sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Rio de Janeiro: disputa acirrada pelo 2º lugar


Cláudia Lamego e Fábio Vasconcelos
DEU EM O GLOBO

No Datafolha, Paes lidera com 26%; já Crivella, Jandira e Gabeira estão embolados

A18 dias da eleição, embolou a disputa pela prefeitura do Rio, mas pelo segundo lugar. Pesquisa Datafolha encomendada pela Rede Globo e pela "Folha de S.Paulo" mostra que o candidato do PMDB, Eduardo Paes, subiu um ponto mas consolidou-se na liderança, com 26% das intenções de voto. Em segundo lugar aparece Marcelo Crivella (PRB), que tinha 21% e caiu para 18%. O senador, porém, está tecnicamente empatado com Jandira Feghali (PCdoB), que foi de 12% para 13%. O candidato do PV, Fernando Gabeira, vem logo atrás, já que subiu três pontos e hoje tem 11%. Com este resultado, ele fica tecnicamente empatado com Jandira, porque a pesquisa tem margem de erro de três pontos percentuais, para mais ou para menos.

Em quinto lugar, Solange Amaral (DEM), candidata do prefeito Cesar Maia, caiu dois pontos e agora tem apenas 5%. Em seguida, surge Alessandro Molon (PT), que subiu um ponto, passando para 4%. Chico Alencar (PSOL) foi de 4% para 3% e Paulo Ramos passou de 1% para 2%. Em branco e nulos somam 11%, e 6% dos eleitores disseram que não sabem em quem vão votar ou não opinaram. Filipe Pereira (PSC) e Eduardo Serra (PCB) atingem 1%, cada. Já Antonio Carlos (PCO) e Vinicius Cordeiro não pontuaram.

Gabeira comemorou a divulgação dos números, dizendo que agora aparece para o eleitorado como candidato viável para ir ao segundo turno. Ele disse acreditar que quem o considerava bom candidato, mas estava indeciso, agora vai mudar.

- Estou crescendo, e isso é bom para que as pessoas acreditem que posso chegar ao segundo turno. Acredito que vou crescer ainda entre os indecisos. A disputa vai ser muito emocionante, voto a voto - disse Gabeira.

O candidato disse que estava perdendo eleitores para o chamado voto útil contra o senador Crivella. Gabeira afirma que pode conseguir votos de outros adversários também.

- Preciso fazer com que o voto útil não seja contra mim. Vou continuar trabalhando por mais eleitores.

Crivella tem a mais alta rejeição: 34%

Eduardo Paes, que pela primeira vez lidera fora da margem de erro, também comemorou o resultado:

- Vejo com muita alegria, mas com humildade, porque tem muito trabalho pela frente. Pelo que leio nos jornais, existe equilíbrio das intenções de voto em todas as classes sociais. Acho que isso é muito bom.

Com os dados, Jandira disse estar convencida de que vai disputar o segundo turno.

- Essa possibilidade vem se reafirmando a cada pesquisa. Temos um número de indecisos enorme na pesquisa espontânea do Rio. Além disso, tenho sentido o carinho das ruas.

Procurado, Crivella não quis comentar a pesquisa.

Nas simulações de segundo turno, Eduardo Paes ganha dos dois principais adversários. Com Crivella, o placar ficaria em 53% a 32% para o peemedebista. Se fosse contra Jandira, ele venceria por 48% a 37%. Se a disputa fosse entre Jandira e Crivella, a candidata ganharia por 47% a 36%.

Crivella é o candidato mais rejeitado, com 34% de eleitores que não votariam nele de jeito nenhum. Solange e Gabeira vêm em seguida, com índices de 26% e 22%, respectivamente. Molon tem 18% de rejeição e Paes, 15%. Filipe Pereira é rejeitado por 14%; Chico Alencar por 13%; Vinicius Cordeiro e Paulo Ramos com 12%, cada, Eduardo Serra com 10% e, com a menor taxa de rejeição, Antonio Carlos (6%). (O site do Datafolha não tinha ontem à noite o índice de rejeição de Jandira).

O Datafolha entrevistou 930 eleitores entre os dias 17 e 18 de setembro. A pesquisa foi registrada no Tribunal Regional Eleitoral do Rio sob o número RPE 32/2008.

Só mudou o padroeiro

Editorial
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO(PE)

Desde que morreu, em julho de 1934, o padre Cícero Romão Batista, de Juazeiro do Ceará, virou padroeiro dos políticos, cabo eleitoral predileto em todas as campanhas municipais. Fotos do candidato ao lado do padre, santinhos recorrendo ao apoio dele eram indispensáveis, assim como calendários com a foto do mais carismático religioso dos sertões nordestinos, associado ao pretendente do cargo público. Na eleição municipal deste ano, porém, os políticos têm um novo padroeiro: no lugar do padre cearense, o pernambucano presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. É impressionante a multiplicação da foto de Lula sorridente, majestático em sua pose de presidente da República, ao lado de candidatos de todas as tendências. Da mais tradicional direita à mais aguerrida esquerda, exceto, claro, seus arquiinimigos Psol e PSTU. Até candidatos do partido de Maluf – aparentemente incompatível com a idéia de um presidente do PT – disputam o direito de se apresentar como prefeito, ou vereador, de Lula.

Se não havia estudos bem fundamentados para mensurar em votos o peso da foto do Padre Cícero, nas eleições municipais deste ano dá para fazer algumas aproximações e associar o crescimento de candidatos na mesma proporção de sua identificação com o presidente da República. O caso do Recife é emblemático. O atual prefeito seguramente tem boa aceitação, o governador, idem, mas é o padroeiro Lula que parece fazer a balança pesar mais para um lado, assim como vem acontecendo em todos os municípios onde o lugar do Padre Cícero foi ocupado por Lula. Fica faltando, porém, avaliar o que representa de transformação essa troca de santinhos. Se nos 70 anos em que foi apresentado como patrono de candidatos a prefeitos ou vereadores nenhum avanço substancial pode ser associado ao patrocínio do Padre Cícero, é interessante se questionar o que pode mudar com a troca.

