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sábado, 16 de agosto de 2008
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
PRONTO SOCORRO
Dora Kramer
Dora Kramer
A simples decisão do Tribunal Superior Eleitoral de autorizar o envio de tropas federais ao Rio, alegadamente para assegurar a segurança na eleição, não é garantia de nada nem vai livrar um universo (mal) calculado entre 500 mil e 1 milhão de eleitores, do tacão das milícias e do narcotráfico.
Aliás, nem o cumprimento da decisão é certo. De posse de informações fornecidas nas últimas semanas por diversas fontes, o TSE pôde ter uma noção aproximada do risco contido na imposição de reservas de mercado de votos pela força e fez um gesto.
Quase fidalgo se comparado à ferocidade do inimigo, mas indicativo de que pelo menos um dos Poderes da República já se deu conta de que algo precisa ser feito para conter o crescimento da bancada do crime no Legislativo - nos âmbitos municipal, estadual e federal - antes que daqui a pouco o Brasil comece a conviver com candidaturas de prefeitos, governadores e, por que não dizer, presidentes da República claramente identificados com a bandidagem.
A Justiça Eleitoral acenou com um “alto lá” ao optar pelo envio das tropas federais com tanta antecedência. Disse ao adversário o seguinte: se a idéia é partir para a ignorância, então que se explicite a fortaleza de quem tem a prerrogativa legal do uso da força, o Estado.
Uma das fontes de informação do ministro Ayres Britto - não a única - foi a Comissão de Segurança Pública da Câmara, cujo presidente, deputado Raul Jungmann, passou o último mês coletando os subsídios repassados ao presidente do TSE.
Segundo ele, cruzando dados dos eleitos no último pleito para deputado estadual com as respectivas votações nas áreas dominadas, não é difícil chegar à conclusão de que hoje de 25% a 30% dos integrantes da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro têm alguma ligação com o tráfico ou com as milícias.
Resultado: “O poder que está saindo das urnas é de alguma forma conivente, convivente ou condicionado pelos meios e modos impostos pelo crime”, diz o deputado.
Sem estatísticas precisas - ademais, por inexistentes da área de segurança pública de maneira unificada, centralizada e confiável -, Jungmann adere ao cálculo do eleitorado de 500 mil a 1 milhão de pessoas (no Rio, capital, há cerca de 4 milhões e 500 mil eleitores ao todo) hoje submetidas às regras do poder paralelo.
“As pessoas se preocupam com Ingrid Bettancourt, o que é muito justo. Mas não se preocupam com os reféns das quadrilhas nos morros do Rio”, aponta.
O Rio não é o único lugar onde isso ocorre - “em Alagoas e Pernambuco há situações muito semelhantes” -, com toda certeza é o pior.
Justamente pela evidência de que o crime elege representantes que depois farão parte de coalizões de governos, cujos loteamentos de cargos levam essas pessoas a reivindicar, e ganhar, cargos na cúpula da segurança pública.
O caso do ex-chefe de Polícia Civil Álvaro Lins, preso, indiciado, cassado e com prisão preventiva por corrupção recentemente decretada, é o exemplo típico do que diz Raul Jungmann.
E os candidatos, as autoridades, o que dizem? Depende. Alguns saúdam formalmente as providências de força, certos de sua ineficácia; outros fazem menos barulho, preservam-se politicamente, mas ajudam objetivamente no combate.
Parte dos candidatos clama contra o “absurdo”, em geral os com menos chances eleitorais, com menos compromissos a cumprir; parte emudece, muda de assunto como se houvesse algo mais importante que a interdição do direito de ir e vir e a imposição do terror ao cidadão pela ameaça (falsa) de violação do voto.
Estes aderem ao acordo tácito racionalizando o argumento da “lógica” da “política local” , a fim de sobreviver e ainda poder olhar os filhos quando chegam em casa.
Há ainda os que se atiram na alienação sem medo de ser felizes nem de contribuir para a infelicidade alheia com seu jogo de avestruz.
Tomemos o vice-governador, Luiz Fernando Pezão, a primeira autoridade do Poder Executivo estadual a se manifestar. Ao molde dos políticos mais preocupados com o imediatismo das conveniências eleitorais do que com o processo de degenerescência institucional, Luiz Fernando Pezão dispensa ajuda.
Para ele não há nada, só “exploração política” por parte de quem não tem acesso a determinadas áreas onde a população “cansou” de promessas e, por isso, se organiza para eleger gente da “comunidade”.
