terça-feira, 14 de outubro de 2008

Jorge Roberto Silveira e Miro ficam com Gabeira

Apesar de o PDT ter formalizado apoio a Paes, o deputado federal pedetista Miro Teixeira afirmou que votará em Gabeira. Outro pedetista contrário ao apoio a Paes, Jorge Roberto Silveira, acabou cancelando o almoço que teria nesta segunda com o político do PV, mas, em nota, disse respeitar a decisão do diretório municipal do partido e encerrou afirmando torcer pela candidatura de Gabeira.

O prefeito eleito não explica o motivo de ter desmarcado o encontro desta segunda. A jornalistas, Gabeira afirmou que o político de Niterói estaria doente. No lugar do prefeito eleito, o candidato recebeu a visita do seu braço direito, Hamilton Pitanga, que já foi anunciado como futuro secretário de Governo de Niterói.

Pela manhã, Lupi deu a entender que houve um enquadramento do pedetista de Niterói. Perguntado sobre a posição do companheiro de legenda, Lupi foi direto:

- Pergunta a ele de novo? Desafio você a conseguir ter essa posição do Jorge Roberto Silveira (de apoio a Gabeira). Ele seguirá a orientação do partido - disse o ministro, acrescentando que se o partido discutiu e decidiu, "todo mundo acata".

Na nota, Jorge Roberto afirma que louva a postura democrática de Lupi. Mas destaca que não é eleitor do Rio e que, "mesmo não havendo um apoio formal da minha parte ao candidato Fernando Gabeira, nada me impede que, como pessoa física e eleitor em outro município, manifeste minha inteira simpatia à sua candidatura pelo que ela representa de avanço na política fluminense". O prefeito eleito encerra dizendo que o PV foi fundamental para sua eleição.

Mas os esforços de Lupi também não foram suficientes para unir o diretório municipal. Segundo Miro Teixeira, a decisão de não votar em Eduardo Paes tem a ver com a sua "pregação política" de que vai tirar o Rio do isolamento. Para Miro, é absurdo um candidato dizer que vai governar melhor ou pior por causa da ligação com o presidente da República ou com o governador.

O deputado classifica o discurso de Paes como a "negação dos princípios republicanos":

- Nós pagamos impostos; a cidade tem que ser respeitada qualquer que seja o seu prefeito. Porque a cidade não é o prefeito, e sim os cidadãos. Essa pregação de alinhamento que favorece ou desfavorece a relação com o governo federal é despolitizada porque é contra o povo.

Miro nega ter conversado com Gabeira sobre o seu voto ou sobre a possibilidade de um apoio formal.

- Não imagino que o meu apoio representasse o deslocamento de quem quer se seja. Participo como cidadão, sem críticas à posição do partido, coerente com o alinhamento que tem com o governo federal - explicou.

Gabeira sela a paz com Lucinha em Bangu


Alessandra Duarte e Chico Otavio
DEU EM O GLOBO


Vereadora aceita pedido de desculpas por declarações feitas pelo candidato do PV

O candidato do PV à prefeitura, Fernando Gabeira, foi ontem a Bangu para tentar pôr fim à polêmica com a vereadora Lucinha (PSDB). No comitê do vereador reeleito Renato Moura (PTC), ele se reconciliou com a vereadora, também reeleita e com a maior votação para a Câmara. Com beijos, abraços e discursos, Gabeira e Lucinha selaram a paz, após o episódio em que o candidato criticou a vereadora, em telefonema flagrado por jornalistas. O encontro reuniu cerca de 300 pessoas, entre políticos, líderes comunitários e até uma militante com a bandeira do PT:


- Com esse impulso, acredito que vamos resolver a situação da eleição. Não vejo a Zona Oeste como um problema, e sim como uma solução - disse Gabeira.

Lucinha, que exigira uma retratação pública de Gabeira, disse que considera o episódio encerrado:

- A imprensa muitas vezes não ajuda, apimenta, mas Gabeira teve a lucidez de buscar, pela mídia, uma forma de demonstrar o carinho que tem pela Lucinha, pela Zona Oeste e pelo subúrbio - disse Lucinha, afirmando não ter visto problema no fato de o pedido de desculpas ter sido na terceira pessoa. - Gabeira entendeu a posição da Zona Oeste contra o lixão.

Gabeira prometeu, se eleito, levar a administração para a Zona Oeste:

- Nossa prefeitura terá dias de funcionamento aqui, para a população saber que estou ao alcance da mão e das críticas.

Gabeira tenta tirar Lula do programa de Paes


A campanha de Gabeira entrou com quatro representações na Justiça Eleitoral, três delas contra o adversário, Eduardo Paes (PMDB), e a quarta contra a campanha apócrifa que espalha panfletos, camisetas e outras peças de propaganda sobre as declarações de Gabeira sobre Lucinha. Um dos objetivos é tirar a imagem do presidente Lula do horário eleitoral do PMDB.


- O uso da imagem de Lula é inadmissível e lamentável - reagiu o advogado de Gabeira, Eurico Toledo. Mas o juiz Cezar Augusto Rodrigues Costa, da Representação Eleitoral, negou ontem liminar para suspender a veiculação da imagem de Lula no programa de Paes. Para o juiz, segundo turno é outra eleição e, como o PT não concorre no Rio, Lula pode oficializar apoio a qualquer candidato. O juiz pretende ouvir as partes e o MP antes de julgar o mérito da representação.


Gabeira contou ter tentado contato com o ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, para informá-lo sobre o que considera ser uma ilegalidade. Para Gabeira, Lula não teria sido informado que "estaria transgredindo a lei".