O que parece é que nada aponta para avanços no gerenciamento municipal da quase totalidade dos municípios. Aqui em Pernambuco, por exemplo, o que aconteceu de significativo está sendo a definição de grandes pólos econômicos a partir da iniciativa privada impulsionada pelos poderes públicos estadual e federal, como é o caso do complexo industrial-portuário de Suape, que transforma Ipojuca num dos cinco maiores, mais dinâmicos e como maior economia do Estado, o pólo de confecções, que dá a Caruaru um perfil de capital do Agreste, os grandes empreendimentos do agronegócio que fazem de Petrolina a capital do Sertão, ou, em processo de instalação, o grupo da Perdigão/Batavo, levando para Bom Conselho e vizinhanças uma pujança nunca imaginada.

Tudo isso a partir do capital privado que se instala com ânimo e gera mudanças substanciais, como nunca sonhou qualquer gerente da coisa pública municipal, mesmo quando há potencial, porque sua ação se esgota em quatro, no máximo oito anos, faltando alguns componentes fundamentais, como a continuidade da obra, a busca de projetos estruturadores, a capacidade de articulação microrregional para a identificação de vocações econômicas. Atitudes que não acompanha, sequer como manifestação de boa intenção, a propaganda dos candidatos locais ao lado do presidente da República. Não há explicação para a presença do padroeiro, a não ser o fato de ser ele o realizador do mais bem sucedido programa de transferência de renda da história do Brasil, o Bolsa-Família.

E é aí onde se explica o “milagre” do santo Lula, destronando o Padre Cícero do Juazeiro: o Bolsa-Família chega onde nunca chegou qualquer programa de governo: os excluídos na mais rigorosa expressão do termo, porque estavam fora inteiramente do mercado de consumo. Com o programa – que no vulgo é tratado como “o dinheiro de Lula” – passa a haver renda, consumo, e a inevitável dependência, o medo mesmo, de que não votando em Lula, ou contra ele, também desapareça o benefício. O problema que permanece, porém, é que essa renda não é suficiente para ativar a economia local de forma a gerar a atração de investimentos que, aí sim, mudariam o perfil das comunidades onde as coisas continuam como no tempo em que o principal padroeiro era o Padre Cícero.

Desconversa desafinada


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Vista assim do alto, a Babel reinante no ambiente federal parece sintoma de uma grave crise. De repercussão institucional, até. Observada mais de perto, porém, a cena de autoridades falando idiomas diferentes entre si nos revela um quadro mais prosaico: desorganização e ausência de liderança na coordenação e formação de consensos no governo.

Na ausência do árbitro, cada um joga como pode, como quer ou como sabe. A pelada do momento impressiona porque envolve o Ministério da Defesa, a agência de inteligência da Presidência e a Polícia Federal. Mas, no fundo, é a mesma de sempre.

Pertence àquela zona obscura onde coisa alguma tem conseqüência, localizada entre duas áreas de competências e metas bem definidas: a condução da economia segundo o manual da “herança maldita” e a central de produções de eventos eleitorais tocada pessoalmente pelo presidente da República em regime de dedicação quase exclusiva.

Entre um discurso e outro, justiça seja feita, o presidente Luiz Inácio da Silva faz algumas paradas, reúne o staff, toma a decisão ao molde pedido pela ocasião e parte para o próximo palanque. Tudo muito bom, não fosse a vida real uma fonte de desconfortos.

Como este agora em que o aparato de segurança do Estado apresenta-se ao País em situação de completa insegurança. Apenas pela oportunidade de enxergar isso com clareza é que não se pode considerar totalmente perdidos os 20 dias transcorridos desde a comprovação pública da interceptação ilegal de um telefonema entre o presidente do Supremo Tribunal Federal e o senador da República.

Não fora por essa preciosa demonstração de transparência, seria correta a constatação de volta à estaca zero.

Foram quase três semanas de muito movimento e falatório, ao fim das quais a razão apresentada pelo ministro da Defesa para justificar a “providência imediata” de afastar a diretoria da Abin é desmentida pela perícia da Polícia Federal.

Para todos os efeitos, Lula tomou aquela atitude porque o ministro Nelson Jobim o convenceu de que a agência comprara equipamentos de escuta, extrapolando suas atribuições legais.

Pois bem: depois de assistir calado ao Exército, à PF e aos diretores afastados da Abin negarem fé à afirmação do ministro da Defesa, o presidente vê desmontado o fundamento da própria decisão: os equipamentos não podem fazer escutas telefônicas.

A menos que se admita a possibilidade de o laudo do Instituto Nacional de Criminalística da PF ser uma fraude ou de Jobim conhecer outro tipo de aparelhagem que não a examinada, só há uma conclusão possível: ou o presidente foi induzido ao erro ou induziu ele próprio a Nação ao equívoco.

A primeira hipótese deixa Lula na posição de marionete. Ainda que o presidente jamais tivesse ouvido falar no avanço desenfreado dos grampos em Brasília, da publicação da denúncia na Veja até o anúncio da decisão, teve praticamente três dias para se informar e refletir.

Como não é crível que um presidente há quase seis anos no poder, com dotes de transformação e conhecimento profundo da realidade brasileira nunca antes vistos neste País, se deixasse levar dessa maneira, sem nem conferir o “dado concreto”, a lei da gravidade nos leva à segunda hipótese.

Não que o presidente tenha posto sua decisão deliberadamente a serviço de um falso (segundo a PF republicana) testemunho por esporte. Foi por hábito mesmo. Ou melhor, no caso, por alteração repentina na maneira usual de gerência de crises.

Publicada a denúncia, dessa vez não dava para negar, levar em banho-maria e ir adiando as coisas até a escolha de um bode expiatório de menor porte para protagonista do habitual epílogo sem desfecho.

No sábado à tarde, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, avisou que chamaria o presidente “às falas”. Na segunda-feira de manhã o presidente o recebeu, na mesma noite anunciou o afastamento da diretoria da Abin.

