sábado, 31 de janeiro de 2009

A CÂMARA QUE O CARIOCA ELEGEU

Paulo Pinheiro
DEU EM O GLOBO

Para que serve a Câmara dos Vereadores? Quais são as funções dos seus membros? Será que as principais atribuições dos parlamentares são atividades como distribuir medalhas e títulos a apadrinhados, renomear ruas da cidades ou indicar diretores de hospitais, administradores regionais, subprefeitos ou titulares de inspetorias financeiras?

É lamentável que um expressivo número de vereadores brasileiros passe a imagem equivocada de que se limita a ações como essas o trabalho de um parlamentar. Provavelmente por isso, nas ultimas eleições, 1,4 milhão de cariocas não fizeram questão de escolher seus representantes junto na Câmara. Nem mesmo a alternativa do voto no partido agradou ao eleitorado: apenas 15% optaram pelo voto em legenda.

O resultado das eleições de 2008 no Rio de Janeiro nos leva à conclusão de que a escolha do carioca foi totalmente “fulanizada”. Ou seja, o eleitor optou por votar em “fulano”, independetemente de seu partido ou coligação e de seu alinhamento ideológico ou não com o candidato a prefeito e em muitos casos, sem nem mesmo levar em consideração se o candidato possui ficha suja. Em conseqüência disso, foi eleita uma câmara altamente segmentada, composta por vereadores de 21 partidos diferentes. Oito legendas, por exemplo, serão representadas por apenas um vereador, que será líder de si próprio.

No entanto, engana-se quem acredita que este quadro é fruto de uma renovação: os novos parlamentares representam apenas 43% da Casa, enquanto os demais são vereadores reeleitos. Mas o preocupante é que vários dos “calouros” já chegam à Câmara Municipal com um significativo passivo junto à Justiça, ostentando fichas sujas – fato também observado entre “veteranos” que renovaram seus mandatos.

Desta forma, para recuperar a confiança e a credibilidade junto à população, os vereadores eleitos para a atual legislatura têm a obrigação de mostrar ao cidadão carioca uma conduta condizente com a enorme responsabilidade inerente ao cargo de parlamentar. Assim, se impõe a imediata criação de um Conselho de Ética e de seu respectivo código no Legislativo Municipal.

Além disso, para exercer suas funções com dignidade e competência, é indispensável que seja realizada uma reestruturação política dentro da Casa.

Os parlamentares devem se organizar primordialmente, em blocos de acordo com as áreas de interesse em que desejam atuar, como saúde, educação, urbanismo, cultura, ética na política ou acompanhamento do orçamento, por exemplo. Caso isto não aconteça, os vereadores se transformação em unidades políticas insignificantes e isoladas, defensores exclusivos de direitos individuais, “paroquiais” e assistencialistas.

Corre-se ainda o risco de endossar a idéia de parte da população de que os vereadores são meros “despachantes de luxo” e imprimir em uma importante instituição como a Câmara Municipal a imagem de que é dispensável. Esta pode se tornar, a médio prazo, uma grande ameaça à democracia do nosso país.

Paulo Pinheiro é vereador no Rio pelo PPS

Perguntas que não calam

Aluizio Alves Filho
Cientista Político e Professor da PUC
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Entre as medidas implantadas por Eduardo Paes, uma tem efeito impactante sobre a vida da cidade e provocou diferentes reações da opinião pública: a Operação Choque de Ordem.

Ela nasce num contexto onde as questões ecológicas e as preocupações com as demarcações das distinções entre o espaço público e o privado estão na ordem do dia. O propósito da operação é tentar reverter um conjunto de informalidades e ilegalidades que há muito tempo se fazem presentes no Rio.

Para implementar a referida operação o prefeito instituiu a Secretaria Especial de Ordem Pública, nomeando secretário o deputado federal Rodrigo Bethlem (PMDB), portador de experiência na área. A Operação Choque de Ordem tem por base um conjunto de medidas que o prefeito julga fundamentais para conduzir aos resultados desejados. As principais são reprimir o comércio ilegal, o transporte pirata e as construções irregulares; retirar das ruas seus moradores ou pelo menos diminuir substantivamente o seu número; combater o estacionamento em local proibido e a publicidade não autorizada, além dos demais agentes poluentes da cidade, mantendo-a limpa e preservada.

Três semanas após seu início, a operação apresenta números surpreendentes no que diz respeito ao reboque de carros, em média 46 por dia, mais que o total dos que foram apreendidos em 2007. Vale observar que as autuações foram feitas tanto em bairros chiques quanto em humildes. Para os que, confiando na tradicional impunidade, desenvolveram o péssimo costume de desafiar as leis do trânsito e estacionar em qualquer lugar, é bom abrir o olho. O guincho custa R$ 240 e deve ser acrescido o valor da multa mais a diária do depósito.

Outras medidas dizem respeito a repressão a camelôs, condução de moradores de rua a abrigos, apreensão de ônibus piratas e de agentes poluentes e a demolição de construções irregulares. É louvável que o atual prefeito tenha um plano para resolver problemas candentes. Se as medidas são portadoras ou não de eficácia prática, é outra questão. Isto deixa algumas perguntas no ar.
Como irão sobreviver os trabalhadores informais? A população de rua vai permanecer nos abrigos até quando? Outro problema é o caráter meramente repressivo das medidas, já adotadas por outros governos com resultados pouco auspiciosos.

Lutar contra a crise, diminuir o desemprego

Por João Guilherme V. Netto

Vocês se lembram dos 18 pontos unitários contra a crise do documento entregue ao presidente Lula pelas Centrais Sindicais em novembro? Eles reafirmavam o empenho de enfrentar a crise com políticas públicas anticíclicas, com a manutenção dos programas sociais, com a redução de juros, substituição de importações e controle do fluxo de capital externo.

Exigiam a “cláusula social”, ou seja, qualquer recurso público, ou de fundos dos trabalhadores, aplicado nas empresas ou no crédito, teria a contrapartida da preservação de empregos ou outras contrapartidas sociais. Reivindicavam a democratização do Conselho Monetário Nacional, a redução do superávit primário e a desoneração tributária dos produtos da cesta-básica.

Ao Congresso Nacional apelavam para a ratificação das convenções 151 e 158 da OIT, a extinção do fator previdenciário, a retirada de todos os projetos de lei que objetivassem a precarização das relações do trabalho e a redução constitucional da jornada de trabalho, sem redução de salários.

Como medidas pontuais (já em execução) apontavam a ampliação das faixas do imposto de renda e a correção anual de seus valores e também a ampliação das parcelas do seguro-desemprego.

Cobravam o compromisso governamental do cumprimento da Agenda do Trabalho Decente.

Continua sendo a grande pauta.

Com a manifestação abrupta da crise e seu choque perverso contra o emprego e as conquistas sociais, passou a ser uma preocupação estratégica do movimento sindical evitar ao máximo as demissões, desanuviar o clima histérico suscitado por setores da mídia e por patrões oportunistas e, sobretudo, barrar a estratégia patronal de quebrar direitos por conta da crise, ao invés de garantir direitos para debelar a crise.

Para enfrentar o choque provocado pela desaceleração econômica e superar a crise, que é de curta duração e age diferentemente de acordo com os setores, devemos aplicar quatro máximas estratégicas capazes de garantir a unidade de ação:

1-A luta pelo produtivismo, com consumo popular e manutenção do emprego;

2-A garantia dos direitos, derrotando a estratégia de precarização;

3-A negociação constante com o conhecimento prévio das situações reais e suas implicações; 4- A última palavra deve ser dos trabalhadores, organizados pelos Sindicatos, Federações, Confederações e Centrais.

Naquelas situações e naqueles casos em que, apesar da discordância dos dirigentes, imponha-se uma eventual redução de salário, com redução de jornada (dentro dos marcos legais, esgotadas todas as outras possibilidades legais e nunca à maneira de Copolla na novela das oito) devemos trabalhar com quatro orientações táticas:

1-Análise da carteira da empresa, conhecimento prévio da situação e busca de soluções alternativas em conjunto, Sindicato e empresa (incluindo a desoneração tributária);

2-Redução da jornada maior que a redução de salários;

3-Garantia de emprego pelo dobro, no mínimo, do tempo que durar a redução;

4-Banco de Redução”, ou seja, a empresa compromete-se a, passado o período agudo da crise e retomada da produção, “devolver” aos trabalhadores o que foi emprestado durante a crise; isto pode ser sob a forma de ganhos salariais, PLR, abonos ou outras formas.

Com estas escritas podemos abrir o guarda chuva e evitar às vezes com um pulo as poças da água.
João Guilherme Vargas Netto é consultor sindical de diversas entidades de trabalhadores em São Paulo

Centrais sindicais pregam a unidade na luta contra a crise

DEU NO SITE DA UGT

Durante o debate, que reuniu dirigentes de algumas das principais centrais sindicais brasileiras e internacionais, a luta contra a crise financeira global e a preservação dos direitos dos trabalhadores foi o tema predominante. "Temos a necessidade de unif

Centenas de trabalhadores de diversos países participaram na quarta-feira (28) da mesa de abertura do 8º Fórum Sindical Mundial, evento que acontece em Belém como parte do Fórum Social Mundial 2009. Durante o debate, que reuniu dirigentes de algumas das principais centrais sindicais brasileiras e internacionais, a luta contra a crise financeira global e a preservação dos direitos dos trabalhadores foi o tema predominante. Apelos pela unidade das diversas centrais também deram a tônica do evento.

Presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Arthur Henrique foi a primeiro a pedir união: "Temos a necessidade de unificar a luta das centrais sindicais e do movimento sindical, não somente no Brasil como também no movimento sindical internacional, para questionar o modelo de desenvolvimento no Brasil e no mundo. Nesse modelo, onde a especulação é mais importante do que a produção e o ser humano não tem importância do ponto de vista da estratégia das empresas e dos governos, é fundamental que haja modificações rápidas nesse sentido", disse.

As mudanças necessárias, segundo o presidente da CUT, passam pela superação do modelo econômico neoliberal: "Não é possível continuar tendo um crescimento que não leva em conta a distribuição de renda, a inclusão social e o respeito ao meio ambiente. Durante anos, o modelo neoliberal ditou a economia na América Latina. Agora, esse modelo ruiu, caiu, acabou. O papel do Estado cada vez mais é fundamental, e a crise mostra que é necessário rediscutir os modos de produção e consumo. Enfrentar essa tarefa exige nossa unidade", disse.

O presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, também convocou as centrais à unidade: "No Brasil, depois que descobrimos que a unidade das centrais nos dava uma condição melhor de lutar, conseguimos enfrentar não só aqueles que queriam tirar direitos dos trabalhadores como também, durante o governo Lula, melhorar a condição do sindicalismo no país com a regulamentação das centrais sindicais", disse.

