crianças. “Foi uma ação desastrosa. A polícia foi imprudente. Não analisou a situação e não tinha treinamento. Os policiais atiraram numa altura que era para alcançar quem estava dentro do carro. Tanto que Maria Eduarda foi atingida no abdome”, disse o engenheiro Márcio Malveira, motorista do carro atingido. Ele disse ainda que os PMs estavam à porta do local da festa onde parou alguns instante e viram que o carro dele estava cheio de crianças.

Feito o estrago, ceifada uma vida em botão para desespero de pais e familiares da menina, o chefe do Estado Maior da PMPE, coronel Daniel Ferreira, lembrou-se de que o curso de capacitação para os PMs lotados em batalhões responsáveis pelo policiamento do Grande Recife é deficiente. Já o secretário de Defesa Social, Servilho Paiva, garantiu que os PMs da CIPMotos passaram por treinamento de capacitação em técnicas de abordagem este ano.

Depois ele fez uma consideração estranha de que o policial nunca estará totalmente preparado “porque os bandidos estão sempre mudando as formas de abordar as vítimas”. Teriam os PMs de aprender técnicas de abordagem com os bandidos? O secretário não concorda com as críticas feitas pela imprensa à PMPE, apontada como despreparada. Ele acha que trata-se de um “fato isolado”. Mas fatos isolados assim se repetem sempre e fica tudo por isso mesmo, pois as vítimas são geralmente pobres e moram em lugares onde a polícia já chega derrubando portas e atirando a qualquer hora.

Fatos como o que estamos tratando e as circunstâncias e impunidade que os cercam tiram a confiança da sociedade na lei, na democracia, nas autoridades. O pai da criança morta disse que não vai acionar o Estado porque não adianta. Os dois policiais envolvidos no caso foram deslocados para funções burocráticas. Os superiores passam a mão na cabeça de subordinados que assim agem, pois sabem que eles são mal treinados e mal pagos, e sabem também que nada vai mudar e, se punissem e afastassem policiais que assim agem, sobraria muito pouca gente nas corporações.