Segundo versão publicada já nos jornais do dia seguinte, baseado em “evidências contundentes” apresentadas por Nelson Jobim na véspera. De acordo com a Polícia Federal, não eram evidências nem tampouco contundentes.

Desde o começo parecera um arranjo feito às pressas para atender à demanda do Supremo por um gesto além dos costumeiros pedidos de investigação profunda.

Só que havia interesses e corporações diversos envolvidos. Não se tratava de petistas disciplinados dispostos a pagar as contas em silêncio.

Mexeu-se com estruturas mais antigas. Nem o Exército, nem a PF nem a área de inteligência funcionam na lógica partidária, mas, assim como o partido, têm instinto de sobrevivência e partiram para as respectivas defesas.

Sem a intenção de criar problemas ao Palácio do Planalto. Não era uma ofensiva contra, mas a defensiva expôs o desencontro. No afã de cobrir um santo, deixaram-se dois a descoberto: a desorganização do governo e os grampos propriamente ditos, a respeito dos quais nunca mais se falou.

Apoio oficial à união de homossexuais


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Agora é para valer: nunca, desde o marechal Deodoro da Fonseca a Fernando Henrique Cardoso, passando pela ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas e pelos quase 21 anos dos cinco generais-presidente da ditadura militar, um presidente da República ousou tanto como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na fantástica entrevista concedida ao canal oficial da TV Brasil, na estréia do programa 3 a 1.

Com a ênfase da voz impostada para a solenidade do recado à posteridade, Lula defendeu com apaixonada ênfase a união civil entre homossexuais e condenou a hipocrisia com que o tema é tratado pelos que fogem do debate, com medo de dizer o que pensam.

Em dia inspirado, só titubeou uma vez ao driblar com ginga de corpo à pergunta se pretendia enviar ao Congresso projeto de lei abrindo a janela para a oficialização da união entre homens e mulheres.

Mas compensou a esquiva com o vigor com que desnudou as sua opinião pessoal, que é a do Presidente da República: "Temos de parar com a hipocrisia porque a gente sabe que existe". Não deixou o verbo no ar e foi adiante: "Tem homem morando com homem, mulher com mulher e muitas vezes vivem bem, de forma extraordinária". Achou que ainda era pouco e emendou de primeira: "Constroem uma vida juntos, trabalham juntos e por isso sou favorável".

O presidente não quis deixar pedra sobre pedra no pedestal da sua militância pela causa. E virou a chibata para a surra nos adversários da felicidade conjugal do casal gay: "Porque os políticos que são contra não recusam os votos deles, por que o Estado brasileiro não recusa os impostos que eles pagam?" A pergunta, como que formulada diante do espelho, ricocheteia na justificativa frouxa e óbvia: "O importante é que sejam cidadãos brasileiros, respeitem a Constituição e cumpram com seu compromisso com a nação". E arrematou com o recado da despedida: "O resto é problema deles e eu sou defensor da união civil".

Já se pode prever, sem a pimenta da malícia, que o presidente Lula será o grande homenageado das próximas paradas gays. Com toda a justiça.

Mas como estava com a mão na massa, da união civil entre homossexuais, o presidente passou, sem mudar a toada, para a defesa da legalização do aborto.

Começou por invocar a coerência de exatos 26 anos da "posição de tratar o aborto como questão de saúde pública". Moderou a cadência para a ressalva explícita: "Se você perguntar para mim, presidente Lula, o senhor é contra ou a favor do aborto? Sou contra, minha mulher é contra, mas o Estado tem de dar atendimento".

E mais não disse nem lhe foi perguntado.

Os próximos dias esclarecerão se o presidente Lula decidiu renovar o estilo de campanha para a disparada na reta final ou se apenas viveu o seu momento de desabafo para desfazer dubiedades que o aborreciam.

Não cabe o balanço da dúvida quanto a sua inabalável certeza de que nada abalará a sua popularidade recordista e em ascensão nas pesquisas, nas alturas de 62% e da eleição da ministra-candidata Dilma Rousseff, em 2010, para sucedê-lo. Uma candidata feita em casa, imposta pela sua liderança e aceita ou engolida pela virtual unanimidade do PT, com pequenas ranhuras no bloco dos aliados.

Mais dia, menos dia, todos acertarão o passo na marcha para as urnas. A crise que tensiona os mercados do mundo não preocupa o presidente que já combinou com o ministro Guido Mantega, da Fazenda, que ela será "imperceptível pelos brasileiros".

Portanto, nada a temer. Nem o repique da crise econômica ou a oficialização da união civil entre homossexuais. E também a legalização do aborto.

O governo é pra frente, moderno, puxa o cordão.

A realidade se impõe


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. Tudo indica que os fatos econômicos são tão evidentes e agressivos que mesmo os preconceitos contra o candidato democrata Barack Obama estão sendo superados. A tendência do conjunto de pesquisas voltou a ser favorável a ele, e a crise econômica está fazendo com que o passado de John McCain cobre um pesado pedágio. O furacão Palin, como ficou sendo conhecida a vice da chapa do republicano John McCain, foi varrido do centro da cena política pelo furacão econômico, que não está deixando pedra sobre pedra em Wall Street e similares pelo mundo.

O senador John McCain, que tenta se distanciar do fracasso da gestão Bush, acabou irremediavelmente ligado a um outro frustrado presidente republicano, Herbert Hoover, em cujo governo deu-se a quebradeira da Bolsa em outubro de 1929 que desencadeou a Grande Depressão nos anos seguintes. Hoover entraria para a história pela insistência em dizer, no dia seguinte à "quinta-feira negra", que "o negócio básico do país, isto é, a produção e distribuição de commodities, está em bases sólidas e prósperas".

Praticamente o mesmo que McCain disse e repetiu nos últimos dias: "Os fundamentos de nossa economia são fortes". Ao mesmo tempo, a transformação de McCain em um campeão da regulamentação dura dos mercados financeiros está fazendo com que seja relembrado o caso da Lincoln Savings & Loan Association, que quebrou devido a uma série de procedimentos irregulares.