- Se eu não protestar, vão dizer que estou conivente com o descumprimento da lei, que não é correto.

A assessoria jurídica de Gabeira ainda pediu a retirada de Jandira Feghali (PCdoB) do horário do PMDB, também negada pelo juiz.

Secretaria de Segurança municiou Paes

Elenilce Bottari, Waleska Borges e Ludmilla de Lima
DEU EM O GLOBO

Gabeira e seu advogado acusam o adversário e o governo do estado de uso da máquina
O secretário de Segurança Pública do Estado do Rio, José Mariano Beltrame, informou ontem, em nota, que repassou informações sobre o militante do PV Francisco Miranda - agredido no sábado passado, em Madureira, por cabos eleitorais do PMDB - atendendo a um pedido formal do advogado da coordenação de campanha do candidato Eduardo Paes (PMDB), que teria solicitado "vistas ao procedimento instaurado sobre o caso". Não esclareceu, porém, por que a delegacia levantou antecedentes penais da vítima.

Gabeira havia criticado a divulgação, pela Secretaria de Segurança, de dados penais de acesso restrito sobre Miranda, afirmando que houve uso da máquina pública em benefício do candidato do governador Sérgio Cabral. Na nota, a secretaria informa que "pedidos formais da mesma natureza, nas mesmas circunstâncias, solicitados por advogados da coordenação de campanha do candidato Fernando Gabeira serão atendidos prontamente".

Minutos depois da divulgação da nota da Secretaria de Segurança, a coordenação da campanha de Paes também divulgou nota, em que afirma:

"As informações sobre a ficha criminal do sr. Francisco Miranda, presidente do diretório do PV de Madureira, foram obtidas de forma legal e solicitadas formalmente à Secretaria de Segurança pelo advogado Eduardo Damian, da coordenação de campanha do candidato Eduardo Paes (PMDB/PP/PTB/PSL)".

Ainda segundo a nota, tais informações não são de caráter sigiloso. "O que é grave é o fato de o mesmo personagem, sr. Francisco Miranda, ter tido diversas passagens pela polícia como: estelionato (Artigo 171 do Código Penal), lesão corporal (Artigo 129 do Código Penal) e, inclusive, por provocação e baderna eleitoral (Artigo 296 do Código Eleitoral). A obtenção dessas informações faz parte do direito de defesa da candidatura" de Paes, diz a nota.

Segundo o advogado Eurico Toledo, que representa a coligação de Gabeira, Francisco Miranda tem dois registros por lesão corporal de 1975 e 1977 e outro de 1976 por estelionato (ele teria passado um cheque sem fundo). O advogado também informou que há um outro registro, em 1996, por desordem eleitoral. Sobre o acesso à ficha criminal de Miranda pelo candidato Eduardo Paes, Toledo disse acreditar que houve uso da máquina.

- Eles tiveram acesso a informação privilegiada. Uma pessoa comum só conseguira esses dados tirando uma certidão - disse o advogado.

Gabeira voltou a criticar Paes pela divulgação da folha criminal do militante do PV agredido por cabos eleitorais do PMDB. Para Gabeira, a violência tem que ser condenada "independente de quem receba":

- Achamos que houve uso da máquina. Todos os processos mencionados já foram julgados, e ele foi absolvido. Mas achamos que o mais importante é o erro do argumento. Em vez de condenar o espancamento, você vem com a folha criminal dela. Isso me lembra o passado, quando se violentavam as mulheres e as culpavam porque diziam que elas eram sedutoras. É um mecanismo de se culpar a vítima.

Paes negou uso da máquina:

- Fui informado antes do debate, por um e-mail da coordenação da campanha, e a coordenação solicitou ao secretário de Segurança que levantasse as informações sobre esse rapaz (Miranda). Qualquer cidadão pode solicitar isso (a ficha criminal do sujeito) - disse Paes, acrescentando que condena a agressão ao militante.

TRE cobra explicações de Paes

Elenilce Bottari e Sergio Duran
DEU EM O GLOBO


Tribunal quer esclarecer envolvimento da campanha do PMDB em protesto contra Gabeira

Ojuiz da Fiscalização Eleitoral do Rio de Janeiro, Fábio Uchôa, decidiu notificar o candidato a prefeito Eduardo Paes (PMDB) para que esclareça o suposto envolvimento de sua campanha na manifestação ocorrida sábado passado, em Campo Grande, na Zona Oeste, contra o candidato Fernando Gabeira (PV). Ontem, Uchôa recebeu o relatório da equipe de fiscalização do TRE que flagrou a manifestação.

- Estou encaminhando o procedimento para apreciação do Ministério Público, mas, de qualquer maneira, vou notificar o candidato - disse o juiz.

De acordo com o relatório, quando os fiscais do TRE chegaram ao local, na Estrada Urucânia, a manifestação já estava se dispersando. Mesmo assim, conversaram com três mulheres que vestiam camisetas pretas com os dizeres "Gabeira e lixão não" e "Suburbano com orgulho". Ainda segundo a fiscalização, elas não tinham documento algum, mas contaram que haviam recebido R$50 de um homem da Associação de Moradores Nova Urucânia e que ganhariam mais R$50, no dia do segundo turno da eleição, para fazer campanha para Paes. No local, os fiscais apreenderam panfletos assinados pelas associações de moradores Jardim Nova Urucânia e Bairro Costa Nunes.

