sábado, 13 de dezembro de 2008

LIVRO: LANÇAMENTO


DEU EM PROSA & VERSO (O GLOBO)

Agenda:

QUARTA-FEIRA, 17

"Crônicas, contos e poemas", de Graziela Melo, 18h30, Livraria Museu da República (Catete 153).

DEU EM IDÉIAS & LIVROS (JORNAL DO BRASIL)

Agenda:

QUARTA-FEIRA, 17

Às 18h30, na Livraria Museu da República, Graziela Melo autografa "Crônicas, contos e poemas".

A metáfora do tempo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

O pedido veio do então editor-chefe do JB, Alberto Dines. Um redator fora escalado para escrever uma inusitada previsão meteorológica. Estava dispensado de checar o que informavam os institutos. Bastava traduzir, com metáfora, os tempos sombrios anunciados pelo AI-5, que acabara de ser anunciado. Era 13 de dezembro, e o JB do dia seguinte, como todos os jornais, estaria sob rigorosa censura. Texto entregue, Alberto Dines mexeu, burilou e deu forma final ao que se descreveu como "temperatura sufocante", "tempo negro" e "ar irrespirável". Sínteses irrepreensíveis da repressão instaurada pelo ato.

Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Max: 38º, em Brasília. Min: 5º, nas Laranjeiras.

Ontem foi o Dia dos Cegos

Primeiras impressões sôbre o Ato de ontem

Coluna do Castello
Carlos Castelo Branco
Reprodução da coluna do Jornal do Brasil de 14 de dezembro de 1968

BRASÍLIA (Sucursal)– Ao Ato Institucional de ontem não deverá seguir-se nenhum outro ato institucional. Êle é completo e não deixou de fora, aparentemente, nada em matéria de previsão de podêres discricionários expressos. A experiência do Govêrno Castelo Branco, que teve de editar atos dêsse tipo por quatro vêzes, terá aproveitado ao redator do nôvo edito.

Êle cobre perfeitamente as previsões dos deputados mais íntimos do processo revolucionário, que antecipavam uma peça destinada a munir o Govêrno dos instrumentos para fazer tudo o que por timidez ou por compromisso democrático deixou de fazer, nos dias quentes da revolução de março, o Presidente Castelo Branco.

O Congresso, pôsto em recesso por tempo indeterminado, está práticamente fechado e tudo indica que se cumprirão as profecias de um expurgo no Poder Judiciário. A possibilidade, mantida pelo Presidente, de convocar o Congresso sem compromisso de data indica que sômente para resolver uma crise eventual êle o fará. Mais provàvelmente, contudo, Câmara e Senado sômente voltarão a se reunir para constituir o Colégio Eleitoral que, no tempo próprio ou no momento designado pela revolução, formalizará a escolha do sucessor do Presidente Costa e Silva.

Os partidos não foram expressamente suprimidos, mas perderam a função. A Arena está pràticamente dissolvida, pois nos considerandos do Ato se afirma que ela falhou na sua missão de defender no Congresso o movimento revolucionário. O Govêrno dissociou-se do seu Partido, e. o despediu, sem agradecer os serviços, antes pelo contrário.

Uma conseqüência, que não estava inicialmente prevista, dêsse nôvo Ato Institucional será a intervenção federal nos Estados, na forma que se estabeleceu. Sòmente na tarde de ontem circularam informações relativas à disposição do Govêrno revolucionário de afastar governadores que são dados como comprometidos no processo contra-revolucionário. Tudo indica que algumas intervenções estão em vias de ser consumadas.

A imprensa aparentemente foi poupada. Na realidade, deverá o tema ser tratado num ato complementar, tal como antecipavam ontem deputados do esquema situacionista.
O Ato também autoriza o Govêrno a confiscar bens adquiridos ilicitamente, numa ameaça que vem cobrir antigas decepções dos militares encarregados de IPMs.

A medida estancou tôdas as fontes políticas de resistência ao Govêrno, não deixando nenhuma válvula. A Oposição não terá a menor possibilidade de produzir-se, a não ser que seja respeitada, e ate quando o fôr, a liberdade de imprensa. Mesmo assim os políticos estão de tal modo contidos que seu acesso aos jornais importará num risco certo para cada um dêles.

As instituições criadas pela Constituição de 1967 podem retornar um dia. No momento, elas estão suspensas, apesar de ter sido mantida formalmente a Constituição.