Como não é cego, surdo nem tolo, ou o vice-governador exercita seus dotes de conhecido piadista ou acha menos perigoso dar de ombros à insegurança pública que encarar a bandidagem.
Ou talvez sofra do mal há algum tempo apontado pelo deputado Aldo Rebelo e corroborado por Jungmann para explicar a negligência dos governos Lula e Fernando Henrique no combate ao crime: “A geração que sucedeu a ditadura no poder, oriunda da esquerda, não cuida da segurança porque repudia a repressão.”
Ou, dizendo de forma mais rude: acha que ditadura no morro é bangalô.
DEU EM O GLOBO
DE CABEÇA PARA BAIXO
Merval Pereira
Merval Pereira
NOVA YORK. A recente aquisição pela Inbev, uma empresa multinacional belgo-brasileira, da cervejaria Anheuser-Busch, produtora da Budweiser, a mais tradicional cerveja dos Estados Unidos, provocou protestos até mesmo do candidato democrata à Presidência Barack Obama que, no afã de atrair a simpatia dos eleitores do Missouri, estado de maioria republicana, pediu um esforço de empresários americanos para não deixar que a tradicional cervejaria fosse vendida a estrangeiros. A sede da nova empresa continuará sendo em St. Louis, cidade que abrigará a convenção do Partido Republicano que escolherá John McCain o candidato a presidente.
A aquisição, porém, é apenas mais um reflexo do que o economista Cláudio R. Frischtak, presidente da Inter B Consultoria Internacional de Negócios, classifica de "novo paradigma": para ele, o mundo, longe de "plano" - como o definiu Thomas Friedman para explicar a capacidade das economias emergentes de competir de igual para igual no mundo globalizado -, está ficando de "cabeça para baixo".
"Nesse mundo invertido, as economias emergentes e em desenvolvimento não apenas irão se tornar dominantes nas exportações mundiais em poucos anos, ou (em paridade de poder de compra) suplantar as economias avançadas; suas empresas se tornarão - e já estão se transformando - atores relevantes na economia global, desafiando os incumbentes que dominaram a cena internacional no século 20", analisa ele.
O Brasil faz parte relevante desse movimento, porém, diz Frischtak, as empresas nacionais no seu conjunto - quando comparadas a de outras economias emergentes - apresentam ainda uma "transnacionalização incipiente".
Segundo o economista, em um estudo intitulado "A Nova Competição Global e a Transnacionalização das Empresas Brasileiras", "o país conta com um conjunto crescente de empresas que vêm funcionando como vetores de investimentos externos, e cujo processo de expansão internacional vem sendo direcionado fundamentalmente pela necessidade de sustentar e acelerar seu crescimento".
Pela sua análise, de modo geral, este movimento tem fortalecido as empresas e se refletido em "maior produtividade, capacidade de inovação e melhoria no custo e estrutura de capital".
Cláudio Frischtak considera a compra da Anheuser-Busch pela Inbev bastante significativa, "não apenas pelo fato de a cervejaria "belgo-brasileira" adquirir um símbolo do poder empresarial americano, mas por sugerir que talvez estejamos testemunhando o início de uma lenta decadência relativa da economia americana, com o enfraquecimento do dólar, fator crítico na compra pela Inbev, junto com a ainda admirável liquidez dos mercados, e o empobrecimento da classe média".
A professora da Fundação Dom Cabral Betania Tanure de Barros, psicóloga com especialização em gestão empresarial e desenvolvimento organizacional, é uma especialista em mercados internacionais, e chama a atenção para o fato de que, ao construir a Inbev, uma associação da belga Inbrew com a brasileira Ambev, houve "uma rara estratégia de integração cultural", que ela denomina de "Movimento Reverso", no qual predominam as características culturais da empresa adquirida, no caso, a gestão por executivos brasileiros.
Betânia Tanure tem feito trabalhos profundos em empresas brasileiras como Sadia, Samarco, Gerdau, Natura, que estão em fase de transformação do seu estilo de gestão para viabilizar um processo de crescimento vigoroso com base na internacionalização, "um processo complexo que envolve muitos riscos, mas também grandes oportunidades".
Ela vê a presença maior de multinacionais de países emergentes no mercado mundial como "uma terceira onda", conseqüência do impacto das forças da globalização que trouxe mudanças significativas no comportamento das empresas em todo o mundo.