Em sua biografia, McCain se lamenta pelo caso, e admite que ele fará parte de sua história "até a tumba", o que está realmente acontecendo. Como um fantasma do passado, a investigação do comitê de ética do Senado que levou a que cinco senadores, entre eles McCain, fossem acusados de tentar interferir no processo aberto pelo Federal Home Loan Bank Board, está sendo relembrada a todo momento.

McCain foi advertido naquela ocasião, início dos anos 1990, pelo comitê de ética do Senado por ter agido de maneira imprudente no episódio, e outros senadores foram censurados. Em sua biografia, McCain admite que não deveria ter ido a uma reunião em que a questão foi discutida com os investigadores, e que deveria ter saído quando um deles disse que os senadores não deveriam insistir na defesa da instituição, mesmo sabendo que o assunto estava sendo encaminhado para a Justiça.

O problema maior de McCain foi a revelação de que ele e sua mulher Cindy eram amigos íntimos de Charles Keating, o dono da Lincoln Savings, de cujo avião corporativo se utilizavam para passar fins de semana nas Bahamas, e eram até sócios em um shopping center. Em meio ao processo, McCain teve que ressarcir as viagens de avião.

Com boa vontade, se poderia dizer que McCain aprendeu com o episódio e mudou de posição com relação ao mercado financeiro. Mas, essa é uma interpretação que não bate com os fatos. Seu principal assessor econômico até recentemente, Phil Gramn, foi o senador responsável pelo movimento que fez com que a legislação financeira fosse gradativamente flexibilizada. Saiu oficialmente da campanha depois de dizer que o que havia no país era uma "recessão mental", e de chamar os cidadãos que reclamam da crise econômica de "choramingões".

James Galbraith, economista da Universidade do Texas, onde Gramn se formou, o definia como "o mais agressivo advogado de todo instrumento predatório e ganancioso do setor financeiro, um aprendiz de feiticeiro da instabilidade e do desastre no sistema financeiro".

A situação de John McCain está tão delicada, diante da atitude do governo americano que dá sinais trocados a cada dia da crise, que o candidato republicano elogiou em um dia o fato de o governo não ter acudido o banco Lehman Brothers, e dois dias depois foi obrigado a também elogiar o resgate do grupo de seguros AIG.

Desorientados estão também os congressistas do Partido Republicano, que não estão sendo consultados pelo governo e são surpreendidos pelas medidas anunciadas. O líder da minoria, Whip Roy Blunt, fez questão de registrar que a base parlamentar do governo não está entendendo a estratégia do governo, "se é que existe uma".

E criticou a intervenção do governo tanto na AIG quanto anteriormente nas duas gigantes das hipotecas, Fanny Mae e Freddy Mac, que feririam o cerne do pensamento econômico conservador, que é o livre mercado.

O fato é que, se Obama teve uma mudança no comportamento político desde que foi indicado oficialmente como candidato democrata à Presidência, sendo acusado de ter cedido ao establishment de Washington e à direção partidária, colocando sua candidatura mais para o centro ideológico do que mantendo-a na esquerda do partido, de onde provém, McCain passou por uma transformação maior ainda. E se Obama conseguiu manter uma base homogênea na sua linha de conduta, mesmo com algumas mudanças, o mesmo não aconteceu com McCain.

O senador republicano teve sua vitória nas primárias baseada no fato de ser um republicano "light", quase um democrata ou, quem sabe, um independente. Com a péssima fama do governo Bush, o eleitorado republicano buscou no moderado McCain uma alternativa à renovação proposta pelo democrata Obama.

A escolha da vice Sarah Palin foi feita para marcar a independência da candidatura em relação à direção partidária, mas também para dar à base radical dos conservadores um motivo para votar na chapa.

A novidade foi tão grande que pareceu mudar os rumos da campanha, até que a realidade da crise econômica falou mais alto do que a fantasia que os republicanos estavam apresentando a seu público. O próprio McCain, tentando reinventar-se como adversário do establishment de Washington e agora de Wall Street, é um monstrengo pouco plausível. Tudo indica que a realidade é por demais dura para ser mascarada por uma proposta claramente falsa.

Mico federal


Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Crise sistêmica é aquilo que os bancos centrais fazem qualquer loucura para evitar. O ex-presidente do BC, Armínio Fraga, disse que "com certeza pode-se chamar o que está acontecendo de crise sistêmica". O alívio ontem veio pela informação de que o governo americano pode absorver todo o mico imobiliário. Isso mostrou que o Tesouro e o Fed farão qualquer coisa para evitar a crise sistêmica.

Derivativos piores da expressão - como systemic disaster, por exemplo - passaram a ser usados pela imprensa, americana e inglesa, para definir o quarto dia em que tudo o que parecia impossível continuava acontecendo. No fim, veio o alívio: a informação de que as autoridades americanas estão estudando intervenção mais forte e mais permanente para evitar o desastre. Entre as possibilidades, a criação de uma agência para absorver todo o lixo hipotecário que o mercado não consegue digerir. O mesmo expediente de estatização do prejuízo produzido pelo mercado financeiro foi usado na crise das instituições de poupança e empréstimo, no fim dos anos 80.

Armínio Fraga, na entrevista que me concedeu na Globonews, disse que acha que é uma boa idéia, desde que se punam os maus administradores e, se houver fraude, que se puna criminalmente quem a cometeu. Ele disse que uma ação mais forte é inevitável para interromper o ciclo vicioso que está se formando, de liquidação de posições, que leva a crise cada vez mais fundo, a um ponto que não precisa ser explorado, porque se sabe o final.

- Se deixarem a coisa correr solta, mais bancos vão quebrar. Não acredito que vão deixar a coisa correr. Eu já passei por um banco central. Você olha para o abismo, vê lá embaixo as pedras e decide não correr o risco de deixar cair.