A Câmara, em tudo isso, só teve um consôlo, o de cair lutando, manifestando-se na plenitude da sua soberania. A festa do Congresso não durou porem mais de vinte e quatro horas.

Quanto à execução do Ato, e agora uma questão de tempo. O Presidente Castelo Branco usou parcimoniosamente de seus podêres discricionários. O Presidente Costa e Silva tem a imagem de homem moderado e de sentimentos humanitários. Resta saber se terá condições de exercer com a mesma moderação do seu antecessor os tremendos poderes de que se investiu após tanta hesitação.

Para não esquecer

Editorial
ZERO HORA (RS
)

No fim da tarde de 13 de dezembro de 1968, começava o período mais sombrio da recente história política do Brasil. O governo do marechal-presidente Artur da Costa e Silva, pressionado por setores da ultradireita militar, editou o Ato Institucional nº 5. Foi uma espécie de porta aberta para o regime de exceção que durante os quatro anos anteriores tentara manter uma aparência de democracia. O AI-5, uma espécie de formalização legal da ditadura, foi considerado um golpe dentro do golpe. Entre as medidas impostas naquele ato e naquele dia, estavam algumas das mais liberticidas: o Congresso foi fechado por tempo indeterminado, parlamentares tiveram seus mandatos suspensos, o presidente da República foi autorizado a governar por decretos-lei e a estabelecer o estado de sítio, as reuniões de cunho político foram proibidas e reprimidas, estabeleceu-se a censura prévia (que atingiu a imprensa, o cinema, o teatro e a música), foi suspenso o habeas corpus para delitos políticos e foi autorizada a intervenção em Estados e municípios. Um clima de medo e de radicalismo instalou-se no país. Se antes do AI-5 a democracia estava gravemente ferida, depois dele estava morta.

Para as gerações que não viveram aqueles obscuros momentos, é difícil entender a lógica de medidas tão draconianas. Mais de 1,5 mil pessoas foram punidas, houve milhares de torturados, um número não definido de brasileiros buscou asilo formal ou refúgio informal em países vizinhos ou na Europa, a censura vetou mais de 500 letras de música, mais de 200 livros, mais de 450 peças teatrais e mais de 500 filmes. Abateu-se sobre a oposição ao regime um clima de repressão e de desânimo. A máquina publicitária do governo criou uma espécie de maniqueísmo político pelo qual os bons estavam do lado do governo, os maus do outro lado. “Ame-o ou deixe-o”, era o slogan dessa distorção.

O efeito, no entanto, foi o oposto do que o regime esperava. As medidas de força, escancaradas, alimentaram a resistência. O radicalismo da ditadura fez com que, aos poucos, a chama democrática se avivasse. Alguns gestos desse renascimento, mesmo compreensíveis, foram equivocados, a começar pela opção pela luta armada, que ganhou a simpatia de alguns setores oposicionistas. Mas o país começou a pressionar por mais liberdade. E esta foi, aos poucos, ganhando espaço em oposição a uma massacre publicitário oficial e a um ferrenho controle da informação. Nas eleições parlamentares de seis anos depois, as únicas por votação direta, os brasileiros já respondiam com vitórias do MDB e derrotas para o regime.

Pela importância que o AI-5 teve como símbolo da exceção e como ferramenta da ditadura, não se pode deixar que o esquecimento se abata sobre ele. Nossa democracia, reconquistada nos anos 80, já ostenta hoje algumas virtudes e algumas conquistas que merecem ser exaltadas, especialmente para contrastá-las com aquele período. A vontade das maiorias e os direitos das minorias, estes especialmente, estão legalmente protegidos. O país vive o mais longo período contínuo de liberdades públicas desde a Revolução de 30. Até para valorizar essas conquistas, é preciso lembrar que houve aquele 13 de dezembro de 1968.

40 ANOS DO AI-5

Editorial
O POVO (CE)

A lembrança da data reforça que o Brasil viveu um período em que se permitiu as mais graves arbitrariedades

Editado no dia 13 de dezembro de 1968 durante o governo do presidente Artur da Costa e Silva o Ato Institucional Nº 5 (AI-5) completa hoje 40 anos, com a marca de ter sido o mais abrangente e autoritário de todos os outros atos institucionais do regime militar iniciado em 1964, revogando os dispositivos constitucionais de 67, além de ter reforçado os poderes discricionários daquele regime. Durante 10 anos de vigência, por força do Ato, os que estavam a frente do governo militar fecharam o Congresso Nacional, cassaram parlamentares e endureceram a ditadura, sob o entendimento de que a tropa deveria sair à rua para matar e prender, se fosse necessário ou não, em defesa do regime.