"A crise já afeta alguns setores, como o metalúrgico ou o de vestuário, mas é preciso que o governo haja rápido com uma política que una a redução de impostos, a redução do spread bancário e a garantia de emprego", disse Paulinho. O presidente da Força Sindical comemorou a reunião realizada na segunda-feira (26) com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando o governo confirmou o aumento do salário mínimo: "Nesse momento de profunda crise internacional, conseguimos que o governo mantivesse um aumento do salário mínimo de mais de 12%. Isso foi importante, porque os R$ 50 a mais que vão ganhar os 40 milhões de brasileiros que recebem salário mínimo significará uma injeção R$ 27 bilhões nesse momento em que a economia passa por dificuldades. Isso será importante para mantermos os empregos e o mercado interno aquecido".

Os sindicalistas fizeram fortes críticas ao empresariado brasileiro: "Aqui no Brasil, algumas empresas e alguns empresários se apoderam da crise de forma oportunista para apresentar propostas de flexibilização dos direitos, de suspensão de contratos de trabalho ou mesmo de redução da jornada de trabalho com redução de salários. Para a CUT, a luta contra essa crise passa pela defesa do emprego e da renda. Temos que ampliar as mobilizações e a pressão sobre os empresários nesse sentido, pois é isso que vai garantir o mercado interno", disse Arthur Henrique.

Presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah também criticou os empresários: "Não podemos permitir que a chantagem empresarial rasgue os direitos dos trabalhadores como tentaram há pouco. Não vamos permitir a redução dos nossos salários e direitos, precisamos estar unificados para combater essa chantagem. A crise não foi criada pelos trabalhadores, a crise é do sistema financeiro. Quando países como Brasil, México e Rússia passaram por crises financeiras, os Estados Unidos e o FMI os fizeram abaixar as calças. E agora, que o problema foi gerado lá, o que nós vamos fazer? Vamos aplaudir?".
Superar o modelo

Também presentes em Belém, dirigentes de organizações sindicais internacionais alertaram para a necessidade de uma mobilização global dos trabalhadores para evitar que o combate à crise financeira sirva apenas para salvar e perpetuar o modelo neoliberal. Para Victor Báez, secretário-geral da Confederação Sindical dos Trabalhadores das Américas (CSTA), a posição dos trabalhadores deve ser clara: "Para o Banco Mundial, o FMI e os governos de direita, o objetivo na etapa pós-crise é voltar ao modelo que provocou esta crise. Mas, antes da crise econômica, já havia as crises política, social e ambiental, e precisamos agora superar essa realidade. Queremos milhões de postos de trabalho e zero de especulação".

Secretária-adjunta da Confederação Sindical Internacional (CSI), Mamunata Cissé também falou sobre a necessidade de um combate global ao modelo neoliberal: "Atingiremos a catástrofe socioambiental e teremos conseqüências terríveis para a humanidade e o planeta se não mudarmos já nosso modo de vida e nosso modelo de produção e consumo", disse.
Alternativas

Na opinião da diretora da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Laís Abramo, "a crise começa a sair do âmbito do sistema financeiro e a atingir fortemente a economia real, afetando os empregos, os salários e os direitos dos trabalhadores em todo o mundo". A OIT lançou na segunda-feira o Relatório sobre a Situação dos Trabalhares na América Latina: "O relatório já mostra os efeitos do processo de desaceleração da economia no mercado de trabalho, ameaçando as conquistas que foram obtidas nos últimos anos em muitos países, inclusive no Brasil".

Apesar das ameaças, Laís afirma que existe no âmbito da OIT otimismo em relação aos desdobramentos da crise: "Existe um sentimento de muita satisfação ao se perceber que estão ruindo muitos dos dogmas que estiveram por trás da organização dos mercados financeiros internacionais e que dominaram o processo de globalização nos últimos anos. É um sentimento contraditório, pois existe na OIT a preocupação com os efeitos dessa situação, mas também a alegria de se perceber que existem alternativas", disse.

Compromisso

Secretário-geral da Presidência da República, o ministro Luiz Dulci reafirmou aos trabalhadores "o compromisso do governo Lula com o combate aos impactos negativos da crise e com os avanços na mudança social" e falou sobre a oportunidade histórica que se abre ao Brasil: "Precisamos de mais investimento público e da ampliação dos programas sociais. O que desmoronou foi o neoliberalismo, o modelo imposto ao mundo nas últimas décadas", disse.

A luta pela preservação dos direitos dos trabalhadores, segundo Dulci, é instrumento fundamental para conter a crise: "O movimento sindical internacional nunca teve uma responsabilidade tão grande. Hoje, os trabalhadores organizados têm a possibilidade de contribuir para a democratização econômica e política do mundo. É imprescindível preservar os direitos dos trabalhadores. Se não houver pressão, os conservadores vão acabar restaurando o modelo neoliberal. Não basta remover os escombros do neoliberalismo, é preciso criar uma nova ordem internacional", disse o ministro.

Terra de cego

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


DAVOS. A diferença entre a ignorância conhecida - as coisas que sabemos que não sabemos - e a ignorância desconhecida - as que não sabemos que não sabemos -, é fundamental para a tomada de decisões. A frase, muito boa, embora atribuída a um autor ruim, o ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos Donald Rumsfeld, pode explicar a existência de dois Brasis aqui em Davos. O oficial, vendido por autoridades e empresários que participam do Fórum, enfrenta a crise econômica internacional com galhardia e pode até mesmo dar lições ao mundo. O outro, o não oficial dos analistas econômicos que, embora sejam unânimes em admitir que o país nunca esteve tão bem preparado para enfrentar a crise, prevêem dificuldades crescentes pela frente.

Alguns poucos, como Nouriel Roubini, chegam a prever crescimento próximo de zero, ou até mesmo negativo para o Brasil neste annus horribilis. É verdade que os analistas econômicos não estão em alta depois da crise, mas, para nosso azar, foi Roubini o que mais acertou nos últimos tempos, inclusive no tamanho do problema.

Na contramão do pessimismo, o Brasil oficial exibiu ontem números exuberantes de crescimento da classe média e distribuição de renda, em um almoço em que o tema era "Brasil, o novo poder influente".

O chanceler Celso Amorim citou a presença cada vez mais forte do Brasil nos G-20, tanto o formado pelos emergentes que negociam na Organização Mundial do Comércio, quanto no que reúne os países mais influentes do mundo.

Mas não resistiu e enveredou pelo campo social, ressaltando a distribuição de renda promovida pelo Bolsa Família, e chamou a atenção para o fato de que o Brasil começou uma política anticíclica de grandes obras de infraestrutura (referia-se ao PAC) antes mesmo de os Estados Unidos aprovarem seu Plano de Recuperação Econômica.

Já o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, desfiou números exuberantes de investimentos para os próximos anos, e alinhavou diversos motivos pelos quais acredita que o Brasil esteja em situação melhor que os Estados Unidos no momento, entre eles nosso sistema financeiro saudável e a existência de bancos estatais que podem prover financiamentos nos momentos de dificuldade de crédito.

De fato, o plano de investimentos da Petrobras para 2009-2013 é 55% maior do que anteriormente projetado, o que sinaliza uma confiança no futuro, mas com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que destinará à estatal mais de ¼ de toda verba extra para investimentos, podendo chegar a 50% se a empresa continuar sem financiamentos privados em 2010.

Uma confiança que tem claro objetivo político, de manter a expectativa de futuro em alta, especialmente a exploração do petróleo do pré-sal. Não foi à toa que Gabrielli disse em sua exposição que a Petrobras prevê que o preço do barril do petróleo subirá nos próximos anos e que, mesmo com as energias alternativas, o petróleo continuará sendo a principal fonte de energia no mundo nas próximas décadas.

Da mesma maneira que Amorim não se deteve em seu campo específico para enaltecer nossas glórias, Gabrielli dispôs-se a analisar a vantagem comparativa entre o crescimento do Brasil e dos Estados Unidos, ambos baseados, sobretudo, no consumo interno.

Segundo o presidente da Petrobras, enquanto no Brasil o consumo aumentou devido à melhoria da distribuição de renda e ao crescimento da classe média, nos Estados Unidos o crescimento deu-se devido aos ganhos do sistema financeiro e à concentração de renda, o que os coloca hoje em situação delicada.

Do setor privado, o CEO para América Latina do Banco Itaú, Ricardo Vilela, destacou nossas vantagens comparativas no sistema financeiro, um ponto central da crise econômica global. Ressaltando que o sistema bancário brasileiro não foi afetado pela crise do sistema financeiro internacional, Vilela disse que a sensação que se tem é de já ter-se visto esse filme antes, e que no Brasil teve um final feliz, gerando um sistema bancário sólido e seguro.

Confrontado com as reclamações do governo brasileiro, vocalizadas até mesmo pelo presidente Lula, de que o fluxo de financiamento do sistema bancário do país não está normalizado, apesar das medidas do Banco Central para dar liquidez ao mercado, Ricardo Vilela disse que os financiamentos estão crescendo, mas admitiu que estão também mais caros, alegando que a crise internacional impede que se volte aos níveis anteriores.

Os arautos das nossas qualidades esqueceram-se de falar, e não seria razoável exigir que o fizessem num momento de celebração como aquele em Davos, que a economia brasileira já está em recessão, e que todas essas conquistas, verdadeiras, podem se esfumaçar com a redução drástica do crescimento econômico.

Mas, como em terra de cego quem tem um olho é rei, são os emergentes que estão ditando as regras em Davos este ano. Ao contrário do que fizeram Rússia, Índia e China, o Brasil perdeu uma grande oportunidade de estar mais em evidência, como estaria se o Lula aqui estivesse, em vez de ficar comemorando o fim do capitalismo no Fórum Social Mundial em companhia de Chávez, Morales e Correa.

Lula teria sido uma figura de destaque, ao lado dos primeiros-ministros da China, Wen Jiabao, e da Rússia, Vladimir Putin, que criticaram "a ganância excessiva" e o "individualismo" do sistema capitalista, mas não comemoraram seu suposto fim, ao contrário, dispuseram-se a ajudar os Estados Unidos, e o mundo, a sair do buraco.

Mas, reforçando o clima de euforia que cercou a delegação brasileira, o chanceler Celso Amorim, que já chamou certa vez Lula de "nosso guia", fez uma graça dizendo que não afirmaria que "Davos precisa mais de Lula que Lula de Davos", mas justificou sua ausência alegando que a demanda do mundo pela presença dele é muito maior do que sua capacidade de supri-la.

Lula, a azia e Brown

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

DAVOS - Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sente azia ao ler os jornais, conforme disse a Mário Sérgio Conti, da revista "Piauí", fico imaginando o estômago de Gordon Brown ao ter que enfrentar os jornalistas britânicos.

Ontem, Brown estava dando uma entrevista coletiva ao lado de Ban Ki-moon, o secretário-geral das Nações Unidas.