O abismo e as pedras foram criadas pelo próprio mercado. Ontem, pela primeira vez, as autoridades se deram conta de que um dos absurdos continuava acontecendo: a venda a descoberto das ações dos bancos. Assim, quem quer especular vende a descoberto. Não tem a ação, mas vende apostando na queda. Isso é um ambiente perfeito para os boatos.

- Quem vende, quer que a ação caia e, por isso, dissemina o boato. Agora isso começará a ser contido - explicou Álvaro Bandeira, da Ágora.

Ontem, o maior fundo de pensão americano, o Calpers, avisou que não vai mais "alugar" ação para esse tipo de operação. Em Londres, as autoridades decidiram suspender esse tipo de operação até 2009.

É um espanto que os reguladores americanos não tenham proibido esse foco de especulação há mais tempo. O mercado fez ao longo do boom que antecedeu esta crise várias outras maluquices que acabaram produzindo a crise, que vai acabar batendo no bolso do contribuinte.

Armínio acha que o argumento de que não é justo que o contribuinte pague a conta deve ser visto também por outro ângulo.

- As conseqüências de não salvar uma instituição como a AIG podem ser gravíssimas do ponto de vista social e econômico. A solução da AIG faz sentido. É uma solução que pune de forma radical os acionistas, pune os investidores, mas protege o sistema. A economia precisa de dinheiro circulando como o sangue no corpo da gente.

Para Armínio, esta foi a pior semana desta crise que já tem um ano e que se prolongará nos próximos trimestres. Ninguém discordaria. Uma semana em que o Lehman Brothers quebrou, o Merrill Lynch foi vendido às pressas, a AIG foi estatizada, o Morgan Stanley entrou na linha de tiro e todo o sistema parecia às vésperas do colapso. O dia ontem começou com uma megainjeção de dinheiro no mercado por uma ação conjunta dos bancos centrais, que não teve poder para resolver o problema. Logo depois, a volatilidade retomaria seu ritmo.

- Esta semana foi a pior de todas. Quem tinha dinheiro, e queria procurar um porto seguro, tinha que comprar títulos do Tesouro americano e, com isso, a taxa dos títulos chegou a zero e a alguns momentos negativos. Isso significa que o investidor estava pagando um prêmio ao Tesouro para ele ficar com o dinheiro - disse Armínio.

O governo brasileiro acordou ontem para a crise. Apesar de não ter nada com isso diretamente, o Brasil chegou a ter alta de 71% do risco-país. Ele estava, no começo do ano, em 212, anteontem chegou a 370 e ontem caiu para 323. O dólar saiu do nível de R$1,60 para R$1,96. Caiu, e fechou, em R$1,93, mas no mês já subiu 18%. E só caiu depois que o Banco Central anunciou uma operação de venda de dólar à vista e recompra no mercado futuro. Bancos vendidos em dólar tiveram que zerar posição.

Para se ter uma idéia de como o Brasil está despreparado para a crise, por falta de capacidade das autoridades de entenderem minimamente o que se passa, basta lembrar que na terça-feira o presidente Lula disse que a crise americana iria afetar o Brasil de forma "imperceptível". O ministro da Fazenda, Guido Mantega, fez pior com sua desastrada declaração de que o consumidor deveria comprar e se endividar, isso em pleno olho do furacão da crise. Essa visão alienada da realidade chocou-se com os fatos. Ontem mesmo o Banco Central brasileiro estava vendendo dólar para conter a alta. Melhor faz o BC, que tem a noção da gravidade da crise e dos contágios aleatórios do mundo globalizado.

Parem o mercado, querem descer


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Dois momentos, separados por escassos 14 meses, dão uma idéia perfeita da marcha acelerada da crise global.

Momento 1 - Na cúpula do G8, em junho de 2007, o governo alemão, o anfitrião de turno, queria que fosse discutido algum tipo de código de conduta para os agentes do mercado financeiro, em especial para os "hedge funds", esses que apostam em diferentes ativos para se proteger caso uma (ou mais de uma) das apostas dê errado. Seria uma espécie de auto-regulação.

Explicava à época o ministro alemão de Finanças, Peer Steinbrueck, que tais fundos especulativos representam "um risco sistêmico".

Por quê? Simples: "Alguns deles estão alavancados cinco, seis ou até sete vezes, o que significa que os credores podem ser seriamente prejudicados se um desses fundos se tornar insolvente", explicava Steinbrueck.

Ou seja, previa tudo o que viria logo depois (a crise, então chamada modesta e incorretamente de "crise das subprime", estourou em agosto, dois meses depois). Os Estados Unidos rejeitaram a proposta alemã. Deu no que se vê.

Momento 2 - O presidente da poderosa Confederação Espanhola de Organizações Empresariais, Gerardo Díaz Ferrán, fez anteontem a seguinte declaração: "Creio na liberdade de mercado, mas, na vida, há conjunturas excepcionais. Pode-se fazer um parêntesis na economia de livre mercado".

Passou-se, pois, em meros 14 meses, de uma proposta de auto-regulação, típica medida de mercado, à impossível hibernação do próprio mercado.

Não se aceitou a primeira porque os governos, todos, têm medo do mercado e não o enfrentam.


E, para executar a segunda, seria preciso que houvesse um estadista disponível no mercado de governantes capaz de apresentar alguma idéia, uma que fosse, para organizar a farra. Você conhece algum?

Para OMC, crise afetará saldo comercial do País

Jamil Chade, GENEBRA
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Estagnação da UE e dos EUA reduzirá exportações

A crise mundial deverá afetar diretamente a capacidade do Brasil de manter o superávit comercial, avaliam economistas da Organização Mundial do Comércio (OMC). Eles já estão até reduzindo a estimativa de expansão das exportações e importações brasileiras em 2008.

Com a Europa entrando em recessão e os Estados Unidos em situação difícil, a perspectiva é de que comprem menos. Mais de 45% das exportações brasileiras são para esses dois mercados. Ao mesmo tempo, as importações não dão sinais de queda brusca, pelo menos por enquanto.

Para completar, a crise deve ainda reduzir os preços internacionais de minérios. No setor agrícola, a OMC prevê uma safra positiva em muitos mercados, o que deve também reduzir os preços internacionais. Dados da OMC confirmam que, em 2007, a alta nos preços foi fundamental para a balança comercial do País.