Em vista do que o País viveu nesse período e para que nunca mais passemos por situações de excrescência jurídica como as patrocinados pelo AI-5, é que a data deve ser sempre lembrado como uma mácula na história brasileira recente. É bom lembrar que em um primeiro momento a instalação da ditadura militar chegou a contar com o apoio de representantes da sociedade civil. Apoio este que começou a se esvair com a entrada em vigor do AI-5 abrindo as portas para a face mais cruel do regime militar no Brasil.

É preciso que a lembrança da data reforçe na sociedade, principalmente entre os mais jovens, que o Brasil viveu um período em sua história, no qual, por meio de uma roupagem jurídica, se permitiu o cometimento das mais graves arbitrariedades como torturas e assassinatos sob a anuência dos responsáveis pelo regime que se instalou no poder em 1964. Infelizmente, apesar do reconhecimento da sociedade do que representou o AI-5 para o País, ainda há uma imensa dívida do Estado para com as vítimas do regime.

O Brasil, apesar de signatário de vários tratados internacionais em que a tortura é tida como crime contra a humanidade, é um dos mais atrasados países da América do Sul quanto ao reconhecimento da responsabilização penal de torturadores. Haja vista a recente discussão sobre se a Lei da Anistia isentaria de punibilidade os torturadores que agiram às sombras do o regime militar, quando o mais sensato seria o Estado mostrar, na prática, que ao condenar essas pessoas, não compactuou com a ditadura militar.

Esse tem sido o entendimento de várias entidades de direitos humanos e juristas sobre a punibilidade de possíveis torturadores no Brasil.

O silêncio sobre o tema não ajuda a democracia. Precisamos deixar de lado a tradição de sempre estarmos criando um lastro para não pedir desculpa como forma de fugirmos do problema. A cultura de sermos cordatos e condescendentes com algumas coisas nos atrapalha.

Sepúlveda lembra cerco à Justiça


Luiz Orlando Carneiro
AI-5 - 40 anos

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Perseguido na ditadura, advogado perdeu cargos, menos a honra, que o levou ao STF

José Paulo Sepúlveda Pertence, 71 anos, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (1989-2007), ex-procurador-geral da República (1985-89), ex-vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (1959-60), atual presidente do Conselho de Ética Pública da Presidência da República – e, novamente, advogado militante – foi vítima direta do AI-5. Integrante do Ministério Público do Distrito Federal, classificado em primeiro lugar no concurso de 1963, foi aposentado pela Junta Militar, com base no ato discricionário, em 13 de outubro de 1969.

– Até que fiquei surpreendido, por que achei que tinham se esquecido de mim, um ano e dois meses depois da edição do AI-5 – conta ele. – Mas vivi muito de perto os dias 12 e 13 de dezembro de 1968, pela ligação que já tinha com o STF, em face de minhas estreitas ligações com os ministros Evandro Lins e Silva e Victor Nunes Leal, que foram "aposentados" em 16 de janeiro de 1969, depois de duas ou três "sessões" de cassações, juntamente com o ministro Hermes Lima. A partir da edição do AI-5, a expectativa era a de se a ditadura teria coragem de tocar no Supremo. Teve.

Pertence rememora: "Lembro-me muito bem do dia 12 de dezembro (de 1968), que coincidiu com as cerimônias de posse dos ministros Gonçalves de Oliveira e Victor Nunes Leal, na presidência e na vice-presidência do STF. Sobral Pinto discursava em nome dos advogados, quando alguém lhe entregou um papel com a notícia de que a Câmara negara a licença para que o deputado Marcio Moreira Alves fosse processado. O Sobral interrompeu o discurso. À noite, houve uma recepção oferecida pelo Gonçalves de Oliveira no Hotel Brasília Palace, e todo mundo comentava que estávamos participando de um novo baile da Ilha Fiscal. E estávamos".

O então procurador Sepúlveda Pertence participava do grupo de advogados que, "voluntariamente", ajudava o ministro Nunes Leal no trabalho de modernização administrativa do Judiciário.