Termina a fala inicial, abre-se o espaço para perguntas e uma loirinha da ITV dispara: "O senhor fala em recuperar a confiança [no sistema financeiro global]. Mas o senhor não goza mais da confiança do público britânico" -e por aí foi.

Brown deu uma de Paulo Maluf, que, ante perguntas desagradáveis, muda completamente de assunto.

Insistiu na necessidade de pôr ordem na economia global. A repórter continuou afirmando que o premiê não tinha mais a confiança de seu público, a ponto de forçar o mediador a interromper para dizer que, como britânico, adora discutir política interna, mas que o assunto ali era a crise global.

Esse comportamento de jornalistas é até certo ponto comum nos Estados Unidos e no Reino Unido, bem menos que no resto da Europa.

No Brasil, é impensável. Suspeito ser o segundo repórter mais velho em atividade como repórter no Brasil, atrás apenas desse estupendo companheiro chamado Paulo Totti, hoje no "Valor Econômico".

Participo de entrevistas com presidentes desde Ernesto Geisel, há, portanto, mais de 30 anos e sete presidentes.

Nunca vi um desafio tão frontal e tão agressivo nem mesmo nos momentos em que o presidente de turno estava com o prestígio no solo e, portanto, era mais fácil ser valente "contra" ele.

Fazer perguntas desagradáveis é uma coisa -obrigatória, alias. Emitir conceitos em vez de perguntar é outra coisa. Mas fico curioso em saber como Lula reagiria em uma situação como a de Brown.

Apartar ou optar

Cristovam Buarque
DEU EM O GLOBO


É constrangedor acompanhar a troca de acusações entre dois ministros. Reinhold Stephanes, da Agricultura, defendendo o aumento da produção agrícola, e Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente, a preservação das florestas. Os dois têm razão, o governo é que não tem. Cada um defende os objetivos de sua respectiva pasta, porque o governo não definiu uma linha de ação à qual os ministros fiquem submetidos. É preocupante ver o governo determinar que uma ministra aparte os que estão brigando, no lugar de fazer uma opção sobre quem tem razão. Como se o problema estivesse no desentendimento pessoal e não no choque conceitual. O problema não é apartar duas visões diferentes, mas formular uma visão e optar por ela.

O que está em jogo não é fazer que os dois ministros se calem, mas determinar a escolha, entre concepções diferentes, para definir uma linha que oriente o desenvolvimento que o país precisa seguir. O que deve estar em debate não são as posições dos dois ministros, mas a posição do governo e do país para seu futuro: manter o velho padrão de desenvolvimento a qualquer custo ou escolher um modelo com base na conservação de nosso patrimônio natural e na justiça social.

Aparentemente esta escolha não vai acontecer, porque o atual governo é de "apartar", não de "optar". O estilo do presidente Lula é de apartar as diferenças que existem nos diversos grupos sociais e políticos nacionais, procurando e conseguindo aglutinar pela omissão da escolha. No mesmo momento do embate entre Agricultura e Meio Ambiente, temos a disputa entre o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, e o ministro Mangabeira Unger, encarregado de formular ideias para o futuro do Brasil, entre manutenção da assistência ou saídas estruturais para a pobreza. Na ótica da assistência, o Bolsa Família é um instrumento generoso e correto para reduzir a fome e a miséria; na ótica do futuro, é necessário um instrumento estrutural - a educação - que permita reduzir a pobreza. A próxima contenda a ser apartada pelo presidente será entre o ministro Lupi, do Trabalho, que corretamente defende que o dinheiro público seja usado para conservar emprego, e os empresários que consideram um direito receber dinheiro público, sem compromisso público.

O que caracteriza o presidente Lula é sua capacidade de "apartar" as diferentes opiniões, juntando-as em um silêncio reverencial por parte dos intelectuais, na submissão dos sindicatos e dos empresários; no acomodamento dos estudantes e da juventude; na formação de pacotes partidários tão amplos que ele fica sem oposição, porque mesmo quando esta vence ele vence também. No lugar de serem as forças da "opção", Lula e o PT são as forças da aglutinação ao "apartar" cada grupo e uni-los por meio da interminável conciliação.

Por um lado, isso traz tranquilidade social ao país. Basta comparar nossa situação com os vizinhos, onde os presidentes "optaram" e dividiram as sociedades de seus países. Mas essa aglutinação leva a um acomodamento que, por sua vez, leva ao adiamento do enfrentamento de nossos problemas. Em nome de ficar no poder e ganhar novas eleições, o governo posterga as "opções" que o país precisa para construir o futuro. Em nome de manter-se no cargo, os ministros calam, como se não houvesse um problema a ser enfrentado. Em nome de não romper alianças, o presidente tolera as discordâncias públicas entre seus ministros.

A militância do PT tinha orgulho do lema "optei", mas ao chegar ao poder escolheu o "apartei", que caracteriza o governo Lula. Não sabemos o preço que o Brasil pagará por adiar por mais tempo a opção que deverá fazer, nem quanto vai custar nosso vício histórico de sempre apartar, acomodar, para não optar.

Fomos o último país a abolir a escravidão, seremos o último a fazer as opções necessárias para a construção de um desenvolvimento sustentável e justo. Certamente, será depois dos EUA, que já começaram a fazer opções com o governo Obama. No Brasil, o presidente Lula tem todas as condições de ser um presidente da opção, ao mesmo tempo que tem a competência da aglutinação.

Cristovam Buarque é senador (PDT-DF).

Uma conta de chegar

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S.PAULO


Nada como o risco da desmoralização no início de uma empreitada da envergadura da eleição presidencial para forçar o PSDB a descer do muro de onde observava a disputa entre PT e PMDB pela presidência do Senado.

Não foi propriamente uma decisão referida no melhor para o partido - tendo em vista a eleição de 2010 no horizonte -, muito menos baseada na alegada aceitação do convite feito pelo senador Tião Viana para que os tucanos fossem parceiros do PT numa operação de "limpeza" do Senado.

O PSDB surpreendeu ao tomar uma posição na noite de quinta-feira, quando todos esperavam e o próprio partido dava indicações de que liberaria os votos em tese e, na prática, orientaria a bancada em favor da candidatura de José Sarney.

Isso, segundo constou das versões correntes, na esperança de que Sarney esquecesse antigas rusgas e levasse seus aliados no PMDB ao projeto tucano para 2010.

O raciocínio que prevaleceu, porém, parece ter sido outro: se apoiassem Sarney, poderiam ser responsabilizados por tudo de mal que porventura pudesse acontecer à candidatura de Michel Temer na Câmara e, aí perder dos dois lados.

Temer é um aliado tradicional do PSDB, assim como todo o grupo que aderiu a Lula depois da reeleição. Sarney é um desafeto antigo que, na hora agá, dificilmente desembarcaria da canoa governista para embarcar na oposicionista. Mais não seja, para manter as aparências e não deixar o atual presidente terminar o mandato em feitio de abandono.

Sendo assim, para o tucanato melhor não arriscar o certo pelo altamente duvidoso. Inclusive porque o problema não é nem o apoio em 2010, mas o controle do PMDB daqui até lá. A derrota de Temer teria como consequência a perda da presidência e a mais que provável entrega do comando do partido ao senador Renan Calheiros.

Os 13 votos do PSDB alteram o quadro, abalam o favoritismo de Sarney? Abalam, embora talvez não sejam suficientes para mudar a situação, pois na contrabalança há 14 votos do DEM a favor do ex-presidente.

O lance tucano põe os dois em posição de disputa real e, sobretudo, dá oportunidade ao PSDB de recuperar poder de influência na eleição, perdida quando o partido tendia para Sarney, contribuindo para o desenho de uma vitória antecipada.

Agora, daí a dizer que Tião Viana chamou os tucanos para juntos patrocinarem uma "limpeza" no Senado e por isso levará os votos é abusar da boa vontade alheia. Primeiro, porque obrigaria suas excelências a nominarem a lista das "sujeiras", dado que a preliminar de que admitem a existência delas está posta.

Segundo, obrigaria o respeitável público a acreditar numa mudança repentina de atitude dos partidos que aceitam a convivência com gente de vida pregressa duvidosa, com um terço de senadores suplentes sem voto e indicados pela vontade unilateral do titular da vaga, com acertos para salvar mandatos ao arrepio das evidências de quebra de decoro, com troca-troca de votos por cargos na Mesa e por aí afora.

Se tanto PT como PSDB foram cúmplices das imposturas cometidas no Senado, com que autoridade moral falarão a seus pares em limpeza? Levarão o troco na hora sendo instados a denunciar com riqueza de detalhes, e provas, as sujeiras a que se referem. Como participaram de várias delas, tal operação equivaleria a um tiro na testa.

Negócios

A bancada do PT contabiliza a eleição do ex-senador José Jorge para o Tribunal de Contas da União entre evidências de que vem de longe a negociação entre o PMDB e o DEM, em prol da candidatura de José Sarney para a presidência do Senado.

O PMDB tinha candidato, mas deixou Leomar Quintanilha no ora veja e deu votos a José Jorge em troca - acredita o PT - do apoio do Democratas a Sarney.

Contradição em termos

Quanto mais o ministro da Justiça, Tarso Genro, explica sua decisão de conceder refúgio político ao ativista italiano Cesare Battisti, mais se desentende com seus próprios atos e opiniões.

Primeiro, havia alegado que sua decisão era coerente com a "generosidade" brasileira no tocante ao abrigo de estrangeiros com problemas políticos em seus países de origem. Posição desmentida pela devolução sumária dos atletas Guilhermo Rigondeaux e Erislandy Lara à ditadura cubana.

Agora, Tarso Genro argumenta que a Itália vive no passado, referida nos "anos de chumbo", enquanto o Brasil promoveu sua "pacificação política".

Isso, sendo ele um dos principais defensores da revisão dos termos do contrato firmado entre as forças políticas no Brasil na década dos 80, pelo qual o ponto de partida para a redemocratização seria a anistia para todos os crimes - da ditadura e da resistência ao regime.

O ministro diz que não pretende a revisão da anistia, mas, na prática, é o que significaria a punição aos torturadores defendida por ele.

Aula magna de Heráclio Salles

Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Revendo, a pedido da família, artigos do meu fraterno e saudoso amigo, o baiano de Santo Amaro da Purificação, Heráclio Assis de Salles, que devem compor o livro que está sendo montado com a dedicação dos seus filhos, mergulhei no texto impecável de um dos maiores repórteres e escritores da minha geração.

No artigo, com o título que aguça a curiosidade do leitor – História, dia a dia – de 11 de fevereiro de 1993, o autor esclarece que o tema gira sobre "a verificação de que, nos últimos 30 anos, a imprensa em geral, e não alguns profissionais isolados, perdeu competência para lidar com os fatos produzidos na esfera do Legislativo e também do Judiciário".