Michael Finger, economista da OMC, confirma que o crescimento de 4,5% previsto no início do ano para o comércio mundial será reavaliado. “Já estamos fazendo esse trabalho, com base nos novos dados de crescimento do PIB para o ano.” O secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Comércio (Unctad), Supachai Panitchpakdi, confirma. “A crise financeira pode se transformar em crise de comércio. O sistema comercial mundial será duramente afetado, como já começamos a ver. O comércio precisa ser financiado.”

Dados da União Européia (UE) indicam que o comércio com os Estados Unidos e o Japão foi reduzido nos seis primeiros meses do ano diante da desaceleração em Washington e Tóquio. Para o mercado americano, as exportações européias caíram 4%, mesmo índice das vendas para o Japão.

Os 27 países da UE tiveram déficit somado de 21,5 bilhões em julho, ante 13,6 bilhões no mesmo mês de 2007. O buraco não é maior graças aos países emergentes, cuja economia continua crescendo. Em parte, o crescimento do Brasil explicaria a ameaça ao superávit. O País incrementou em 12% as exportações para a Europa nos seis primeiros meses do ano, com 17 bilhões de euros. As importações aumentaram 20%.

A China se distanciou dos Estados Unidos e hoje é a maior fornecedora de bens para o mercado europeu. Entre janeiro e junho, Pequim exportou 111 bilhões para a UE, um aumento de 15% em relação ao ano anterior. Já os europeus exportaram 16% mais para os chineses neste ano, ante 24% mais para a Rússia.

A era de incertezas passa a ser a era de ansiedade


Paul A. Samuelson*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A humanidade se assemelha mais à avestruz do que à coruja, famosa pela sabedoria. Tanto na moderna macroeconomia quanto na moderna geopolítica, os otimistas acham que já podem vislumbrar o começo de melhores dias futuros.

Afirma-se que os Estados Unidos e seus aliados “derrotaram” os talebans no Afeganistão. Será que fizemos isso mesmo? Esses inimigos extremistas costumam voltar à vida como a Fênix, incessantemente.

Observe-se, ainda, que o envio de mais tropas americanas ao Iraque neste momento parece fortalecer a esperança racional de que a cooperação do Iraque caminha para seu autogoverno, o que justificaria uma futura saída dos militares americanos do país. Entretanto, estrategistas experientes não se surpreenderiam se os benefícios desse reforço evaporassem daqui a seis meses.

Na França, De Gaulle entendeu do pior modo possível os altos e baixos dos franceses na Argélia e no Vietnã. Os presidentes Eisenhower, Kennedy, Johnson e Nixon aprenderam igualmente graves lições no Vietnã. No fim, sem vitórias nem honras exageradas, todo o sangue e os recursos sacrificados para derrotar o governo de esquerda daquele país resultaram vãos.

Segundo esse mesmo esquema na geopolítica, sucessos temporários seguidos por graves derrotas podem parecer óbvios nas atuais crises financeiras globais. O Federal Reserve (Fed, banco central americano) e os bancos centrais de outros países foram obrigados a entrar em ação a fim de aliviar a situação na oferta de crédito. Não fizeram isso para salvar irresponsáveis instituições de crédito hipotecário e mutuários dos prejuízos dos seus investimentos. Mas, lembrando a gravidade da queda das economias globais durante a Grande Depressão, os governos de hoje agiram rapidamente para proteger a economia dos ventos adversos da recessão.

Quando o fundo de hedge Long Term Capital Management foi contemplado com um resgate preparado pelo Fed, em 1998, o motivo alegado foi a preservação da prosperidade do investidor médio.

Os seguidores do presidente Herbert Hoover em 1929 e do secretário do Tesouro Andrew Mellon criticam todos esses resgates do governo porque alegam que estimularão um “perigo moral” - ou seja, um aumento do risco futuro dos investimentos em razão das expectativas de ajuda imerecida.

A maior parte de meus colegas macroeconomistas é jovem demais para lembrar da Grande Depressão. Na época, eu ainda não havia me formado na conservadora Universidade de Chicago e pude sentir isso dentro e fora da escola.

Então aprendi algumas lições permanentes: (1) O capitalismo puro não pode evitar alguns ciclos econômicos. Tampouco pode-se contar com o “laissez-faire” dos mercados para cuidar dos próprios males. (2) As decisões do Fed de elevar ou baixar os juros de curtíssimo prazo a fim de se “proteger contra os ventos” adversos podem conter indefinidamente a volatilidade da real macroatividade do pequeno investidor. Não é uma quimera acadêmica. Desde 1989, nós e o mundo desfrutamos de fato de uma forma de “Grande Moderação”: altos e baixos mais modestos nos ciclos econômicos. (3) Entretanto, nas épocas de turbulência mais profunda, as correções adotadas pelos bancos centrais em suas metas das taxas de juros de curto prazo tornaram-se cada vez mais impotentes. Taxas de juros próximas de zero só servem para encorajar a acumulação e não para gastar dinheiro. (4) Finalmente, em épocas de graves choques do lado da oferta, como agora e na década de 70, quando os preços do petróleo da Organização dos Países Exportadores de Petróleo podem quadruplicar da noite para o dia, ao mesmo tempo em que as colheitas e a produção de metais são afetadas e os preços das matérias-primas se encontram em uma bolha de alta, a economia sofre uma “estagflação” maléfica.

Infelizmente, o mesmo ziguezague de otimismo e pessimismo é endêmico na batalha entre as paridades do dólar americano e as do euro, do iene japonês ou do won coreano. Um mês atrás, uma ligeira melhora das exportações americanas provocou a recuperação do dólar em relação ao euro e às outras principais moedas.

Algo que pode ser impressionante para especuladores irresponsáveis.