Na manifestação, os participantes atacaram Gabeira por suas declarações sobre a vereadora Lucinha (PSDB), que foi a candidata à Câmara Municipal mais votada no primeiro turno e tem base eleitoral na Zona Oeste. O motivo da polêmica entre Gabeira e Lucinha era a posição da vereadora contrária à instalação do aterro de Paciência, para receber o lixo produzido na cidade, hoje levado para o de Gramacho, em Duque de Caxias. Paes negou qualquer participação de sua campanha na manifestação, que, em sua opinião, foi um ato espontâneo, que pode ter contado eventualmente com partidários de sua candidatura.

A campanha de Paes vem usando declarações de Gabeira sobre Lucinha para atacar o candidato do PV. Na véspera da manifestação em Campo Grande, durante reunião com aliados no Centro do Rio, Paes criticara o adversário, que foi ameaçado por outros participantes do encontro. O vereador Argemiro Pimentel (PMDB), que não se reelegeu, chegou a dizer que jogaria ovos em Gabeira se ele fosse à Zona Oeste.

TRE: "Conseguir pegar é sorte"

O chefe de fiscalização do TRE, Luiz Fernando Santa Brígida, admitiu a falta de estrutura para fiscalizar. Ele disse que seria necessária uma estrutura parecida com a da Polícia Militar para coibir irregularidades. A equipe começou a adotar a tática de colocar nas ruas agentes à paisana para tentar prender em flagrante os casos de crime eleitoral.

- É um jogo sujo. Eles sabem o que estão fazendo e fazem rápido. Param numa rua para panfletar por 10, 15 minutos em um carro, e logo saem do local. Conseguir pegar na rua é sorte. Temos que trabalhar com informação. Quanto mais informações chegando ao Disque-Denúncia, melhor para o trabalho - diz Santa Brígida.

O Disque-Denúncia informou já ter recebido 606 denúncias na cidade sobre irregularidades nas eleições. O TRE dispõe de dez equipes com 40 homens trabalhando durante todo o dia em vários pontos da cidade. Segundo o coordenador de fiscalização, dependendo do teor do material distribuído, as pessoas podem dar voz de prisão a quem distribui panfletos apócrifos, por se tratar de crime eleitoral.

- Alguns elementos caracterizam crime, caso o material impute aos candidatos alguma conduta criminosa, injúrias e difamações. No caso de simples propaganda negativa, quem distribui pode ser identificado para um posterior processo que investigue possível abuso de poder econômico pelas candidaturas - explicou.

Adeus às estribeiras


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


A situação do PT em São Paulo era difícil. Praticamente impossível para Marta Suplicy virar o jogo sobre Gilberto Kassab, segundo avaliação do próprio Palácio do Planalto, expressa na formal participação do presidente Luiz Inácio da Silva.

De todo modo, o partido e a candidata tinham duas semanas para administrar a desvantagem da melhor maneira possível e tentar sair da disputa, senão com uma vitória quantitativa, ao menos com seu capital político razoavelmente preservado no maior colégio eleitoral do País para enfrentar a dura luta pela sucessão de Lula.

Os primeiros acordes da campanha dessa última fase deram a impressão de que os petistas faziam uma aposta arriscada no discurso ideológico, quando meio ministério desembarcou em São Paulo atacando o adversário na linha esquerda contra direita. Uma coisa meio antiga, incongruente frente às parcerias do PT no exercício do poder federal, mas uma tentativa até compreensível, pois fora adotada e bem-sucedida na reeleição de Lula em 2006.

Mas o segundo movimento da orquestra petista mostrou muito mais que isso: relevou um partido disposto a contratar uma derrota moral. Diante da dificuldade de ganhar, escolheu pôr tudo a perder, gastando até a última o patrimônio de dignidade construído na oposição e paulatinamente solapado em seis anos de poder.

Marta Suplicy e aliados se defendem da repercussão negativa às peças de propaganda que insinuam a existência de fatos obscuros na conduta do prefeito Gilberto Kassab, lembrando que ela e o partido já foram vítimas das mesmas armas em eleições passadas.

Que o PT perdeu de vez a tramontana na presente disputa, isso ficou claro no domingo quando entrou no ar a propaganda com perguntas - “é casado?” “tem filhos?” - cheias de múltiplos sentidos.

O surpreendente, e ainda carente de explicação sob o ponto de vista do marketing político, é o partido não enxergar o potencial de autodesmoralização contido nesse tipo de estratagema.

Ainda que fosse só um revide a agressões sofridas no passado já seria injustificável. Não sendo, pior ainda. Se o PT refere-se ao uso de depoimento da mãe da filha do então candidato Lula na campanha de 1989 pelo adversário Fernando Collor e ao repúdio de parte do eleitorado ao novo casamento de Marta com Luis Favre, em 2003, equivoca-se na comparação dos episódios.

Há duas décadas, Miriam Cordeiro foi usada e deixou-se usar de forma abjeta, mas clara. Recebeu um dinheiro para expor a si, filha e ao ex-companheiro diante do País revelando com todas as letras particularidades da relação. Na época, não se perdeu tempo questionando se verdadeiro ou falso o conteúdo da fala. Chocou para registro em história, o uso da arma, um retrato da vilania do autor.

Quanto à separação de Marta do senador Eduardo Suplicy, não resta dúvida: marcou para todo o sempre suas relações com o eleitorado. Mas foi uma escolha da então prefeita, que obviamente exerceu seu inalienável direito de casar e descasar com quem quiser, quantas vezes bem entender. Só não pode subtrair das pessoas o direito de gostar ou não.

Aqui, no caso de Gilberto Kassab não se trata de uma ação exposta por ele ao juízo público. Aliás, nem se trata de uma questão, como no episódio arquitetado por Fernando Collor. A campanha petista agora recorreu à pior das torpezas que é a insinuação.