– No dia 13, à tarde, o grupo dissolveu-se e todos foram para casa – relembra. – À noite, cada um de nós viu, em suas casas, a cara do ministro (da Justiça) Gama e Silva lendo o texto do AI-5. Em janeiro do ano seguinte houve a "sessão de cassações" em que entraram os três ministros do STF. Foi uma noite de velório, mas com uma cena engraçada. Um técnico em informática, que começara a assessorar o Victor (Nunes Leal), procurou-o para tratar do trabalho que fazia para o tribunal. Aí, o Victor disse: "Nós podemos conversar. Mas o senhor não está mais conversando com um ministro do Supremo".

Na opinião de Pertence, 40 anos depois, "o Brasil está muito melhor, é claro, atravessando crises, escândalos, alternâncias de poder, sem que sequer se cogite em intervenção militar".

E conclui: "Então, vejo isso, nessa altura da vida, com a esperança de que intervenções militares sejam páginas definitivamente viradas na história do país. Naqueles tempos, ninguém minimamente informado podia deixar de declinar os nomes dos comandantes das regiões militares do país. Hoje, talvez, só o ministro Nelson Jobim saiba de cor esses nomes, em face das funções que exerce".

Atolado no Jaqueiral


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O histórico é tão robusto que não cabe mais relembrar todos os casos a cada novo episódio de desfaçatez produzido pelo Congresso Nacional. Ora é a Câmara, ora é o Senado, tanto faz ser no plenário ou no ambiente das comissões, o vexame já não tem hora nem lugar para acontecer no Poder Legislativo.

Muitos nem chegam à imprensa, outros passam pelos jornais rapidamente porque a fila anda e vem outro atrás para substituir. Há ainda os que nem alcançam repercussão, talvez por enjoativos demais.

Já vamos ao caso dos vereadores adicionais, mas antes passemos por uma dessas ações quase imperceptíveis, publicada no jornal O Globo há dez dias: a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou uma emenda constitucional que amplia aos parlamentares prerrogativas hoje exclusivas do presidente da República.

A proposta é do ex-presidente da CCJ, deputado Leonardo Picciani, e permite que, mediante a assinatura de 51 deputados e 8 senadores, o Congresso aumente o efetivo das Forças Armadas, crie cargos e dê reajustes para servidores públicos, legisle sobre a organização administrativa do Executivo e do Judiciário e proponha mudanças tributárias.

Além disso, com 10% das assinaturas em cada Casa será possível afastar as restrições para aumento de despesas em uma série de setores e temas listados pela Constituição. Resumo da ópera: dá autonomia ao Parlamento para dispor do caixa à vontade.

O mesmo Parlamento que abre mão da soberania para o Executivo sem o menor problema, ao custo baixo de queixumes formais contra o excesso de medidas provisórias.

O mesmo Parlamento que não cumpre sentença do Supremo Tribunal Federal relativa à fidelidade partidária.

O mesmo Parlamento que reclama da intromissão do Judiciário, mas só corre para preencher os vácuos quando se trata de desmanchar decisões da Justiça consideradas desvantajosas aos partidos ou aos interesses de deputados e senadores.

O mesmo Parlamento que escandaliza o País com a criação de 7.343 vagas de vereadores e acerta urgência na conclusão do processo de forma a que os novos edis possam tomar posse já em fevereiro próximo.

“Quanto mais demorar a aprovação final, mais difícil será para a Justiça Eleitoral querer retroagir”, argumenta o relator da matéria no Senado, César Borges.

Ou seja, sacramente-se logo a gandaia antes que a Justiça queira pôr ordem na casa.

Como, de resto, tentou em 2004 ao refazer os cálculos de representação nos municípios e acabar com 8 mil cadeiras de vereadores Brasil afora.

Mas o Legislativo não sossegou enquanto não recuperou quase totalmente o contingente de empregos bem remunerados nas Câmaras Municipais, onde aqueles senhores e senhoras, além de trabalhar em prol de suas comunidades, servem como cabos eleitorais (financiados pelo Estado) para prefeitos, deputados, senadores e governadores.

Mantêm também abertas mais de 7 mil portas de acesso à carreira política.

Fora isso, para que servem mesmo esses 7.343 vereadores?

Segundo o sofisma denominado de argumento no Parlamento, para assegurar o equilíbrio da representatividade municipal do povo brasileiro.

Além de cinismo, a alegação revela seletividade. Há anos o Congresso vive um desequilíbrio de representação sem que suas excelências vejam necessidade urgente de alterar a distorção.