Entretanto, o gráfico dos déficits de longo prazo do balanço de pagamentos dos EUA em geral, mostra apenas certa ondulação em sua crônica tendência à alta. Se isso provoca pesadelos em Warren Buffett, talvez as massas americanas de consumidores contumazes também devessem prestar alguma atenção ao fato.

Se os economistas tivessem sido informados, em 2007, da gravidade da “tempestade perfeita” (provocada pela concorrência de poderosos fatores) dos mercados financeiros que ocorreu em 2008, acredito que teríamos previsto racionalmente uma recessão americana muito pior em 2008, do que tivemos até agora. O que nos tranqüiliza um pouco.

Mas quanto tempo durará? Nada de pânico! Acho que deveremos esperar uma maior debilidade macroeconômica para o futuro, que poderá persistir até o fim de 2009. Hoje, ficamos sabendo do colapso do Lehman Brothers. Aprovo totalmente a decisão de não ajudá-lo a sair do buraco, ao contrário do que foi feito com o Bear Stearns.

Corporações gigantescas como o Citigroup e o American Investment Group (do setor de seguros) mais uma vez foram profundamente afetadas.

Enquanto ninguém se preocupava de resgatar a Merrill Lynch, a maior corretora de varejo dos EUA, ela foi engolida pelo Bank of American.

O ex-presidente do Fed Alan Greenspan admitiu publicamente que nossa “tempestade perfeita” de meados de setembro, em Wall Street, é uma dessas coisas que só acontecem “uma vez em cada século”. É estranho, portanto, que no dia 16 o Fed tenha se recusado a cortar um pouquinho sua taxa de juros, e que nada tenha mencionado sobre nova ajuda ao crédito.

Se esse foi apenas um pecado venial e não mortal, mesmo assim, na minha opinião, é a primeira falha de Ben Bernanke para lembrar que, acima de tudo, a razão de ser do banco central é ser a instituição de empréstimos de última instância, quando uma sociedade de mercado democrática é atingida pela calamidade mais grave.

Espero que o dr. Bernanke prove que tinha razão, e ficará provado que eu estava errado.

*Paul A. Samuelson escreve para o ‘Tribune Media’

Alta do dólar vai pressionar a inflação

Andrea Vialli
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A valorização do dólar nos últimos dias - especialmente ontem, quando a moeda americana subiu 3,3% e fechou o dia valendo R$ 1,93 - já traz o risco de impacto sobre os indicadores de custo de vida do País e conseqüente pressão sobre a inflação em 2008. Ontem, na máxima do dia, a moeda americana chegou a valer R$ 1,96. Ao longo do mês de setembro, o dólar acumula alta de 18,2%, e chegou ao maior valor desde setembro de 2007.

“A alta do dólar traz dois impactos importantes: um é a pressão sobre os preços livres, como o dos itens importados, por exemplo. O outro impacto é sobre os preços administrados por índices de inflação como o IGP, que são referenciais de preços de contratos como aluguéis,seguros e tarifas públicas”, explica o economista Márcio Nakane, coordenador técnico da Tendências Consultoria.

Segundo ele, os dois tipos de impacto têm pesos semelhantes sobre a inflação - em média, a cada 10% de elevação do dólar, existe um impacto de 1% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). “Ou seja, primeiro ocorre uma pressão sobre os preços no atacado, no IGP, que depois é repassada para o varejo”, afirma Nakane.

No entanto, ele avisa que esse cálculo é uma simulação e não leva em consideração outras forças em atuação na economia. “Há muitas coisas acontecendo. Ao mesmo tempo que o dólar sobe, há fatores que podem amenizar o impacto inflacionário, como a queda das commodities e a elevação dos juros”, observa.

De acordo com Nakane, ainda é cedo, no entanto, para prever o comportamento da moeda americana nos próximos dias e seu impacto efetivo sobre a inflação. “A pressão vai existir sim, mas é muito difícil prever o quanto neste momento. O dólar a R$ 1,90 é reflexo dos acontecimentos da semana.”

Para Luiz Jurandir Simões Araújo, professor de finanças da FEA/USP, é provável que o dólar se mantenha entre R$ 1,85 e R$ 2,00 nas próximas semanas. “Mas isso não deve nos prejudicar muito porque os fundamentos da economia brasileira não mudaram. Nosso navio não tem furo no casco.”

Segundo o professor, a alta do dólar deve pressionar a inflação, mas é uma oportunidade para as empresas exportadoras venderem mais. “Os exportadores podem aproveitar esse momento para vender mais. Mesmo se os países ricos importarem menos, os emergentes estão em expansão.”

'Alguém precisa pôr o mercado para funcionar'

ENTREVISTA - Alexandre Schwartsman: Ex-diretor do BC
Leandro Modé
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Quando o Brasil iniciou, em janeiro de 2004, a política de recomposição de reservas cambiais, o diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (BC) era Alexandre Schwartsman, atualmente economista-chefe do Banco Santander para América Latina.

Para o especialista, o BC acerta ao “emprestar” (verbo que, neste caso, para ele, é mais preciso do que vender) dólares ao mercado. “É para esse tipo de situação que servem as reservas.” No início de 2004, o País tinha, sem contar o dinheiro do Fundo Monetário Internacional (FMI), cerca de US$ 20 bilhões em reservas. Hoje são quase US$ 210 bilhões.

Como avalia a decisão do BC de vender dólar?

Não é uma venda de dólar. É uma venda com compra, ou seja, o BC vende agora com o compromisso de que as pessoas que compraram vão revender para ele no futuro. É um empréstimo em dólar. A idéia é suprir o mercado no momento em que falta liquidez.

Como está a liquidez?

Vivemos uma situação no sistema financeiro internacional na qual quem tem liquidez sentou em cima. Realmente empoçou. Os mercados interbancários lá fora travaram. Quem tem recursos obviamente tem de segurar, pois não sabe se os terá de volta caso empreste. Essa dinâmica lá fora levou a uma contração de crédito global.

As reservas vão cair com isso?