E entra firme no tema: "A verdade maior, entretanto, está em que a imprensa reflete as condições gerais de vida de uma sociedade de modo a se deixar, ela mesma, afetar pelas distorções e erros de toda a espécie. Do ponto de vista do que estamos tratando, que é a propriedade dos meios de expressão usados na transposição de fatos e temas institucionais, pode-se dizer em síntese: se a imprensa parece mal, deve-se antes buscar a causa que opera fora dos seus quadros".

E chegamos ao ponto que deve interessar especialmente aos repórteres políticos: "Em relação ao Congresso, por exemplo, a imprensa tratou sempre os temas a ele pertinente com propriedade irrepreensível, até a mudança para Brasília. Poucos foram os profissionais qualificados (pela frequentação ao plenário e às comissões) que se transferiram para o Planalto goiano. Além disso, lá, o Congresso passou, como instrumento de operação, a enfrentar condições adversas de funcionamento. E logo cairia no alvo das desconfianças e golpes de grupos autoritários, provocados pelo desequilíbrio pessoal de dois presidentes sucessivos, que acabaram abrindo o caminho às intervenções militares mutiladoras do quadro institucional.

Diante de um Legislativo que deixava de ser sujeito, para figurar como simples objeto no pensamento dominante, os jornais perderam a preocupação com os profissionais que iriam visitá-lo – e não mais freqüentá-lo – sem a qualificação exigida para a tarefa em outros tempos. Os erros se sucederam no noticiário e na avaliação crítica da importância do processo legislativo, esquecido em meio ao eclipse da vida política.

O aparelho refletidor passa a atuar, no caso, inevitavelmente, como gerador de luz falsa para iluminar uma imagem que já se construía com o propósito inconsciente de fazê-la repulsiva. Tanto é este o fenômeno que o mesmo se deu com o Judiciário, igualmente empurrado para a sombra dos regimes castrenses. Se os repórteres desconhecem o processo legislativo, igualmente não se informam, sequer sobre as espécies de processo que correm nas varas e tribunais. Pouquíssimos assimilaram a terminologia essencial, informando mal o leitor e confundindo o trabalho dos magistrados.

Tanto a causa do fenômeno era a indicada que a imprensa procurou rapidamente se aparelhar em Brasília – por iniciativa dos próprios repórteres, o que é expressivo – para tratar adequadamente os atos praticados na área econômica, também afetada pelas deficiências estruturais e de instalação física da nova capital".

Paro aqui a transcrição para algumas observações que considero pertinentes. O artigo de mestre é de fevereiro de 1993, lá se vão quase 16 anos. Do governo de Itamar Franco até os dois mandatos de Lula, passamos pelos oito anos dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso.

Não quero cometer injustiça com colegas que fazem o que podem para cobrir um Congresso que não se dá ao respeito, que não tem rotina de trabalho na madraçaria da semana de três dias úteis e que perdeu os limites da compostura com a desfaçatez com que se premiam com a cascata de vantagens, benefícios, privilégios, dezenas de assessores até a inqualificável verba indenizatória de R$ 15 mil mensais para ressarcir as despesas de suas excelências no fim de semana na base doméstica com passagens aéreas pagas pela Viúva.

A saudade do velho amigo não precisa ser invocada na pequena homenagem da transcrição de trechos de artigo que parece escrito ontem, neste espaço que ele ocupou durante anos.

Dilma vai a Fórum Social em 2011 como presidente, diz Lula

Leonencio Nossa
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em agenda de dois dias na capital paraense, ministra participa de encontro com líderes latinos e ofusca presença dos colegas de governo

Em clima de despedida, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou ontem a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, aos organizadores do Fórum Social Mundial. Na sua última participação no evento como presidente, ele avaliou que o próximo encontro, em 2011, possivelmente no exterior, contará com a presença da ministra. "Se for em 2010, eu ainda irei como presidente. Mas, se for em 2011, já vai ser a Dilma", disse, sob aplausos de cerca de cem pessoas.

No encontro, Lula encarregou a ministra de apresentar a proposta de uma Conferência Nacional de Comunicação, que começará com debates nos Estados e municípios. O evento, que ele pretende organizar este ano, discutirá um velho projeto do governo de regulamentar o setor. Lula espera que neste ano possa realizar a conferência e aprovar o projeto no Congresso, apesar de saber que o tema não é consensual.

Nos dois dias em que esteve na capital paraense, Dilma ficou quase todo o tempo ao lado do presidente. E participou de encontros fechados de Lula com outros presidentes da América Latina: Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e Fernando Lugo (Paraguai).

Durante o seminário A América Latina e o Desafio da Crise Financeira, que reuniu cerca de 5 mil pessoas e contou com a presença dos presidentes sul-americanos, na noite de quinta-feira, a ministra da Casa Civil recebeu aplausos dos participantes do fórum.

O novo visual de Dilma, incluindo uma recente cirurgia plástica, não passou despercebido. Quando a sua imagem apareceu nos telões instalados no local do seminário, a multidão assoviou. Mesmo evitando a imprensa, a ministra ofuscou a presença de 11 colegas de governo que também participam do encontro de Belém.

VISTOS

Os organizadores pediram a Lula que a diplomacia brasileira ajude a resolver problemas de vistos para os participantes da próxima versão do evento, nos Estados Unidos, no México ou em um país árabe, possíveis sedes da versão 2011 do encontro. Em entrevista, o presidente disse que não esteve no Fórum Econômico Mundial, em Davos, por não considerar o evento neste ano "interessante".

Ele aproveitou a presença de ativistas europeus e americanos na reunião com os organizadores do Fórum Social para criticar as negociações de paz no Oriente Médio. Lula sugeriu que os representantes do Hamas, adversário de Israel e do governo palestino, sejam ouvidos nas negociações. Relatou que em encontro recente com um diplomata palestino perguntou como o governo palestino avaliaria a possibilidade de ele, Lula, conversar com o Hamas. O diplomata respondeu que ele não seria recebido pelo Hamas.

Lula elogiou a realização do fórum em Belém. "O presidente da República não poderia deixar de participar de um encontro como este, representativo e de boa qualidade", afirmou. "Este fórum foi surpreendente pela qualidade e pela participação da juventude", acrescentou. "De alguma forma, Belém recuperou o prestígio do fórum."

Repúdio ao protecionismo

Celso Ming
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Na quarta-feira, o diretor de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Gianetti da Fonseca, comemorava decisão do Ministério do Desenvolvimento de exigir licenciamento prévio às importações e, dessa forma, instituir barreiras comerciais não tarifárias, proibidas por tratados internacionais.

Alguns minutos depois desse festejo público, o presidente Lula mandou revogar a decisão porque "não quero o Brasil identificado com protecionismo".

Também na quarta-feira, esta coluna (Protecionismo é o deles) criticou os dirigentes da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Fiesp, não só pelo jogo protecionista que querem fazer, mas também pela duplicidade de posição e atitudes em relação aos juros praticados no mercado.

Denunciam, com a contundência de que são capazes, os juros básicos (Selic) definidos pelo Copom, hoje de 12,75% ao ano, mas não dizem uma só palavra contra os juros praticados pelos demais empresários (banqueiros ou não) no financiamento do capital de giro, no desconto de duplicatas, no cartão de crédito, no cheque especial, no financiamento pessoal e nas vendas a prazo, que chegam a ultrapassar os 100% ao ano.

Na condição de presidente da CNI, o empresário Armando Monteiro Neto rechaça "de forma veemente" o conteúdo da coluna. Ele afirma que nunca defendeu as medidas protecionistas que o Ministério do Desenvolvimento tentou implantar. E que foi o primeiro a qualificá-las como "trapalhada".

E enumera vários documentos oficiais em que a CNI afirma e reafirma seus compromissos com a desburocratização, com a competitividade e com o cumprimento das obrigações dos empresários perante o Fisco.

Mas Monteiro Neto não refutou a crítica de que os dirigentes das entidades que representam os empresários se omitem na condenação dos juros cobrados do tomador de crédito, talvez porque o comércio e a indústria, portanto também os empresários, cobram dos seus clientes, ou do próprio consumidor final, escancarada ou disfarçadamente, juros equivalentes aos cobrados pelos bancos.

Esses juros ou estão incorporados ao valor da fatura ou já integram o preço final à vista, pagável em várias prestações mensais "sem juros".

Crise: "Não temos recessão, mas retração do crescimento", diz Lula

Já não é “marolinha”
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O presidente Lula disse, no Fórum Social Mundial, em Belém, que a crise "já está chegando ao país".

"Ela vai chegar, e já está chegando, porque as exportações estão caindo. A China, que crescia a 13% ao ano, talvez cresça 5% ou 6% neste ano. A Índia está tendo problema. Nos EUA já tem recessão, na Europa já tem recessão. Aqui, graças a Deus, nós ainda não temos recessão, nós temos uma retração do crescimento", disse o presidente na noite de anteontem.

"Eu acho que a crise é mais grave e nós não conhecemos o fundo dela ainda."

O Brasil precarizado

Marcus Orione Gonçalves Correia
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

ALGUNS AFIRMAM que a terceirização seria a solução para o desenvolvimento econômico, já que diminuiria o chamado "custo Brasil" e consolidaria um país mais competitivo. Menciona-se, ainda, seu potencial para gerar postos de trabalho. A falácia é visível.

A terceirização traz prejuízos não somente ao trabalhador mas também à sociedade e à empresa que a adota.

Para o trabalhador, os prejuízos são os mais óbvios. Promove o sucateamento do valor de seu trabalho, além de diminuir a sua proteção jurídica perante o tomador do serviço. Na verdade, gera postos de trabalho em condições menos dignas.

A terceirização implica técnica de descentralização gerencial da atividade, com o natural descolamento da atividade terceirizada da administração direta da empresa que a adota.

Isso acarreta maiores possibilidades da deterioração da qualidade do serviço prestado, o que afeta não só o seu consumidor, mas a própria imagem empresarial. Recorde-se, ainda, a responsabilidade da empresa que terceiriza parte da atividade perante aquele que utiliza o serviço, que poderá, em vista de prejuízos experimentados, buscar indenizações.

Em jogo se encontra o próprio conceito de eficiência. Uma empresa composta por empregados que "vestem a sua camisa" será mais apta a obter melhores resultados dos pontos de vista da quantidade e da qualidade da produção.

Não olvidemos, por fim, que as empresas tomadoras dos serviços terceirizados são responsáveis solidariamente por certos débitos fiscais, como os previdenciários. Logo, mesmo a questão da diminuição dos custos é questionável.

Em tempos de crise, sempre se propugnam como soluções as mais diversas medidas de flexibilização, uma espécie de panaceia para todos os males, inclusive para o desemprego. Nesse contexto é que se situa a terceirização. No entanto, há que se desfazer de certos mitos que gravitam em torno dessas medidas.