"Após grandes ondas de expansão internacional das corporações americanas e européias do final do século XIX e do pós-guerra (no segundo caso, incluindo japonesas), estamos observando uma terceira onda de multinacionalização de empresas, dessa vez originária de países emergentes, inclusive do Brasil", constata ela, citando empresas como Ambev, Embraer, Gerdau, Petrobras, Sabó e Weg como formadoras de um grupo pioneiro que procura crescer e sobreviver neste novo ambiente globalizado.
As motivações das empresas brasileiras podem ser resumidas nos seguintes pontos, segundo um levantamento coordenado por Betânia Tanure:
1) Desejo de crescer, pela saturação do mercado doméstico, ou simplesmente pela busca de novas oportunidades.
2) Marcar presença em mercados estratégicos, estar mais próxima dos seus clientes globais e adquirir a confiabilidade.
3) Necessidade de competir com os melhores do mundo e/ou de estar entre os líderes do mercado.
4) Busca de economia de escala.
5) Possibilidade de reduzir o custo de capital.
Segundo Cláudio R. Frischtak, o apoio à globalização é consistente com o interesse público e "há razões econômicas para se apoiar a internacionalização das empresas nacionais", pois sua atuação traz benefícios, seja em termos de exportação - volume e preço -, seja em termos da criação de empregos de qualidade, ou ainda esforço inovador, dentre outros. A maioria dos países da OCDE e número crescente de emergentes apóia a internacionalização de suas empresas de forma multidimensional. (Continua amanhã)
DEU EM O GLOBO
POEMA CONTRA A CORRUPÇÃO
Zuenir Ventura
Zuenir Ventura
Chegamos a Juiz de Fora nesta semana quase ao mesmo tempo: eu, para uma palestra; ele, vindo da penitenciária de Contagem, onde passara 58 dias e de onde renunciou ao cargo para não ser cassado. Trata-se do ex-prefeito da cidade, Alberto Bejani, um caso emblemático destes tempos de ficha-suja. Da dele constam as seguintes acusações: formação de quadrilha, ameaça a testemunha, falsidade ideológica, peculato, concussão, corrupção passiva, prevaricação, fraude em licitação e lavagem de dinheiro.
Em abril, ao prendê-lo, a Polícia Federal encontrou em sua casa mais de R$1 milhão em grana viva, além de muitas armas. A apreensão foi documentada por um vídeo em que ele aparece recebendo propina de um empresário de transporte coletivo para supostamente autorizar o aumento das passagens de ônibus. Quatorze dias depois era solto por um habeas corpus da Justiça estadual. O de agora foi concedido pelo Supremo Tribunal Federal.
Apesar das provas visuais, Bejani saiu da penitenciária alegando inocência e se dizendo perseguido, para não fugir à regra. Bem-disposto, desafiou os candidatos à prefeitura a dispensarem o seu apoio. Segundo ele, são os "bejanistas" que irão decidir as próximas eleições. Ele aposta nisso tanto quanto garante que vai retomar o seu programa de rádio e depois se candidatar ao governo do estado. Declarou que não se interessa em ser prefeito ou deputado.
"Quero ser governador. Vou disputar, não tenham dúvida." Não encontrei na cidade quem duvidasse.
Três cidades depois - Barbacena, São João Del Rei e Viçosa - leio a notícia de que o TRE mineiro proclamou uma espécie de liberou geral: os candidatos com ficha suja vão poder concorrer livremente às câmaras municipais e às prefeituras. A medida beneficiará mais de 200 candidatos com processos naquele tribunal. Portanto, não surpreendeu o resultado de uma pesquisa que acaba de ser publicada aqui, revelando que mais de 80% dos consultados se manifestaram descrentes com a política e os políticos.
Para mim, o mais curioso da história não foi nem o convincente vídeo com as cenas de suborno explícitas, com direito a diálogo e tudo ("Os 150 nós vamos ficar com nós. 120 para você", diz o interlocutor), mas o nome da operação: Pasárgada. Como se sabe, Pasárgada é o lugar que Manuel Bandeira escolheu como metáfora do paraíso urbano, o eldorado que o poeta transformou num dos poemas mais bonitos de evasão e fuga.
"Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei."
Talvez tenha sido uma homenagem poética que a Polícia Federal quis prestar à cidade dos escritores Murilo Mendes, Pedro Nava, Rubem Fonseca, Raquel Jardim, Afonso Romano e Fernando Gabeira. Bandeira não podia imaginar que um dia a sua Pasárgada seria usada no combate à corrupção política.