Alega que o eleitor precisa conhecer o candidato. É verdade. Então, se o sentido era o esclarecer, caberia à campanha petista falar claro, como fez Collor em sua sordidez e Marta ao não submeter sua felicidade às estruturas morais do alheio.

A propaganda não informa qual o dado da vida do prefeito está sendo subtraído do eleitor. Pergunta se tem filhos ou se é casado apenas para levantar a suspeita de que um homem solteiro aos quarenta e tantos anos talvez seja homossexual.

É disso que se trata. Marta finge que não sabe a respeito do que fala sua campanha porque a posição preconceituosa e enrustida não cabe bem em quem fez a vida militando do lado oposto.

Este, em tese, seria seu álibi para negar a mensagem subjacente. Na prática, porém, a intenção está lá exposta em toda a sua dimensão. Mais não fosse, porque Kassab já era solteiro quando não tinha mais que um dígito nas pesquisas, mas isso só passou a ser uma insinuação de possível “defeito” quando a ultrapassagem fez o PT perder, junto com as esperanças, as estribeiras.

Dura realidade

O tom agressivo das campanhas do segundo turno não é uma prerrogativa do PT paulista. Toma conta do cenário no Rio e dá sinais de vida também em Salvador.

Com isso, os marqueteiros revogam a própria lei-maior, segundo a qual os ataques, quanto mais baixos, mais malefícios rendem ao autor. Agora, quando bate o desespero, está se vendo como tudo na vida é relativo, até a paz e o amor.

É a economia


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. Mesmo tendo apresentado novos pontos de um plano econômico que pode ser considerado populista, que tem mais o claro objetivo de reforçar sua situação eleitoral na classe média do que resolver a crise, o candidato democrata Barack Obama saiu na frente de seu adversário republicano, John McCain. Na verdade, os candidatos à Presidência dos Estados Unidos continuam sem conseguir passar para os eleitores uma segurança sobre como vão encarar a crise econômica que herdarão da gestão Bush mas, pelo menos, Obama já apresentou algumas propostas concretas. A única de McCain, anunciada no último debate, foi de que o governo compre as hipotecas de alto risco e as coloque no mercado a preços acessíveis, um programa de US$300 bilhões. Dentro do próprio Partido Republicano, a proposta provocou controvérsias, com o candidato recebendo críticas por essa interferência governamental na economia.

As propostas de Obama, anunciadas ontem, complementam outras medidas anteriores, como o corte de impostos para 95% das famílias, promessa que ele mantém, mas o plano não parece realista, pois o cálculo de sua assessoria é de que gaste cerca de US$175 bilhões, sendo US$60 bilhões com as novas medidas.

O projeto do candidato democrata prevê um desconto de US$3 mil nos impostos das empresas para cada emprego criado no país nos próximos dois anos.

O economista Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central e atualmente sócio de um fundo de investimentos em Nova York, vê "uma certa lógica" nas propostas de Obama, embora ressalve que "a experiência com subsídios para emprego não é muito boa, a dificuldade não é só dar emprego, mas retê-lo".

O candidato democrata propôs ainda uma moratória de 90 dias nas execuções hipotecárias para os proprietários que moram em casas hipotecadas, e a permissão para que as famílias retirem US$10 mil das suas contas de aposentadoria, sem pagar taxas.

Paulo Vieira da Cunha acha que "certos estímulos", que podem ser considerados populistas, seriam uma medida correta "porque, afinal de contas, você está gastando trilhões para fazer um resgate financeiro que está protegendo uma camada bastante abastada da população, além da previdência privada, que é muito importante nos Estados Unidos".

Mas considera o pacote "muito pequeno, são medidas tímidas, US$60 bilhões é pouco para o problema das hipotecas, para colocar um piso no valor do preço dos imóveis". Vieira da Cunha lembra que existem cerca de 1,5 milhão de casas não vendidas, gerando pressão deflacionária no mercado habitacional.

Os empréstimos para estados e municípios, também previstos no pacote de Obama, fazem sentido para Vieira da Cunha "porque existe estrangulamento de crédito e, daqui a pouco, não vão poder pagar polícia, lixeiro". Ele acha que "tem uma certa racionalidade o Tesouro entrar nesse tipo de conta, por que ele está dando um empréstimo baseado em receitas tributárias futuras".

A dificuldade, ressalta, lembrando experiências no Brasil, é controlar esse mecanismo para não deixar que essa renegociação se espalhe pelo sistema financeiro.

Paulo Vieira da Cunha acha que se os dois candidatos fossem mais explícitos em suas plataformas econômicas, ajudariam a crise de confiança que atinge o sistema financeiro. Para ele, as medidas anunciadas pelos governos europeus, que deram um ânimo renovado ao mercado financeiro, "têm fundamentos corretos".

Ao garantir todos os pagamentos interbancários numa medida extrema, analisa Vieira da Cunha, "obviamente mesmo os bancos que estão falidos estão sendo mantidos vivos, num processo onde não precisa nenhuma discriminação ao empréstimo entre bancos. Isso põe um chão, você sabe que é verdade que nenhum banco na Europa vai falir".

Essa, porém, é uma "situação insustentável ao longo de vários meses", diz ele, pois gera "toda uma série de incentivos perversos", mas, no curto prazo, dá a tranquilidade necessária. Além do mais, Paulo Vieira da Cunha lembra que, na Europa, "eles têm essa tradição de estatizar bancos. Nos EUA é muito mais difícil o setor público administrando os bancos, é uma decisão muito mais violenta".