Primeiro, o custo do trabalhador brasileiro não é, como dizem alguns, um dos maiores do mundo. Os diversos direitos trabalhistas incidem sobre um dos menores salários médios mundiais. Não se deve, pois, comparar coisas distintas, sob pena de leviandade. A diminuição da proteção do trabalhador, por incentivo à terceirização, implica o aumento das desigualdades sociais existentes no país, antes de promover a sua inserção no mundo competitivo.

Segundo, crescimento econômico não traz necessariamente desenvolvimento social. Não há que priorizar um em detrimento do outro, sob pena da utilização de soluções que provoquem o aumento da concentração de renda e que, de transitórias, se tornem definitivas -como é o costume no Brasil quando se trata de deterioração dos direitos sociais.

Lembre-se que, neste momento de crise, em que se recorre ao Estado para solucionar o problema da falta de crédito, os países com maior vulnerabilidade são aqueles que mais desmantelaram sua rede de proteção social nos últimos anos (como a Inglaterra e os Estados Unidos).

Finalmente, quando são buscadas novas regulamentações, há que afastar o frágil argumento de que o direito deve acompanhar as mudanças sociais, generalizando hipóteses de terceirização para atender à necessidade de geração de postos de trabalho.

Ora, que o direito seja dinâmico é óbvio. No entanto, a função do direito é uma, e a da economia é outra, sendo ambas bem distintas.

A economia busca, na lógica da escassez, maximizar resultados a partir dos meios de produção. Nessa perspectiva, o trabalho tende a ser tratado como objeto. No direito, pelo contrário, o trabalho não pode ser destacado da proteção do homem que o presta, sob pena de transformar o sujeito, para o qual se volta, em mercadoria.

Logo, o direito não é o lugar para se resolverem os problemas da economia, sob pena de perda de seus fundamentos, assentados na preservação da dignidade da pessoa humana.

Marcus Orione Gonçalves Correia, 44, doutor e livre-docente pela USP, professor associado do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social e da área de concentração em direitos humanos da pós-graduação da Faculdade de Direito da USP, é juiz federal em São Paulo (SP).

Revendedoras terão financiamento de R$2,5 bi

Patrícia Duarte e Ronaldo D"Ercole
DEU EM O GLOBO

Pacote usará recursos do FAT para recompor capital de concessionárias de carros usados. Empresas não poderão demitir

BRASÍLIA e SÃO PAULO. Técnicos do governo estão preparando uma linha de financiamento para reforçar o capital de giro das revendedoras de veículos usados, que têm amargado quedas expressivas nas vendas nos últimos meses por causa da crise econômica. Os recursos, que virão do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do Banco do Brasil (BB), devem chegar a R$2,5 bilhões e serão repassados pelo próprio BB.

De acordo com os técnicos que estão trabalhando na iniciativa, o total de recursos do FAT está sendo discutido pelo BB com o Ministério do Trabalho. As duas instituições confirmaram ontem a preparação da nova linha de crédito.

De acordo com o Ministério do Trabalho, há cerca de duas semanas os representantes do setor estiveram com o ministro Carlos Lupi para pedir ajuda. Reclamaram que, com a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para carros novos, determinada recentemente pelo governo, os automóveis usados perderam competitividade. Com isso, as vendas caíram de forma acentuada. Argumentaram ainda que o risco de desemprego no setor era grande. Hoje, as revendedoras de veículos usados empregam cerca de 600 mil pessoas no país.

Lupi, ao negociar com o setor, acertou que haverá a garantia de manutenção de emprego em troca da ajuda. Existe a expectativa de até mesmo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciar a nova linha nas próximas semanas. A nova modalidade deverá contar com taxas de juros mais em conta e prazos de financiamento maiores. Os números estão sendo fechados.

Para o setor, medida vai tirar empresas da UTI

Pelo menos por enquanto, o governo descarta a possibilidade de colocar recursos para financiar a compra direta de carros usados, para incentivar o crédito junto ao consumidor final. A avaliação é que, com a ajuda para capital de giro das revendedoras, o segmento poderá respirar mais aliviado.

Desde o fim do ano passado, o governo vem estudando medidas para ajudar o setor de carros usados, justamente por causa da queda nas vendas de veículos.

Já o presidente da Federação Nacional das Associações dos Revendedores de Veículos Automotores (Fenauto), Ilídio Gonçalves dos Santos, afirmou ontem que a criação pelo Banco do Brasil da linha de crédito especial de R$2,5 bilhões é urgente e essencial para tirar o setor da UTI. Segundo ele, o dinheiro virá não apenas de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), mas ainda do caixa do próprio Banco do Brasil.

- Está tudo muito bem encaminhado. Faltam algumas tratativas técnicas, como a definição das taxas de juros e dos prazos - afirmou o presidente da Fenauto.

Venda de usado caiu 30% desde outubro, diz Fenauto

Ao contrário do que afirmam as fontes do Ministério do Trabalho, Santos disse que o BB deverá oferecer duas linhas distintas de financiamentos ao setor: uma para recompor o capital de giro das cerca de 40 mil lojas de carros usados existentes no país, e outra especifica para financiar as vendas.

- O preço dos usados caiu 30% desde outubro, e vendemos nossos estoques por um preço muito menor do que pagamos, Dessa forma, não temos como comprar carros - justificou o presidente da Fenauto.

A expectativa, continuou, é que o BB anuncie as novas linhas na próxima semana.

- Acredito que sejam lançadas já na semana que vem, porque os lojistas estão na UTI - afirmou.

CUT e empresários pedem corte de impostos

Adauri Antunes Barbosa, Liana Melo e Ronaldo D"Ercole
DEU EM O GLOBO


Proposta encaminhada a União e 8 estados beneficiaria setor de máquinas. Vale fecha acordo com 8 sindicatos

SÃO PAULO e RIO. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM) e a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) vão pedir aos governos federal e de vários estados isenção por quatro meses do pagamento de impostos como ICMS, IPI e PIS/Cofins para o setor de máquinas e equipamento. A proposta visa a evitar demissões no setor, onde as encomendas registram queda de 35%. Desde outubro, as indústrias de máquinas e equipamentos já demitiram 8.300 trabalhadores, pelas contas da confederação.

Com o alívio tributário, a Abimaq alega que poderá reduzir em 20% o preço final dos equipamentos e atrair mais compradores. E compromete-se a manter os cerca de 240 mil empregados do setor atualmente. Além do governo federal, o acordo será proposto para os governadores de São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais, Espírito Santo e Pernambuco.

Subiu para oito o número de sindicatos da Vale que aceitaram a proposta de licença remunerada da empresa. A última adesão ocorreu ontem, atingindo assim um universo de 17.800 empregados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Pará. Os sindicatos mineiros de Itabira e Inconfidentes ainda estão analisando a proposta, mas já indicaram que não vão aceitá-la.

- Se a empresa está em dificuldade financeira por causa da crise, como pode pagar US$1,6 bilhão à anglo-australiana Rio Tinto por duas novas minas? - criticou Paulo Soares, presidente do Sindicato Metabase de Itabira, comentando que "a empresa está aproveitando os preços baixos dos ativos para crescer".

Com a licença remunerada, a Vale se compromete a pagar 50% do salário, além de garantir o piso de R$856 previsto no Acordo Coletivo de Trabalho, e não demitir até 31 de maio. Foi no último dia 22 que a Vale apresentou formalmente a proposta de licença remunerada, depois de demitir 1.300 empregados e dar férias coletivas a outros 5.500 funcionários.

Ontem, os funcionários da fabricante de autopeças Samot aprovaram acordo de redução da jornada de trabalho (20%) e de salário (15%) com o compromisso da empresa de não demitir por 180 dias. Foi o quarto acordo desse tipo aprovado esta semana por trabalhadores de empresas da base do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, ligado à Força Sindical.

Bolsas & famílias

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Quando o governo ampliou o Bolsa Família, entendeu-se como gastança federal. Quando o BNDES comprou ações da Aracruz e da Votorantim, entendeu-se como medida contra a crise. Com a primeira decisão, o governo vai gastar meio bilhão de reais e beneficiar 1,3 milhão de famílias pobres; com a segunda, está gastando dois bilhões e meio de reais para beneficiar quatro famílias ricas.

No primeiro caso, o governo está incluindo no programa quem tem renda familiar de R$137 per capita por mês. No segundo caso, é impossível calcular a renda familiar dos beneficiados. O grupo Votorantim, da família Ermírio de Moraes, e a Aracruz, das famílias Lorentzen, Almeida Braga, Moreira Salles e Safra, fizeram maus negócios na aposta no mercado futuro de câmbio. Perderam muito dinheiro.

O BNDES financiou a compra da Aracruz pela Votorantim e ele mesmo comprou um bloco de ações, pagando acima da cotação de mercado. No dia seguinte, o valor das ações caiu mais e os avaliadores de risco deram às ações perspectiva negativa. Sinal de que era um mau negócio e que a junção das duas empresas havia criado outra muito endividada, à qual o BNDES se juntou como um dos donos.

Os grupos em questão têm muitos ativos que podem vender, e, com isso, sair da encalacrada em que entraram. Tanto é que a Votorantim, ontem mesmo, vendeu para o grupo Camargo Corrêa, por R$2,6 bilhões, a participação que tinha na CPFL, num negócio que será quitado por capital próprio e captação da Camargo junto ao mercado privado. Outros negócios ocorrerão neste momento de crise.
A Votorantim saiu da CPFL porque não quer focar em energia; a Camargo comprou porque quer focar em energia. Se o BNDES for menos paternalista, se o governo parar de usar o Banco do Brasil e a Caixa para ajudar empresas, o mundo empresarial fará sozinho boas reestruturações de negócios neste momento de crise. O BNDES entrou na Votorantim-Aracruz porque temia que a Aracruz fosse comprada por uma empresa estrangeira. Qual o problema se fosse?

No Brasil há quem se escandalize cada vez que aumenta o gasto com os pobres, e não faz conta alguma do que o Estado gasta com subsídios aos ricos. Os empréstimos do BNDES são com taxas de juros mais baixas do que as pagas pelo Tesouro para se financiar. Há um gasto do Tesouro implícito.

O Bolsa Família não é entendido nem por quem o faz. Tem sido temido pela oposição, que vê nele a razão da popularidade do presidente Lula. Tem sido defendido pelos petistas, pela mesma crença. É criticado por quem acha que esse dinheiro está sendo subtraído da educação. É atacado por falsos fiscalistas, que não veem os grossos volumes de dinheiro que saem pelos muitos ralos que subsidiam os ricos no Brasil. É desmoralizado por quem, no governo, acha que a exigência de contrapartida e a fiscalização podem ser negligenciadas.
Foi criticado pelo ministro Mangabeira Unger, com argumentos espantosos, preconceituosos e elitistas. Falando dias atrás ao repórter Bernardo Mello Franco, deste jornal, ele revelou que pensa que os pobres preferem ser pobres, teriam a cultura do "pobrismo" e que o programa deveria se concentrar nos "batalhadores", aqueles que estão às portas da classe média: "O ponto nevrálgico é escolher corretamente o alvo.
Muitas vezes tenta-se abordar o núcleo duro da pobreza com programas capacitadores, e aí não funciona. Populações mais miseráveis são cercadas por um conjunto de inibições, até de ordem cultural, que dificulta o êxito desses programas", disse o ministro, que depois tentou dizer que foi mal interpretado.

Na visão do nosso ministro do sei-lá-o-quê, como o define Elio Gaspari, o governo deveria direcionar os recursos do Bolsa Família aos quase-classe média, os "pobres viáveis". Faltou completar o raciocínio e dizer o que deve ser feito com os pobres e miseráveis brasileiros.

Os pobres deveriam ter preferência no dinheiro público. Nunca tiveram, nem mesmo agora. Uma rede de proteção social é ação civilizatória. Mas os avanços dos estudos das políticas sociais já provaram que melhor é construí-la não como um fim em si, mas como um meio de pavimentar o caminho para a mobilidade social através da educação.

Não há conflito entre recursos para o Bolsa Família e recursos para a educação. Recentemente, conversei com uma professora de alfabetização do ensino público do Espírito Santo. Ela dá aulas na parte mais pobre de Vitória, e lá 70% das crianças estão no Bolsa Família. O programa tem foco.

O erro do lulismo é que mesmo com o mérito de ter ampliado o antigo Bolsa Escola para o Bolsa Família, no fundo, vê o programa como arma eleitoreira. A maneira correta de fazer essa transferência do dinheiro dos impostos aos mais pobres seria a mais impessoal possível, não como um favor paternalista de uma espécie de "pai dos pobres", mas como direito do cidadão.

Milhões desses pobres jamais serão absorvidos no mercado de trabalho. Não por culpa deles, ministro Mangabeira, mas pelos erros do país que os relegou ao analfabetismo e à privação crônica. Os filhos deles, no entanto, têm muita chance. Se persistirmos.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Imprensa que gamo

Coluna Ancelmo Gois
DEU EM O GLOBO


Trecho da marchinha do Bloco da Associação das Donas de Casa de Honório Gurgel, no Rio, de autoria de dona Zuleika de Souza, de 82 anos:

Seu presidente, não me leve a mal

Não acredito que o senhor não lê jornal...

ANISTIA PARA A ITÁLIA

EDITORIAL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para o ministro da Justiça, Tarso Genro, "não existe crise entre Brasil e Itália". Mas, mesmo não enxergando qualquer dificuldade diplomática que tenha surgido entre os dois países, mesmo não dando importância alguma ao fato de o embaixador italiano no Brasil ter sido chamado a Roma - o que na linguagem da diplomacia indica grave contrariedade de um país a atitudes tomadas por outro - e mesmo se sentindo inteiramente respaldado pela decisão que o Supremo Tribunal Federal (STF) haverá de tomar, contra a extradição de Cesare Battisti - no que se revela verdadeiro "profeta judicial", capaz de saber por antecipação o que decidirão os membros do Pretório Excelso -, nosso ministro da Justiça dá mostras de ter descoberto a causa original de toda a, digamos, frustração italiana, exacerbada pelo affaire Battisti: é que, ao contrário do que houve no Brasil, a Itália não contou, até agora, com uma lei de anistia (!!!).

Tentando "esfriar a crise" (para ele inexistente), no que obedece à orientação do presidente Lula - para quem a melhor coisa a fazer para superar o entrevero diplomático é adotar, unilateralmente, a postura de "fim de papo" -, Tarso Genro se dispõe a oferecer aos italianos sua reflexão jurídico-sociológica sobre o problema que sofre o país europeu, quanto à forma de lidar com o terrorismo havido em seu território na década de 1970. Disse ele: "Acho que esse, realmente, é um caso doloroso para a sociedade italiana. Como a Itália não teve uma lei de anistia, essas graves questões, dos anos 70, ainda não são cicatrizadas."

Que este seja um "caso doloroso" para a sociedade italiana não resta a menor dúvida. Só que parece, no mínimo, uma impertinência uma autoridade governamental de outro país, que contribuiu gratuitamente para agravar essa dor - a não ser que não se considere gratuito o que tem motivação ideológica -, fazer interpretações como as perpetradas pelo ministro Genro.

Cada vez se torna mais claro que a concessão de refúgio ao criminoso italiano Cesare Battisti se deu por motivação "partidária e ideológica", como a avaliou o professor Roberto Romano: "Neste episódio, como tem sido a norma no governo Lula, o Brasil abriu mão de sua tradição diplomática. O Itamaraty sempre teve pauta independente do presidente, sobretudo de sua ideologia. Em vez de diplomacia, houve atuação partidária em escala internacional."

Com efeito, se houvesse uma preocupação apenas técnico-jurídica em tratar do caso de um condenado de país estrangeiro (uma plena democracia, sempre é bom lembrar), que cometeu quatro homicídios entre 1978 e 1979, que já estava preso por delito comum quando foi cooptado pelo movimento Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), e em razão dos assassinatos recebeu pena de prisão perpétua, o Ministério da Justiça brasileiro deveria atentar para a decisão insuspeita da Corte Europeia de Direitos Humanos (de Estrasburgo) que validou de modo inquestionável aquela condenação, por decisão unânime, prolatada em 12 de dezembro de 2006 - confirmando ter sido respeitado o devido processo legal, a defesa regular do réu, por advogados, assim como seu conhecimento de todos os procedimentos judiciais (mesmo sendo revel).

Não se contentando em recusar qualquer hipótese de rever a decisão tomada de conceder status de refugiado a Cesare Battisti (o que lhe é de direito), o ministro Genro vai além: quase chega a aconselhar aos italianos que façam uma lei de anistia (como fizemos), no que compara o sistema de governo italiano pós-fascismo ao da ditadura militar (que tivemos).

Por outro lado, referindo-se a essa sua polêmica decisão, assevera: "Agora, o Supremo vai decidir quais os efeitos dessa decisão, mas não é o caso de examinar o mérito, e, sim, a constitucionalidade da norma que outorga ao ministro o direito de conceder refúgio e interrompe o processo de extradição." Quer dizer, o ministro Genro já delimita a órbita de atuação do STF, no caso, desqualificando-o para um eventual julgamento de mérito.

Percebe-se, assim, que a generosidade dos doutos ensinamentos do jurista Tarso Genro não se restringe a aconselhamentos de lege ferenda a uma democracia europeia (à qual propõe uma lei de anistia), mas estende-se à mais alta corte de Justiça de nosso País, instruindo-a sobre como e o que deve julgar...

Pelo método mais confuso

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O PSDB está mais ou menos na situação do PT na fase final do governo Fernando Henrique Cardoso: na mira. Tudo o que o partido faça é analisado sob a ótica da possibilidade real do poder futuro.

Daí a importância crescente de todas as decisões tucanas nos próximos dois anos. A posição do PSDB nas eleições das presidências da Câmara e do Senado, evidentemente, se inclui nesse critério de rigoroso esquadrinhamento.

O que seria razoável esperar de um partido que ocupou a Presidência da República por oito anos, tem dois candidatos a presidente, um deles em primeiro lugar nas pesquisas? No mínimo, que se dirigisse ao respeitável público de maneira respeitosa, com clareza e consistência.

Faltando quatro dias para a escolha do presidente do Poder Legislativo (Senado) e do segundo na linha de sucessão da Presidência da República (Câmara), o partido que pretende governar o País não sabia dizer se preferia Tião Viana ou José Sarney na presidência do Senado e por quê.

Decidiu-se por Viana em cima da hora, na noite de ontem e sob um argumento que deixa o partido a léguas de distância da assertividade necessária ao papel que se propõe assumir.

No lugar de uma posição, o PSDB apresentou uma lista de obviedades a título de "compromissos" para, no dizer de suas lideranças, orientar os votos do partido.

Os tucanos pediam que ambos os candidatos se comprometessem com a rejeição de propostas que permitam mais de uma reeleição, que respeitassem os direitos das minorias no Legislativo, que observassem o rodízio partidário nas relatorias de medidas provisórias e mais nove pontos cuja inutilidade mais eloquente era a firme demanda por recusa "sumária" de MPs que não sejam urgentes nem relevantes.

Admitindo que o partido tenha se arrependido de, quando governo, ter aceitado as MPs como vinham do Palácio do Planalto, ainda assim fica a dúvida se a proposta de tais compromissos é fruto de ingenuidade ou puro gosto pela ambiguidade.

De acordo com os tucanos que anunciaram o apoio a Tião Viana, Sarney não foi firme o suficiente na assinatura dos compromissos. Isso quer dizer que no PSDB não se decidiu por escolha, mas por exclusão. É um jeito de fazer as coisas. Tortuoso.

A ala do PMDB que passou o primeiro mandato de Lula todo na oposição e depois, saudosa do poder, aderiu pensou no mesmo estratagema.

Justificou a virada dizendo que o governo Lula havia aceitado suas condições: reformas política e tributária; crescimento econômico acima de 5%; contenção dos gastos correntes; consolidação das políticas de transferência de renda; renegociação das dívidas dos Estados; fortalecimento da Federação, e acompanhamento das ações de governo por intermédio de um conselho político.

O governo não cumpre, o PMDB não cobra e o PSDB nem se dá ao desfrute de ser original.

À brasileira

Instalada a confusão desnecessária, o presidente Luiz Inácio da Silva quer resolver o conflito com a Itália pelos critérios locais aplicados ao esfriamento de denúncias e escândalos em geral.

Determinou recolhimento e silêncio - ordem que evitaria muitos problemas alcançasse de quando em vez o ministro da Justiça, Tarso Genro - sobre o refúgio concedido a Cesare Battisti na esperança de que o "fim de caso" por decreto leve o episódio ao esquecimento e à aceitação tácita como frequentemente ocorre por aqui, sendo o exemplo mais recente o dos atletas entregues mediante rito sumário à ditadura cubana.

Isso na seara de asilos e refúgios, porque em outras áreas há ectoplasmas antigos rondando por aí: o caso Waldomiro Diniz, o dossiê FHC, os grampos telefônicos ilegais que assolaram a capital federal, fizeram um estágio em condenação temporária da Abin e terminaram com prêmio de consolação em Lisboa.

Em setembro, como faz agora, o presidente Lula mandou dizer que considerava os grampos "assunto encerrado" quando a questão começou a se complicar em virtude da reação do Exército e da Polícia Federal à denúncia do ministro da Defesa, Nelson Jobim, sobre a aquisição ilegal de equipamentos de escuta por parte da Abin.