DEU NO JORNAL DO BRASIL
UMA HISTÓRIA MAL CONTADA
Villas-Bôas Corrêa
Villas-Bôas Corrêa
NA ININTERRUPTA TRANSA dos bastidores, a surda disputa pela cobiçada presidência da Câmara registra a inscrição da deputada Rita Camata (PMDB-ES) que se apresenta desfraldando a bandeirola da renovação de valores e o que define como a democracia interna.
São duas estocadas com lâmina fina no deputado Michel Temer, também do PMDB-SP, ex-presidente do partido e ex-presidente da Câmara.
Como é um veterano, o deputado Michel Temer dispensou-se de apresentar a sua plataforma devidamente atualizada.
Mas candidato tem a língua solta e às vezes fala demais ou não atenta para o exato sentido das palavras, e diz o que não deve, escorregando no sabão da memória. Em artigo assinado, o candidato ao bis sustentou uma explicação extravagante ao misturar alhos com bugalhos para tentar justificar a fina flor da madraçaria parlamentar da semana de três dias úteis, da terça a quinta-feira. A folgada maioria que detesta Brasília e se recusa a morar onde trabalha, como todo mundo, deita e rola no tapete das mordomias, das vantagens, das regalias da longa lista que inclui as passagens aéreas semanais de ida e volta da capital à base política do folgado representante do povo e a indecorosa verba indenizatória de R$ 15 mil para o ressarcimento das despesas durante o repouso semanal.
No afanoso esforço para a agradar ao eleitorado, o candidato montou histórias mal contadas, parecendo às velhas potocas da Carochinha, mas que não pinga uma gota no pote da verdade. Do começo ao fim é uma criação de romancista frustrado, utilizado como visgo para pegar voto.
Vamos ao exercício do cronista-candidato. Sustenta o deputado Michel Temer, sem mover um músculo do rosto, de que a semana parlamentar de três dias úteis resultou de sérias e cuidadosas pesquisas de várias presidências da Casa, com a participação de membros da mesa diretora, líderes partidários e deputados interessados e que chegaram à luminosa conclusão que a semana normal de seis dias estava prejudicando o rendimento da Câmara. Deputados que representam estados distantes de Brasília encontravam dificuldades para passar o fim de semana com a família e atender aos seus eleitores, o que resultava em freqüente falta de quorum na segunda-feira. Na sexta-feira, o mesmo embaraço com sinal trocado: na debandada para os Estados nem sempre o horário dos vôos coincidia com o das sessões.
Para evitar o desgaste do Congresso e o desperdício de tempo, o jeitinho foi remover o sofá da sala, com o ponto facultativo às sessões de segunda-feira e sexta-feira. E a tranqüilidade voltou a reinar nas duas Casas do Legislativo, irmanadas na generosa compreensão do sagrado repouso nos quatro dias da semana: da sexta-feira para as viagens de ida, o sábado e o domingo da tradição universal do descanso e da segunda-feira para o corre-corre da volta ao batente, que ninguém é de ferro.
Vamos refrescar a cuca do pretendente ao ninho antigo.
A raiz da mandracice da semana de três dias úteis está enterrada na mudança da capital do Rio para o canteiro de obras da Brasília em construção, em 21 de abril de 1960, para atender à justa ambição de JK de voltar à Presidência da República.
Ninguém cogitou então da extravagância da semana parlamentar de três dias. Ao contrário, os prédios de apartamento para a residência dos senadores e deputados estavam prontos ou nos retoques finais.
Compreende-se: Brasília não era o Rio de 60, a Cidade Maravilhosa, com a atração irresistível de Copacabana, a Princesinha do Mar.
Para evitar a debandada dos que anunciaram a desistência da política, brotou no canteiro brasiliense a flor das mordomias, que se espalhou como tiririca pelos três poderes. Com suas variantes, do requinte das mansões à beira do lago para os ministros dos tribunais superiores e do Executivo ao exibicionismo dos palácios, que continuam a ser construído na Praça dos Três Poderes, apesar da fumaça das suspeitas de superfaturamento. E dos novos milionários dos salários e subsídios inflacionados.
O deputado Michel Temer certamente conhece as muitas mazelas a serem extirpadas nesta penumbrosa fase de crise ética do Congresso.
Não precisa dar asas à imaginação para o vôo a terra da fantasia.