"Na Inglaterra, há a garantia de que os bancos serão privatizados depois e, no resto da Europa, era normal bancos estatizados até 30 anos atrás". Nos Estados Unidos, Vieira da Cunha diz que não há nem mesmo instrumentos para que funcionários do Fed (o Banco Central americano) ou do Tesouro administrem bancos, como pode ser feito na Inglaterra.

"Você tem que recapitalizar os bancos com as estruturas de propriedade e gerencial que existem, uma situação horrorosa, pois você tem que chamar a própria gerência que quebrou o banco e dizer que vai colocar mais dinheiro para eles continuarem a administrar o banco".

Ele não acredita que o pior já tenha passado, mas admite que "existe, neste momento de incerteza enorme, a questão de sentimento. Se todo mundo achar que a situação está melhor, pode acontecer".

Mas a primeira hipótese com que Paulo Vieira da Cunha trabalha é que "essa melhora se deve também a muita gente que está querendo sair. Muitos fundos que estão precisando vender ativos porque as pessoas querem sair. Isso é o que vai acontecer. Ao longo desta semana, as pessoas vão começar a vender, vão trazer os mercados para baixo novamente e vão começar a testar".

Ele considera que a situação, sobretudo nos EUA, continua "muito delicada". No caso do Brasil, diz que estão sendo tomadas medidas bastante fortes "para tentar colocar um chão", lembrando que o Brasil sofreu mais do que qualquer outro lugar, com uma queda de quase 60% na Bolsa. "E obviamente chega um ponto em que isso pára, você começa a ter comprador a um preço irrisório. Mas ainda é melhor ser cauteloso".

Jogos de poder republicanos


Raymundo Costa
DEU NO VLOR ECONÔMICO

Há um enredo em aberto, à espera do capítulo final, no Palácio do Planalto. É o desfecho oficial da Operação Satiagraha, no âmbito do Executivo, com a definição do destino de personagens como o delegado Paulo Lacerda, afastado temporariamente da direção da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Lacerda e assessores, pelo que deixa entrever o autor que tomou as rédeas da trama, será afastado definitivamente. Mas é forte o lobby por sua recondução ao cargo.

Uma das dezenas de ações espetaculares desencadeadas pela Polícia Federal (PF), nos dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Operação Satiagraha prendeu o banqueiro Daniel Dantas, dono do grupo Opportunity, sob a acusação de práticas de crimes financeiros.

A novela prosseguiria nos tribunais com os recursos e chicanas típicos dos advogados, se não fosse descoberto que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, tivera pelo menos um telefonema grampeado. A reação contundente de Mendes, com o apoio dos colegas do Supremo, levou o presidente a descobrir que as coisas nem sempre se desenrolavam como lhe diziam no Planalto e arredores.

Pilhada numa operação de campo, a Abin, por meio de seu então diretor Paulo Lacerda informou Lula e o grande público que não participara institucionalmente da ação. Depois, o delegado admitiu que, se havia alguém da Abin no caso, seriam freelancers, dois ou três agentes em caráter particular. Por fim a agência da inteligência foi forçada a admitir que 52 agentes colaboravam com a Polícia Federal na Operação Satiagraha.

Afirma-se hoje que, na realidade, mais de 80 pessoas ligadas à Abin trabalharam na operação. Uma boa parte delas, talvez a maioria, acreditando piamente que se achava a serviço de uma missão do presidente da República. Lula sabia da investigação sobre Daniel Dantas, mas, até onde tem sido possível apurar, não botou a PF nos calcanhares do banqueiro.

Lacerda ganhou projeção, no primeiro mandato, ao colocar a PF no combate à corrupção. No segundo mandato o delegado foi chamado para dirigir a Abin. Ao aceitar o cargo, disse a Lula que gostaria de continuar tocando a Operação Satiagraha, para a qual havia designado um homem de sua confiança, o delegado Protógenes Queiróz.

Lula teria se limitado a dizer "tudo bem", muito embora fosse uma das autoridades com interesse na investigação: o presidente era uma das seis pessoas de uma lista que relacionava autoridades com supostas contas secretas no exterior. Além dele, José Dirceu, Antonio Palocci, Mário Thomaz Bastos, o senador Romeu Tuma (DEM-SP) e o próprio Paulo Lacerda. Lista que teria sido vazada ou confeccionada a mando de Daniel Dantas

A PF deveria investigar como teriam sido montados os documentos que comprovariam a existência das contas, de vez que, à época mais que hoje, dizia-se que nenhuma das seis contas relacionadas existia de fato. Dantas enviou carta às autoridades mencionadas negando qualquer tipo de envolvimento no episódio. Lacerda processou os responsáveis pela divulgação da lista.

Com Lacerda na Abin, na Polícia Federal o delegado Protógenas avançava no inquérito de maneira autônoma, pelo que vieram a descobrir mais tarde pessoas próximas a Lula.

O delegado não dizia onde ia, o que fazia, requisitava pessoas e não dava satisfações. O sinal amarelo piscou na PF quando cinco ou seis funcionários da Abin foram avistados no andar onde funciona a inteligência da polícia. Um deles, operando o Guardião, o equipamento da PF que permite monitorar milhares de telefones, segundo apurou o Valor.

Os agentes da Abin se justificaram dizendo que estavam no local a serviço de Protógenes. A direção da PF questionou Protógenes, que não quis falar sob a alegação do sigilo da investigação. Sem controle sobre o delegado, a PF aos poucos esvaziou materialmente a operação.

Nesse ponto, de acordo com as informações que chegaram ao Planalto, a Operação Satiagraha não só passou a se amparar na Abin, como também teve partes terceirizadas com a contratação de detetives e consultores particulares.