Em princípio, isso não implica redução das reservas, porque o dólar sai, mas depois volta. Durante um tempo, claro, as reservas ficarão menores. O objetivo do BC não é ganhar dinheiro com isso, mas vai ganhar (porque cobrará um juro mais alto de quem tomar o empréstimo do que a remuneração dos títulos do Tesouro dos EUA, onde está aplicada a maior parte das reservas brasileiras).

Para isso servem as reservas?

Para isso, entre outras coisas. Nos momentos em que falta liquidez, é preciso ter alguém com condição de pôr o mercado para funcionar.

Qual a tendência para o dólar?

É para cima. O fundamental é a perspectiva para os preços das commodities. Com a desaceleração global, os preços de commodities devem, na melhor das hipóteses, ficar estáveis. Mas provavelmente vão cair. É um dos principais fatores que pressionam o câmbio para cima.

"O mercado não se regulará sozinho" (George Soros)

Osmar Freitas Jr
Correspondente em Nova York
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Promovendo em Londres o livro "O novo paradigma para o mercado financeiro: a crise de crédito de 2008 e o que ela significa", o megainvestidor George Soros disse ao JB que a culpa de tudo é do "fundamentalismo de mercado", e que "estamos nos encaminhando para o olho da tempestade, ao invés de sair".

George Soros: caminhamos para o olho da tempestade

Investidor critica fundamentalismo e defende mercado sob supervisão

O megainvestidor George Soros, chairman do Soros Fund Management, é mestre em aproveitar oportunidades. Nas crises, ele demonstra sair-se muito bem. No difícil momento atual, por exemplo, este húngaro-americano de 78 anos, tem às mãos um best seller pontual em sua chegada. O livro The New Paradigm For Financial Markets: The Credit Crisis of 2008 and What it Means (O novo paradigma para o mercado financeiro: a crise de crédito de 2008 e o que ela significa), lançado em maio, chegou bem a tempo para estourar nas vendas. E traz uma visão muito particular do sistema financeiro, passado ou contemporâneo.

Soros, em meio à tormenta, não se limita apenas a exibir sua obra como prova de profecia correta, mas continua com sua fina análise do que está ocorrendo na economia a cada exato momento. Promovendo seu livro em Londres, o investidor falou sobre o histórico da crise e o que deve ser feito para corrigi-la.

Processo histórico

– Para se entender esta crise é preciso se levar em conta o processo histórico. Eu examino em meu livro como ele se desenvolveu. Eu opino que, além da bolha imobiliária – o gatilho que disparou esta crise financeira atual, há também uma "Super Bolha", que vem acontecendo há 25 anos.

Margareth Thatcher

– Na verdade, ela começou em 1980, quando Margareth Thatcher foi eleita primeira-ministra do Reino Unido, e Ronald Reagan, presidente dos Estados Unidos. Foi quando passou a imperar o que chamo de Fundamentalismo de mercado. Trata-se da crença de que é melhor para os mercados que sejam deixados aos seus próprios cuidados. Que eles são seus melhores reguladores. Isso passou a ser um dogma ideológico.

Nova fase

– Baseado nisso, criou-se uma nova fase da economia: a globalização do mercado financeiro. E, o que é importante, a liberalização do mercado. Agora, como este dogma é uma falsa idéia – já que os mercados não tendem a se auto-regular – nós tivemos uma série de crises financeiras. Isso teve grande impacto em aspectos particulares do sistema financeiro. A primeira crise decorrente deste dogma foi a dos bancos internacionais, quando o México ameaçou declarar moratória em sua dívida (1982). Esta ameaça forçou as autoridades a salvar o sistema. Para isso, aglutinaram os bancos e os encorajaram a rever as regras e emprestar mais para os países devedores em perigo de moratória. Dinheiro este, suficiente para o pagamento dos juros destas dívidas.

Prejuízos ocultos

– Para conseguir que os bancos tapassem os buracos em suas balanças de pagamento, estas instituições receberam permissão para buscar novos modos de fazer dinheiro. Também foram encorajados a jogar estes prejuízos para fora de suas folhas de balanço, e repassar, vender papéis das dívidas para outros, para recuperar recursos. Assim, imaginava-se que fossem compensados.

Plano Brady

– Oito anos depois, o Plano Brady (1989) foi introduzido, o que permitiu que os países devedores a reduzir suas dívidas. Neste momento os bancos rolaram suas perdas, mas a este ponto eles já tinham reservas suficientes para aguentar o baque.

Liberalização

– Assim tivemos a primeira vez que a liberalização de regras foi ativada. No passado, toda a história do Banco Central foi uma série de crises. A cada uma delas, as autoridades examinaram o que havia dado errado e remoldaram o sistema para que aquele problema particular não ocorresse mais. Mas em 1982, pela primeira vez, a resposta foi somente a liberalização de regulamentações.

Grande Depressão

– A partir da Grande Depressão, toda a estrutura de regulamentações imposta, basicamente, congelou o sistema bancário, colocando-o numa camisa de força. Mas a partir de 1982, este conjunto de regras foi desmantelado – seguindo o dogma a que me referi anteriormente.

O fundamentalismo de mercado acreditava que quanto menos regulamentações, melhor. Caiu até mesmo os diferenciais que caracterizavam um banco de investimentos. Regras após regras foram sendo abandonadas.

Caixa de Pandora

– O resultado foi o surgimento de um mercado financeiro disfuncional, com segmentos particulares completamente sem supervisão e fazendo negócios absurdos. O resultado foi uma caixa de pandora criada por agentes do mercado financeiro, que envolveram todos os elementos deste ambiente.

Fundamentalismo

– Esta crise demonstra, mais uma vez, que o fundamentalismo de mercado é errado, suas premissas não funcionam e deve ser abandonado. O mercado e suas instituições devem obedecer regulamentações e ser supervisionados. Espero que isto esteja nos planos imediatos das autoridades econômicas. Do contrário vamos continuar navegando de crise em crise, com anarquia criada pelo mercado.

Saída distante

– De todo modo, temo que não estejamos nem perto de sair da crise. Não passamos ainda o pior. Acho que estamos nos encaminhando para o olho da tempestade, ao invés de saindo dela.