Por ela, um Estado enorme e populoso como São Paulo fica restrito a 70 deputados e outros pouco ocupados têm assegurado o mínimo de 8 cadeiras. Não há sequer interesse em conferir se outro critério de cálculo, como a população dos Estados, não garantiria uma repartição mais justa.

Claro, isso implica o risco de perda. E, como se tem observado, o Congresso só absorve bem os danos quando de natureza moral.

Enveredam por caminho equivocado as críticas de ordem financeira à medida. O Parlamento erra ao aumentar a quantidade de vereadores não porque o mundo esteja em “em plena crise” econômica ou porque o ato enseje acréscimo de despesas aos orçamentos municipais.

Esse tipo de argumento só abre espaço para que o Congresso pretenda encerrar a discussão alegando que não haverá mais gastos com vereadores.

Erra porque não há necessidade de mais vereadores, porque reformula uma decisão anterior da Justiça por puro corporativismo, porque deixa de lado outros temas urgentes para cuidar de futilidades.

Erra porque menospreza o interesse e a opinião nacionais, porque trata com desdém o decoro parlamentar, porque se conforma com uma relação subalterna com o Executivo, porque se acha no direito de ignorar sentença do Supremo Tribunal Federal.

Erra, sobretudo, porque não se dá ao respeito, enfia os pés pelas mãos e, de farra em farra, vai descendo a ladeira, ultrapassando todos os limites. Nem mais da compostura exigida de gente com mandato público, mas do puro e simples senso do ridículo.

Crise de confiança


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. O mais importante no momento seria manter a taxa de investimento, cujo crescimento até o terceiro trimestre deste ano foi basicamente resultado da confiança até então existente no meio empresarial. Não era apenas a construção civil, mas todos os setores da economia cresciam, fazendo com que o PIB aumentasse a uma taxa de 6% ao ano. Em 2007, o investimento foi de 17,7% do PIB, e a poupança doméstica, de 17,5%. Já nos últimos quatro trimestres encerrados no terceiro trimestre, o investimento aumentou para 19,3% do PIB, mas a contribuição do aumento da poupança doméstica foi nula, porque ela até caiu um pouco, para 17,4% do PIB.

O que estava ocorrendo, diz o economista Fabio Giambiagi, era basicamente um boom de investimentos financiado pelo crescente desajuste externo. "Se a poupança externa não aumentar, continuamos sem resolver como será possível aumentar a taxa de investimento no futuro".

A ampliação do "PIB potencial" está relacionada com o aumento da taxa de investimento, que vinha subindo cerca de 8% ao ano nos últimos anos. Comparado com a China, que investe cerca de 40% do PIB, ou a nós mesmos em anos anteriores, estamos ainda em patamares muito baixos para buscar um crescimento sustentável nesse nível, sem ter efeitos colaterais negativos, como inflação.

Na época do "milagre brasileiro", nos anos 70, em que crescíamos a taxas asiáticas, o investimento no país chegou próximo a 30% do PIB, taxa que hoje é investida pela Índia, que crescia a uma média de 6% ao ano nos últimos 15 anos antes da crise. Para crescer de maneira sustentada, o mínimo necessário seria um investimento público e privado da ordem de 25% do PIB.

Historicamente, nosso PIB está mais próximo de 5%, taxa média de crescimento brasileiro dos últimos 50 anos. Mas a história recente reduziu essa expectativa para 2% de 1980 a 2003. Essa média cresceu um pouco com o resultado dos últimos anos, chegando a 4,5% nos anos de Lula.

O país já teve também períodos de crescimento sustentado de níveis asiáticos: de 1950 a 1959, média de 7,15%; de 1960 a 1969, média de 6,12%; e, de 1970 a 1979, de 8,78%. O maior crescimento do PIB foi de 13,97% em 1973, no auge do "milagre econômico", mas taxas de dois dígitos são exceções, só aconteceram em seis anos.

Para o economista José Roberto Afonso, o governo federal vai precisar de mais ousadia e criatividade para estimular a outra ponta do crescimento, a demanda, que já foi contaminada e caiu. "Quando as demissões começam, os que ficam empregados se assustam, e muitos podem simplesmente preferir usar o aumento de renda, decorrente da menor tributação, para aumentar a poupança. E se eles não comprarem, de nada adiantou o benefício fiscal".