Como toda boa história de arapongagem, há desconfianças e pistas em todas as direções. A versão em alta é que a ação contra Dantas, apesar de todos os atropelos legais, era institucional, mas que outros trabalhos ocorriam no paralelo. Além da gravação de uma conversa republicana entre o ministro Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), várias outras teriam sido ouvidas à época, a maioria envolvendo gente com gabinete no Planalto.

No PT, há quem não tenha dúvidas de que um grupo operava para ter o partido e o governo nas mãos. Atribui-se também um papel decisivo ao ministro Gilmar Mendes para a reação rápida do governo. Quando soube que uma conversa sua com Demóstenes seria publicada, o presidente do STF ligou para o ministro da Defesa, Nelson Jobim - e não para Lula - antes que a revista "Veja" chegasse às bancas com a transcrição do diálogo.

Gilmar Mendes foi à casa de Jobim, em Brasília, e contou que outros ministros do Supremo e do governo haviam sido grampeados. Inclusive o próprio Jobim. Os melhores momentos dos grampos teriam sido editados por um araponga da Abin. Depois de ouvir a narração de Mendes, o ministro da Defesa, também ele um ex-presidente do Supremo, ligou para o presidente da República.

Isso tudo ocorreu num fim de semana. Na segunda-feira, Gilmar Mendes e outros dois ministros do Supremo amanheceram no Palácio do Planalto. Quando viu Tarso Genro (Justiça), chefe da Polícia Federal, na sala de espera, o presidente do Supremo pediu que também o ministro Jobim fosse chamado.

Uma reunião dramática, na qual Mendes relatou, sem meias palavras, o que sabia e disse que ele e os ministros foram ao Palácio pedir para Lula tomar providências. Mas providências mesmo, não a abertura de sindicância nem a nomeação de uma comissão - enfim, uma providência que mostrasse que o Executivo não tolerava nem tinha participação nos fatos. Resta esperar que Lula ponha o ponto final e oficial no capítulo em aberto.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

O que é isso, companheira?


Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - O que a psicóloga e sexóloga Marta Suplicy pensa da propaganda eleitoral da candidata Marta Suplicy? Esta é a pergunta que não quer calar, depois que a sua campanha na TV recomeçou no domingo com uma provocação venenosa, carregada de insinuações e de preconceito: Gilberto Kassab, do DEM, é casado? Tem filhos?

Marta é uma mulher de vanguarda, tem uma história conectada às boas causas: à defesa das mulheres, dos homossexuais, das minorias.

Pode, muito bem, sofrer uma derrota e continuar em frente, de cabeça erguida, na vida e na política. O que não pode é, em razão do desespero eleitoral, jogar fora sua imagem e seu passado para permitir e avalizar uma agressão absurda, inacreditável, muito mais própria de Maluf do que de Marta.

Em tese, campanhas se fazem com propostas, contrapontos, convencimento. Na prática, são duras, às vezes agressivas. Mas não devem chegar a extremos que remetem a um outro de péssima lembrança: Collor usando Lurian contra Lula em 1989. Nem os próprios aliados podem aceitar esse tipo de coisa.

Lembrar a participação de Kassab no governo Maluf? Correto. Bater na tecla de que ele continuou com Pitta? Perfeito. Mas descambar para a baixaria de questionar subliminarmente a sexualidade do adversário? Faça-me o favor! E logo Marta Suplicy?! O risco é sair da campanha menor do que entrou.

Há derrotas e derrotas. Os 17 pontos de diferença de Kassab para Marta indicam que ela vai perder nas urnas. Mas perde mais com a propaganda do "é casado, tem filhos?". Muito mais, inclusive, do que com o "relaxa e goza", que foi um escorregão, um desses excessos a que qualquer um está sujeito.

O "é casado, tem filhos?" não foi escorregão, é estratégia. Preconceituosa e burra. Não ganha eleitores à direita e perde apoios, votos e simpatia à esquerda. Além de desagregar a militância e transformar o adversário em vítima.

A ética e as moscas


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

MADRI - Agora que governos dos países ricos adotaram pacotaços para evitar o derretimento dos mercados financeiros, inclusive estatizando parcialmente alguns bancos, vale voltar a uma entrevista que a Folha publicou faz pouco com o economista Eduardo Giannetti da Fonseca (mais filósofo que economista, aliás).

Dizia Giannetti: "Quando os banqueiros estavam ganhando bilhões de dólares, tudo era privado e particular. No momento em que esses banqueiros e esses grandes aplicadores perdem bilhões, vem o governo e socializa, jogando a conta para as gerações futuras. Tem alguma coisa profundamente errada do ponto de vista ético nesse sistema".

Sei que falar de ética "nesse sistema" soa hoje em dia fora de moda, coisa de quem não entende o glamour do mundo do dinheiro. Mas não há uma só palavra de Giannetti que não corresponda à verdade, ao sentido comum.

Aliás, li ontem, em um dos "trocentos" sites dedicados às finanças inventados nos últimos anos, que os financistas "se tornaram leprosos sociais". Mas duvido de que os executivos das financeiras estejam muito preocupados. Tornaram-se, na verdade, uma "casta", conforme a definição contida em uma bela reportagem publicada domingo pelo jornal espanhol "El País".

Cito apenas um dado: o CEO (chief-executive officer ou executivo-chefe) da Lehman Brothers, Richard Fuld, "cuja atuação levou à desaparição o banco de investimento mais veterano dos EUA (fundado em 1850), ganhava US$ 17 mil por hora". Repito: por hora. Com uma hora de seu salário, seria possível pagar um mês de salário mínimo a 38 trabalhadores brasileiros.