Deu certo. Depois de alguma turbulência, a história saiu de cena. Mas, quando as coisas envolvem outro país, com critérios diferentes e disposição de recorrer a todos os expedientes, diplomáticos e políticos, para obter do Brasil uma retratação ao que os italianos consideram uma afronta à sua Justiça, sua democracia e suas circunstâncias internas, a passividade tática não basta. Há a vontade e o interesse do outro em jogo.

Ignorado na decisão do ministro da Justiça, em sua posição favorável à extradição do italiano, o Itamaraty certamente atua no bastidor, retomando a condução de um problema que, embora a lei confira a prerrogativa de decisão do ministro, o bom senso não dispensaria o aconselhamento diplomático.

Presidentes celebram colapso do neoliberalismo


Soraya Aggege e Maiá Menezes
DEU EM O GLOBO


Em evento do qual Lula foi excluído, Chávez, Morales, Correa e Lugo pedem atuação unificada da América Latina

BELÉM. Identificados como o bloco da verdadeira esquerda sul-americana por parte dos movimentos sociais, os presidentes Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e Fernando Lugo (Paraguai) celebraram ontem o "colapso do neoliberalismo de Davos", em referência ao encontro que reúne a nata do capitalismo nos Alpes suíços nesta mesma época. Os presidentes afinaram o discurso e deixaram um recado claro para os participantes do Fórum Social Mundial (FSM): é preciso unificar a América Latina para enfrentar a crise econômica. Aproveitando o palanque. pediram ainda apoio da esquerda mundial para seus governos.

Eles participaram ontem de um debate organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Via Campesina, do qual foi excluído o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula chegou a Belém no início da tarde e aguardou os colegas em um hotel, onde se reuniu com eles para discutir a crise global e temas coincidentes entre os países. Depois, seguiram juntos para um debate público no Fórum, que começou pouco depois das 22h.

No debate com o MST, Correa logo no início deu o tom, afirmando que "o neoliberalismo é um sistema perverso que entrou em colapso". O equatoriano disse ainda que o Fórum Social é parte da solução de que o mundo precisa.

Chávez afirmou que o Fórum precisa passar das trincheiras da batalha para a ofensiva:

- O FSM deve mudar sua ordem estratégica, porque estamos em momentos de ofensiva, não em momentos de trincheiras.

Correa foi enfático:

- O FSM é parte da solução para a crise. Oxalá a alternativa venha agora deste Fórum na América Latina.

Chávez diz que "a saída está no socialismo"
Ainda no debate, chamado "Perspectivas da Integração Popular da América Latina", os presidentes fizeram inúmeros ataques ao "imperialismo americano". Chávez chegou a propor um julgamento internacional do ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush, por seus supostos crimes contra a Humanidade. Ao mesmo tempo, o guerrilheiro Che Guevara foi celebrado. A filha dele estava presente ao debate.

Com o novo presidente dos EUA, Chávez foi mais cauteloso:

- Estaremos à espera, observando, a atuação do novo governo dos Estados Unidos, que tem um problema muito grave dentro das suas fronteiras: a crise econômica. Mas o império ainda está intacto, e o presidente (Obama) já disse que Chávez é um obstáculo.

Em entrevista a jornalistas, ele foi ainda mais direto:

- Temos de aplaudir a decisão de Guantánamo, mas Obama precisa devolver a área, porque Guantánamo é do povo de Cuba. Obama poderia retirar as tropas de lá, dar algum sinal.

Fernando Lugo, eleito no Paraguai no ano passado, saudou os movimentos camponeses e indígenas, graças aos quais "a América Latina vive um momento de mudanças".

Mas ele aproveitou o Fórum para, em outro evento, adiantar sua agenda com o presidente Lula. Lugo vai voltar a pedir a revisão do tratado de Itaipu:

- Não cremos que um tratado leonino, firmado num tempo de ditaduras em nossos países, possa continuar em vigência. Ele (Lula) não pode dizer que não são justas as reivindicações de mudanças no tratado - disse Lugo.

Morales também se solidarizou com os sem-terra e os indígenas e admitiu que pode cometer erros, mas prometeu jamais abandonar "a luta contra o imperialismo americano".

Lula fala de "deus mercado" e "deus Estado"

No evento da noite, Morales foi o primeiro a falar a um público estimado em dez mil pessoas, no Centro de Convenções do Hangar. Ele listou pontos que considera importante o Fórum Social discutir, como o fim do embargo a Cuba. Lula, que seria o último, foi alvo de um protesto de militantes de esquerda, que gritaram para o presidente que o capitalismo acabou.

Convocados a falar sobre temas que variaram das questões indígenas na Pan-Amazônia à crise internacional, por cinco representantes de movimentos sociais, Morales, Correa, Lugo e Chávez aproveitaram o palanque para, em uma repetição do encontro da manhã, criticar os neoliberais. Chávez foi aplaudido entusiasticamente em sua fala - um discurso curto -, no fim da noite.

- Se não matarmos o capitalismo, o capitalismo acaba com os povos. Estamos vivendo um momento de crise do capitalismo global e a saída está no socialismo - disse Chávez.

Já Correa criticou o Fórum de Davos:

- Os causadores da crise se encontram para tentar nos dar lições.

Em discurso improvisado, o presidente Lula afirmou que houve uma época em que a sociedade apelava para o que ele chamou de "deus mercado", dizendo que no mercado estava a solução para todos os problemas do país. Segundo ele, o curioso é que as empresas hoje apelam para o "deus Estado". Sobre o Fundo Monetário Internacional (FMI), comentou:

- Espero que o (presidente Barack) Obama diga ao FMI como ele tem que tratar os países pobres.

Governo e PT ocupam o Fórum para reaproximar Lula dos grupos sociais

DEU EM O GLOBO

Executivo federal enviou 200 servidores e gastou R$77,5 milhões

BELÉM. A popularidade em baixa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre setores dos movimentos sociais motivou um desembarque dos governos federal e do estado do Pará e de líderes do PT no Fórum Social Mundial (FSM). Além de Lula em pessoa e 12 ministros, ao menos 200 servidores federais participam da nona edição do evento, com objetivo de recuperar o apoio dos grupos que historicamente eram próximos ao presidente.

Juntas, essas três forças aliadas atuam em cerca de 140 atividades do FSM, o equivalente a 10% dos eventos de cunho político. Os gastos do governo com as despesas dos servidores, montagem de espaços físicos e viagens não foram divulgados.

O governo do Pará, comandado pela petista Ana Júlia Carepa, informa que o Executivo federal investiu aproximadamente R$120 milhões. Seriam R$77,5 milhões de acordo com a Secretaria-Geral da Presidência, que diz não ter ainda números exatos. Parte das obras beneficiará a população de Belém após o Fórum.

Governo faz propaganda de ações sociais no evento

Segundo fontes, os investimentos são estratégicos para Lula. De um lado, o presidente sente necessidade de uma reaproximação com a esquerda mundial. De outro, ele quer fazer dos movimentos sociais aliados no enfrentamento da crise econômica, pois sabe que a tendência agora é de acirramento da esquerda.

O mapeamento das áreas mais críticas do governo diante do FSM foi preparado em 2008.

Desenvolvimento Agrário, Desenvolvimento Social, Meio Ambiente, Justiça, Direitos Humanos, Casa Civil e Secretaria-Geral são considerados os mais estratégicos dentro do FSM.

As organizações cobram de Lula ações principalmente em meio ambiente, reforma agrária e obras. Mas o apoiam nas polêmicas ligadas ao Ministério da Justiça e à Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

O governo também apela à propaganda. Milhares de revistas começaram a ser distribuídas ontem, informando que "o Bolsa Família melhora a vida de 46 milhões de pessoas" e que a União investe em educação e jovens pobres, multiplicou por cinco os recursos da agricultura familiar e devolveu aos índios a Raposa Serra do Sol. (Maiá Menezes e Soraya Aggege, enviadas especiais).

A onda que virá, nas eleições de 2009

César Felício
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Já foi suficientemente demonstrado como a política na América Latina move-se por ciclos. Houve a era de Getúlio, Cárdenas e Perón, o tempo em que Videla, Pinochet e Geisel mostravam a direção; a era da inflação e a das políticas neoliberais. Para meditar sobre o 2010 no Brasil, convém pensar no 2009 dos vizinhos.

Realizam eleições presidenciais este ano Chile, El Salvador, Honduras, Equador, Bolívia e Uruguai. Fazem eleições legislativas Argentina e México. E mais um referendo irá sacudir a Venezuela. Há um liame entre quase todos estes processos eleitorais: onde não há a perspectiva de reeleição presidencial no horizonte, a oposição tem claríssimas chances de vencer. Onde o presidente entra em campo, o favoritismo é da situação. Daí um fator que propulsiona, afora egocentrismo e pendores autoritários, a busca por terceiros e quartos mandatos.

A crise econômica global apanhou quase todos os presidentes latino-americanos em um momento de popularidade alta, ou com viés de crescimento. Segundo dados da empresa de consultoria mexicana Mitofsky, coletados entre novembro de 2008 e janeiro deste ano, a aprovação presidencial supera 70% na Colômbia, no Equador e no Brasil. Fica entre 50% e 70% na Venezuela, México, Paraguai, Bolívia e El Salvador. É intermediária no Chile, Uruguai, Panamá, Guatemala e Costa Rica. Entra na zona da impopularidade, abaixo de 40%, apenas na Argentina, Nicarágua, Honduras, República Dominicana e Peru. Se as dificuldades geradas por desemprego e depressão tendem a atingir presidentes com muito prestígio popular para queimar, favorecem também a oposicionistas aparecerem como homens ou mulheres providenciais, sobretudo quando o mandatário sai de cena.

Rafael Correa tende a ter uma reeleição tranquila no Equador no próximo mês e Chávez mais uma vez joga seu destino na Venezuela, com o plebiscito da reeleição indefinida. O autoritarismo inerente em Chávez é tão evidente quanto a falta de perspectivas de seu grupo em produzir um sucessor. A derrota do chavismo em Caracas e Maracaibo, nas eleições regionais do ano passado, só atestaram este distanciamento entre o líder máximo e seu grupo político. Assim como Evo Morales deverá triunfar nas eleições presidenciais de dezembro na Bolívia. Caso não tivesse obtido no referendo deste mês o direito de concorrer novamente, qual seria o destino das forças que o apóiam?

Nos lugares onde a reeleição é impossível por determinação legal ou circunstâncias políticas, sobressai uma oposição conservadora, com uma única exceção: El Salvador. Lá, o atual presidente, o direitista Tony Saca, é tão popular quanto Evo Morales na Bolívia, mas quem deve ganhar a eleição presidencial em março é o esquerdista Mauricio Funes, da FMLN.

No México, o presidente Felipe Calderón enfrenta problemas de criminalidade e crise econômica. Seu prestígio em pesquisas de opinião não se transfere para seu partido, o PAN. Quem deve capitalizar esta situação, ganhando as eleições legislativas, contudo, não é o PRD do esquerdista López Obrador, batido nas eleições presidenciais de 2006, mas o velho PRI, que governou o País por décadas. Desde fevereiro do ano passado, o PRI tornou-se a sigla favorita dos mexicanos, ultrapassando o PAN e o PRD. Os mexicanos parecem querer mudar, sem ousar pela esquerda.

É o mesmo caso do Chile. Depois de Michelle Bachelet, mulher e socialista em um dos países mais conservadores do continente, o favorito para a eleição do final do ano é Sebastian Piñera, ligado ao pinochetismo. Acusações difusas de corrupção e de inabilidade política derrubaram a popularidade da presidenta, mas seu prestígio recuperou-se. Há pesquisas locais que a colocam acima de 50% de aprovação. Mas a Concertacão, que reúne socialistas e democrata-cristãos, tende a perder. "Bachelet não conseguiu cristalizar a renovação. Hoje são figuras de longa trajetória política, como o ex-presidente Eduardo Frei e o ex-chanceler José Miguel Insulza, que disputam a indicação governista. Depois de 19 anos de governo, a Concertação não se renovou", comenta o cientista político argentino Manuel Balán, pesquisador da Universidade de Austin, no Texas.

É o mesmo drama no Uruguai. A Frente Ampla do presidente Tabaré Vasquez está dividida entre as candidaturas do ex-guerrilheiro José Mujica e do ex-ministro da Fazenda Danilo Astori.

Em um segundo turno, tende a perder para os blancos, do conservador Partido Nacional. O continuísmo surge como solução para uma facção governista, que tenta coletar 220 mil assinaturas até meados do ano para conseguirem emplacar um plebiscito criando a reeleição. "A candidatura impossível de Tabaré significaria um triunfo seguro, além de gerar um consenso no interior do governismo. Não existe uma personalização da política uruguaia, ainda que o carisma de Vázquez seja altíssimo, senão a necessidade de garantir a continuidade de projeto governamental", comenta Diego Raus, cientista político da Universidade de Buenos Aires.

O quadro na Argentina é o mais nebuloso. Cristina Kirchner navega na impopularidade no momento em que a metade da Câmara e o terço do Senado irá se renovar. E dos 127 deputados que vencem o mandato, 62 são kirchneristas puros, eleitos em 2005, momento em que o kirchnerismo estava no auge. É altamente provável que a base de apoio de Cristina torne-se ainda mais estreita. Caberá ao seu marido e líder, o ex-presidente Nestor Kirchner, um passo arriscado: ele poderá encabeçar a lista dos peronistas na Província de Buenos Aires, que responde por 35 vagas a renovar. Destes, 20 apóiam o governo atualmente. "Se a base cair, começa a discussão do pós-kirchnerismo", comenta Balán. Difícil é pensar para onde a Argentina penderia. Não há partidos de oposição a Kirchner, apenas lideranças isoladas, que apenas começam a conversar entre si. "São acordos que estão longe de serem políticas de alianças programáticas e estáveis", diz a cientista política Dolores Rocca, da Universidade Gino Germani.

"Os custos para o governo nas eleições não serão mais altos pela debilidade da oposição, uma situação que se arrasta desde 2003", aposta Raus.

César Felício é repórter de Política. A titular da coluna, às sextas-feiras, Maria Cristina Fernandes, está em férias

Começou a onda oposicionista: Lula encontra Evo, Chávez e Lugo e diz que ''deus mercado quebrou''

Leonencio Nossa, BELÉM
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Presidente defende rediscussão do sistema financeiro internacional em reunião com colegas na capital paraense

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva avaliou ontem, ao participar do Fórum Social Mundial, na capital paraense, que governo não deve ceder a pressões por cortes de gastos nas áreas social e de infraestrutura para enfrentar a crise financeira.

A declaração foi feita em meio à polêmica gerada pela ampliação do programa Bolsa-Família ao mesmo tempo em que o governo anuncia um congelamento de gastos do Orçamento de 2009 que pode chegar a R$ 37 bilhões.

Aos ativistas reunidos em Belém - e aos outros quatro presidentes latino-americanos participantes do evento -, Lula disse que os países ricos não têm lições a oferecer no combate à crise que provocando aumento do desemprego e queda na produção em praticamente todo o mundo.

"Eles (os países ricos) tinham a solução para todos os nossos problemas e diziam o que tínhamos de fazer. Parecia que eles eram infalíveis e nós, incompetentes. Mas Deus escreve certo por linhas tortas, porque o ?deus mercado? quebrou", ironizou.

"Eles diziam que tínhamos de fazer ajuste fiscal, cortar gasto, fazer choques de gestão e mandar trabalhadores embora. É hora, na verdade, de investirmos, de colocarmos dinheiro nos setores produtivos", acrescentou Lula, aproveitando a ocasião para falar do plano de seu governo de promover a construção de 1 milhão de casas populares nos próximos dois anos.

O Fundo Monetário Nacional, uma das organizações internacionais mais criticadas pelos grupos participantes do fórum, foi alvo de ironias por parte do presidente. "Agora espero que o FMI diga para o nosso querido Obama como ele tem de consertar os Estados Unidos e que diga para os outros países ricos como eles têm de consertar a crise."

Lula fez uma retrospectiva de sua participação no fórum desde o primeiro encontro, em Porto Alegre, em 2001. Ressaltou que os organizadores e participantes do evento sempre fizeram sugestões na área financeira e econômica contrárias às apresentadas por especuladores e pelo chamado Consenso de Washington, que aplicava, nas suas palavras, cartilhas muito rígidas aos países pobres, inibindo o crescimento econômico.

"A gente dizia que outro mundo era possível", afirmou, se referindo ao slogan do fórum. "Agora dizemos que outro mundo é necessário e imprescindível."
O presidente ressaltou a necessidade de discutir a formação de "uma nova ordem econômica" mundial e destacou a importância do G-20 - grupo que reúne os chamados países emergentes - como palco desse debate. "O G-20 tem de discutir o controle do mercado financeiro."

Ao criticar a falta de regulação financeira internacional e as teses de diminuição do papel do Estado, Lula afirmou: "É o Estado que não prestava para nada que está colocando bilhões de dólares para consertar a economia. Agora eles fecharam a boca, porque quebraram por pura especulação."

Observado pelos presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, Evo Morales, da Bolívia, Rafael Correa, do Equador, e Fernando Lugo, do Paraguai, disse que a eleição deles representa uma nova correlação de forças no continente.

CRISE

Lula pretende aproveitar o fórum - e o público amplamente simpático às teses que defende - para destacar que seu governo promoveu e incentivou um importante mercado de consumo, formado por pessoas de baixa renda, que hoje contribui para amenizar os efeitos da crise econômica no País. Esse mercado foi levantado por programas de transferência de renda, como o Bolsa-Família, segundo destacou Lula em tópicos preparados antes do encontro, a cujo teor o Estado teve acesso.

O presidente também pretendia abordar na visita a Belém o problema da devastação da Amazônia. Em um dos tópicos do documento, ele destacou que é preciso um modelo de preservação sustentável da floresta. A área ambiental do governo, segundo avaliações do próprio Palácio do Planalto, é uma das mais deficientes da gestão Lula. Desde 2003, o governo não conseguiu apresentar uma política concreta para o setor.

O discurso de Lula foi feito no final da noite no seminário A América Latina e o Desafio da Crise Financeira Internacional. O presidente foi o último a discursar. Antes do seminário, contudo, Lula se reuniu com Chávez, Correa, Morales e Lugo, no Hotel Hilton. O encontro foi a portas fechadas.

Plateia petista aclama Dilma como candidata

Roldão Arruda, BELÉM
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Simpatizantes que lotavam auditório entoaram jingle eleitoral de Lula, mas com nome da ministra

Era para ser mais uma mesa-redonda, para discutir o papel da mulher na política. Mas na prática virou uma espécie de comício, em pleno Fórum Social Mundial. Assim que a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, adentrou o palco, apresentada como uma das debatedoras, os petistas que lotavam o auditório entoaram o jingle da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, agora com outro nome: "Olê, olê, olê, olá.... Dilmá, Dilmá..." E imediatamente engataram outro refrão de campanhas petistas: "Brasil! Urgente! Dilma presidente!"

O tema do debate, promovido pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, não poderia ser mais apropriado para a ministra, apontada como a preferida de Lula para sucedê-lo na Presidência. Logo na abertura, a governadora paraense Ana Julia Carepa, primeira mulher eleita para a chefia de um Estado sob a sigla do PT, saudou: "Estamos chegando a um momento muito importante da nossa República, o momento de termos uma mulher na Presidência."

Depois do debate, durante entrevista coletiva, Dilma respondeu se considera que o país está preparado para eleger uma mulher presidente. Disse que o povo brasileiro está preparado tanto para eleger uma mulher quanto um negro ou um índio. Antes da entrevista, ao discursar para a platia, ela já havia dito que "nosso país é tão democrático que um torneiro mecânico chegou à Presidência".

Ainda no discurso, a ministra lembrou o início de sua militância política, nos anos da ditadura militar, em organizações que pregavam a luta armada: "Fizemos a autocrítica, mas não mudamos de lado: continuamos ao lado do povo, dos trabalhadores."

Defendeu enfaticamente o governo: "Voltamos a colocar o desenvolvimento na ordem do dia, acabamos com a proibição que existia para essa palavra." E deteve-se de forma mais detalhada no Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, que está sob sua coordenação: "Não é só uma lista de obras, mas sim um plano de integração nacional."

Como estava em plena Amazônia, em um fórum destinado a discutir sua preservação, ela também falou sobre o assunto, afirmando que o governo considera a região estratégica para a construção e consolidação do Brasil como nação. Lembrou atividades que estão sendo desenvolvidas, como os programas destinados a reduzir o desmatamento.

Foi aplaudida em três ocasiões durante o discurso. Uma delas foi quando citou a crise econômica mundial, afirmando que, ao contrário do que teria ocorrido em governos anteriores, o do presidente Lula "tem instrumentos para combater a crise" e "para garantir o emprego, pois só com a garantia da renda é que se pode crescer".

No fim, de novo a plateia reunida num grande galpão, conhecido como Tenda dos 50 Anos de Vitória da Revolução Cubana, com uma estrutura de metal e lona, voltou a entoar os refrões da campanha presidencial. Na saída, durante entrevista coletiva, a ministra disse ter ficado comovida com o calor da plateia, mas que ainda não é candidata: "O presidente Lula ainda não conversou comigo a esse respeito. Não tem nenhuma questão colocada ainda, porque não houve essa conversa."

O repórter viajou a convite da Funai