O financiamento a empresas brasileiras poderá ajudar também as empresas exportadoras, inclusive as tradings agrícolas, que estavam sem crédito no exterior. José Roberto Afonso dá o exemplo da situação dos exportadores, que considera "gravíssima": estão carregando muitos impostos, do ICMS ao Cofins, que não conseguem recuperar.

O governo, segundo o economista, "deveria assumir e quitar tais dívidas tributárias com os exportadores, como forma de incentivar as exportações, especialmente de industriais".

A questão da falta de confiança também se reflete na venda de carros. Os bancos das montadoras enfrentaram problemas de "funding" no primeiro momento da crise. Mesmo os financiamentos tendo voltado, principalmente no Sul/Sudeste, ficaram mais caros, e há um claro movimento de cautela dos compradores, com receio do desemprego. Por isso o governo retirou o IPI dos carros, para ver se estimula novas vendas.

O presidente da CSN, Benjamin Steinbruch, deu uma indicação dos problemas do setor siderúrgico ao admitir, à saída da reunião com o presidente Lula, que poderá haver demissões no setor.

O mês de outubro foi normal para o setor siderúrgico, mesmo depois da explosão da crise. Em novembro houve uma redução, e pesquisas indicam uma expectativa de queda grande no mês de dezembro. Quase todos os altos-fornos estão parados para revisão técnica, e na volta, se nada mudar, pode haver demissões em massa.

José Roberto Afonso ressalta desde o início da crise que o problema no Brasil estava mais no setor real - o empresário parou de investir e, também, de produzir antes mesmo que os seus compradores sumissem das lojas.

Falta de crédito e de confiança no governo seriam as razões que levaram o empresário a parar ou a reduzir a produção.

Desse ponto de vista, o presidente Lula está fazendo o trabalho político correto de tentar incutir confiança, mas, para que o empresariado se anime a manter o nível de investimento que possibilitou um crescimento acima da média dos últimos anos, o governo teria que tomar medidas técnicas mais amplas e profundas, além de sinalizar com o exemplo de corte de gastos.

Pedir ao empresariado que não demita, mas não oferecer decisões como uma reforma real no sistema de tributação, em vez de medidas pontuais que não sinalizam uma mudança estrutural na economia, não fará com que os empresários se sintam encorajados a manter os investimentos.

Por outro lado, com seu carisma e a alta popularidade, o presidente Lula tenta convencer a população a manter seus hábitos de consumo, índice que estava crescendo a 8% ao ano. Mas, sem garantias de que o nível de investimento será mantido, um crescimento só à base do consumo tende a provocar inflação.

Todo mundo em pânico


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - No dia em que o mundo inteiro anuncia mais pacotes de ajuda ao setor privado (o Brasil, o Estado de São Paulo, os EUA, a União Européia), acho que vale a pena prestar um pouco de atenção em quem vai na contramão, o ministro alemão de Finanças, Peer Steinbrück.

Antes é bom saber que Steinbrück batalhou um bocado, nas vésperas da cúpula do G8 na Alemanha, em 2007, para que o clubão dos ricos e poderosos adotasse medidas (bastante moderadas, aliás) de controle dos mercados.

Foi vencido pela resistência do governo Bush. Um mês depois da cúpula, começou a crise então batizada de "subprime".

Em entrevista para a revista "Newsweek", o ministro alemão diz, por exemplo:

1 - "Por muito que qualquer governo faça, a recessão em que já estamos é inevitável".

2 - "Quando olho para o caótico e volátil debate em andamento, tanto na Alemanha como no resto do mundo, minha preocupação é que a barragem diária de propostas e declarações políticas está deixando os mercados e os consumidores mais nervosos" (atenção, Lula, pode ser com você também).

3 - "Há uma ansiedade pelo Grande Plano de Resgate. Não existe. Não existe. Lidar com uma crise sem precedentes é um quebra-cabeças, é tentativa-e-erro. Tendo a ser cético porque é da natureza humana ver a crise pior do que é. (...) 2009 parece que será um ano muito difícil. Mas não estamos à beira do colapso" (vai ver que Steinbrück leu a Folha de anteontem).

4 - Sobre a redução de impostos adotada, por exemplo, no Reino Unido: "Você vai mesmo comprar um DVD porque ele agora custa 39,10 libras em vez de 39,90?" (alô, alô, Mantega, pode ser com você).

Acho que o que o ministro quer dizer é simples: está todo mundo em pânico e atirando para todo o lado. Pode, eventualmente, atingir o próprio pé (ou o coração ou a cabeça) de mais de um.