Agora que se fala muito em reformar a gerência econômico-financeira do planeta, ou se introduz ao menos um pouquinho de ética "nesse sistema", ou o único que vai mudar são as moscas.

Uma crise (inter) nacional


Sérgio Guerra
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Lula perdeu a chance de preparar o Brasil para a crise. E o país depende agora de duas habilidades que seu governo ainda não mostrou

VIVEMOS UM momento de angústia com o impacto da crise financeira internacional sobre o Brasil. Na crise, a queda da Bolsa brasileira em dólares só encontra paralelo na russa. A desvalorização do real equivaleu a mais de seis vezes a média das economias emergentes.O governo brasileiro reagiu tarde e mal à crise. O Banco Central levou dias contemplando o mercado em pânico. Depois, começou a torrar dólares de reservas para tentar segurar o câmbio e assumir riscos da desvalorização cambial. Procura até uma justificativa para a nova escalada dos juros, os maiores do planeta, quando o razoável seria reduzi-los, como os bancos centrais pelo mundo afora estão fazendo.

Uma medida provisória, o Proer do presidente Lula, deu ao Banco Central capacidade inédita de adquirir bancos em dificuldades. É claro que algo de errado aconteceu na supervisão bancária até agora. Mas a medida provisória não delineia um programa ordenado de reestruturação bancária.

Aprender com a experiência bem-sucedida do governo Fernando Henrique ajudaria a minimizar o risco de má gestão dos recursos públicos em programas desse tipo.

Era óbvio que a crise se espalharia a partir do colapso do sistema de financiamento residencial americano.

Mas, justamente nos últimos meses, o governo detonou dois sustentáculos da estabilidade, começando pela política deliberada do Banco Central de continuar valorizando o real, acelerando vertiginosamente as importações, freando as exportações e ajudando a disparar as remessas de lucros. Por isso, houve crescimento rápido do déficit em transações correntes, apesar das relações de troca altamente favoráveis ao Brasil.

Agora, depois da farra cambial, o que ocorrerá diante do declínio dos preços de nossas commodities?

Segundo, o quadro fiscal tende a se deteriorar no curto prazo, justamente quando os efeitos da crise passarão para o lado real da economia.

Seria preciso manter o crescimento das receitas reais da União num impossível 9% ao ano para absorver a expansão irresponsável dos gastos de custeio e pessoal da máquina federal e manter o superávit primário.

Porque o governo Lula não quis ou não soube, quando teve chance, conter a escalada dos juros e a apreciação insustentável do real, temos agora de arcar com as conseqüências de uma maxidesvalorização cambial e de uma ameaça de crise financeira.

Ao mesmo tempo, de forma curiosa, procura tripudiar sobre os exportadores que sofreram perdas devido à interrupção das linhas de financiamento externo.

Mas foi o próprio Banco Central, com sua política monetária, que induziu os exportadores a especular no câmbio futuro, para que ficassem quietos e compensassem no ganho financeiro o prejuízo causado pelo câmbio supervalorizado.

O esquema era simples: o exportador antecipava a receita de suas vendas tomando empréstimos em dólares, convertendo-os em reais e desfrutando das maiores taxas de juro do mundo; ganhavam também na liquidação dos empréstimos em dólares, pois compravam os dólares com reais mais valorizados. Essa foi a Bolsa-Cassino "made in" PT.

E a farra fiscal dos últimos anos? O governo foi sócio preferencial dos bancos na temporada de lucros gordos. Mais de um terço do aumento da arrecadação da União neste ano veio do setor financeiro.

A crise, diminuindo a lucratividade e o movimento do setor, comprometerá o desempenho da Receita Federal, antes mesmo de espalhar prejuízos na economia real.

Outra parcela importante do aumento da arrecadação veio do setor automobilístico, cujas vendas a crédito cresceram muito alavancadas pela extensão dos prazos de pagamento e agora sente o repuxo de uma espécie de "subprime" caboclo.

Enfrentar a retração da receita exige rever decisões que impõem aumentos da despesa nos próximos anos, extrapolando o atual mandato presidencial, além de reduzir o gasto na proposta orçamentária para 2009, contingenciar preventivamente dotações do Orçamento em curso e revogar restos a pagar ainda em aberto de exercícios anteriores.

O governo perdeu a chance de preparar o Brasil para a crise. Num aspecto, estamos piores do que a própria Argentina, que não tem déficit na conta corrente do balanço de pagamentos nem déficit fiscal.

"A crise é do Bush, não é minha".


"Aqui, se a crise chegar, vai ser uma marolinha". O talento do presidente Lula para se esquivar de responsabilidades é conhecido. Mas o país depende agora de duas habilidades que seu governo ainda não mostrou: firmeza e competência para tomar decisões difíceis e capacidade de negociação transparente e baseada no interesse nacional.

SÉRGIO GUERRA , economista, é senador da República pelo PSDB-PE e presidente nacional do PSDB.

