sábado, 10 de janeiro de 2009

Assombração

Andrea Gouvêa Vieira
DEU EM O GLOBO


Nos últimos oito anos os moradores do Rio pagaram um preço alto pelas desavenças pessoais entre dois prefeitos: Cesar Maia e Luiz Paulo Conde. Ao retomar a prefeitura em 2001, Cesar Maia dedicou-se a desmantelar a obra de seu antecessor, sem avaliar o que havia de positivo na gestão do antigo aliado. Na verdade, destruindo sua própria obra, já que o sucessor era sua continuidade. Perseguiu funcionários públicos e fornecedores e implantou a política do "está comigo ou é meu inimigo". Instrumentos como as Apacs foram usados de forma revanchista. Onde o Favela-Bairro foi regido pela batuta da gestão Conde, o troco foram obras inacabadas.

As intervenções urbanísticas do Conde-secretário, que lapidaram a imagem do Cesar do Rio Cidade, do Favela-Bairro, do Rio Orla, da ordem e da eficiência administrativa, foram substituídas pela gestão político-eleitoral-familiar. Sem planejamento estratégico, apesar de ter elaborado dois, a cidade do "novo" Cesar assistiu à antropofagia executada pelo próprio autor.

É importante registrar esse ângulo da história política recente. Tal como fez com sua primeira ex-cria, o prefeito que sai já deu mostras de que não pretende deixar em paz o que entra. Como assombração.

Nada mais arriscado do que cair nessa armadilha. Os primeiros decretos de Eduardo Paes revelam a intenção de apagar alguns símbolos do governo de Cesar: trocar o laranja pelo brasão oficial do Rio e voltar a chamar secretaria de cultura e de habitação em vez de culturas e habitat pode parecer represália, mas de tão irrelevantes para a vida do cidadão sequer merecem atenção. Outras medidas, como o fim da aprovação automática nas escolas, são promessas de campanha e incluí-las no plano de governo é obrigação. Quem, em sã consciência, não suspenderia provisoriamente uma obra como a Cidade da Música, já sob investigação no Tribunal de Contas? Reiterar a proibição ao nepotismo e ao conflito de interesses públicos e privados demonstra o quanto foram traumáticas essas práticas na administração que se encerra. É um decreto salutar.

Mas no primeiro Diário Oficial do novo governo as mais importantes decisões passaram despercebidas. E é preciso cobrar a sua execução, porque é ali que o futuro se encontra. O prefeito acertou na mosca ao restabelecer através de decretos conceitos e práticas ausentes do dicionário municipal nos últimos oito anos: desburocratização, planejamento estratégico, indicadores, prioridades, metas e resultados, avaliação de desempenho com premiação aos bons gestores, pregões eletrônicos.

Soa como música aos ouvidos de quem acompanhou o faz-de-conta dos últimos orçamentos. A escolha de secretários vindos da área privada, como Eduarda La Roque, na Fazenda, e Hans Dohmann, na Saúde, e de outros estados, como Cláudia Costin, na Educação, revela a disposição de abrir a administração a novas idéias. Claro, há ainda um longo caminho entre as boas intenções e a sua execução. Ex-integrante do grupo político de Cesar, hoje seu desafeto, Paes deve entender que superar o mestre dos bons tempos é o melhor caminho para "desconstruir" o mestre do tempo das trevas. É, aliás, o único meio de não deixar a assombração voltar.

Andrea Gouvêa Vieira é vereadora no Rio (PSDB).

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