Lembranças do New Deal


Luiz Gonzaga Belluzzo
DEU NO VALOR ECONÔMICO

"O restabelecimento da confiança do público nos bancos privados do país é um dos mais animadores resultados de nossos esforços como nação. Todos sabem que o sistema bancário privado só existe em virtude da permissão e da regulamentação do povo, exercidas através de seu governo. A sabedoria política, no entanto, exige que os bancos não apenas sejam seguros, mas que seus recursos sejam plenamente utilizados na vida econômica do país. Com essa finalidade, vinte anos atrás, o governo assumiu a responsabilidade de prover os meios necessários para que o crédito fosse controlado, não por poucos bancos privados, mas por um corpo com prestígio e autoridade pública. A resposta a essa exigência é o Federal Reserve System." - Franklin Delano Roosevelt, 1935


A eleição presidencial americana de 1932 foi disputada no momento em que a depressão econômica atingia seu nadir. Entre 1929 e 1932, a renda nacional havia caído 38%, regredindo para o nível de 1922. O desemprego avançou celeremente e jogou na rua 12 (possivelmente 15) milhões de pessoas. O declínio da renda e a retração aguda do consumo fizeram eco à dramática contração dos gastos de investimento das empresas e à desastrada política fiscal e monetária da administração republicana. Foi generalizada a bancarrota na indústria e na agricultura, e o colapso dos preços tornou insuportável para o setor produtivo a carga financeira do endividamento contraído nos anos de euforia. O sistema bancário veio abaixo com grande estrondo, cujos decibéis podem ser avaliados pela falência de 5 mil instituições.

Disputavam o voto popular o então presidente Hoover, republicano, e o democrata Franklin Delano Roosevelt. A campanha republicana insistia nas causas externas da depressão e seu candidato prometia como remédio o fortalecimento do dólar nos marcos do padrão ouro ("The dollar should ring true on every counter in the world"). Roosevelt assinalava as causas internas do desastre econômico e prometia um novo pacto social para a América, capaz de incluir, especialmente, "os que estavam esquecidos no fundo da pirâmide econômica".

Roosevelt assumiu a presidência em março de 1933 e proclamou em seu discurso inaugural que "a única coisa de que devemos ter medo é do próprio medo". Não se pode dizer - nem mesmo os que avaliam idilicamente a experiência social e econômica do New Deal - que aqueles tempos foram de coerência e firmeza. Também não se pode negar que foram tempos de coragem e grandeza.

O presidente Roosevelt, eleito segundo as regras de clientela do sistema político americano, foi, no entanto, capaz de articular o movimento de grupos sociais heterogêneos em uma grande coalizão progressista. Caminhou, nem sempre em linha reta, mas com persistência, na busca da recuperação econômica através da reconstituição dos níveis de rentabilidade das empresas e dos rendimentos da massa assalariada.

Nos famosos "Cem Dias" de 1933, foram rapidamente inaugurados programas de emergência para os desempregados, mediante assistência direta e garantia de renda mínima. Estes programas evoluíram nos anos posteriores, com a criação da Work Projects Administration, em 1935, concebida para um amplo esforço de reabsorção do desemprego apoiado em obras públicas. Harry Hopkins, idealizador e responsável pela execução do programa da WPA, tinha como princípio básico o seguinte lema: "A fome não se discute".

A débâcle financeira foi enfrentada com o Emergency Bank Bill de 9 de março de 1933 e pelo Glass-Steagall Act de junho do mesmo ano. Esses dois instrumentos legais permitiram um maior controle do Federal Reserve sobre o sistema bancário, facilitando o refinanciamento dos débitos das empresas, sobretudo da imensa massa de dívidas dos agricultores, e promovendo uma profunda reestruturação do sistema bancário. Isto significou uma forte centralização da intervenção do Estado sobre os bancos privados e garantias mínimas para os depositantes, medidas indispensáveis para a execução de uma política de liquidez e de direcionamento do crédito, em benefício da recuperação econômica.

Tomadas estas medidas de emergência relativas ao desemprego e à desordem financeira, o governo constitui a National Recovery Administration - órgão encarregado do planejamento industrial - e a Agricultural Adjustment Administration, incumbido de executar a política de preços, estoques e comercialização dos produtos agrícolas.

Muitos anos depois, os debates sobre a experiência do New Deal concentram-se sobre o êxito limitado do programa. Os críticos sublinham a debilidade da recuperação (que só ganha sustentação com a mobilização bélica) e o constante ziguezague da política econômica. Poucos consideram as conseqüências políticas e sociais da verdadeira "revolução democrática" que contrastava fortemente com a tragédia vivida pela Europa continental, com a ascensão do nazi-fascismo.

Karl Polanyi, em sua obra a "Grande Transformação", escreveu sobre esse momento da história. Ele mostrou como a revolta contra o despotismo do "econômico" poderia se revelar tão brutal quanto os males que a economia destravada impunham à sociedade. O avanço do coletivismo, Polanyi conclui, não era uma patologia ou uma conspiração irracional de classes ou grupos, mas sim o resultado da degeneração dos nexos mercantis. O desamparo entregou os indivíduos livres à desesperada busca do führer opressor.

Com o colapso dos mecanismos econômicos, a superpolitização das relações sociais tornou-se inevitável. O despotismo da mão invisível teria de ser substituído pela tirania visível do chefe. A vida política foi surrupiada pelas polícias da vida que invadiram todas as esferas da convivência, como se fossem suspeitas quaisquer formas de espontaneidade.

O New Deal demonstrou que era possível governar o ciclo econômico num ambiente de liberdade e de conquistas sociais. Só ação coletiva empreendida através do Estado democrático impediu o mergulho da sociedade americana no desconhecido. Seria difícil imaginar o destino das economias capitalistas, sem que a mão visível do Estado as tivesse protegido do autoflagelo da mão invisível do mercado. Somente a substituição dos mecanismos "automáticos" do mercado pela ação consciente do Estado foi capaz de evitar a desordem social e o avanço do totalitarismo à esquerda e à direita. O Estado regulou as relações econômicas fundamentais e o New Deal preparou o imaginário das sociedades para a defesa da democracia no embate com o nazi-facismo e para a reorganização econômica social e política que orientou o estrondoso sucesso do capitalismo do pós-guerra.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras.