domingo, 18 de janeiro de 2009

A busca do acordo

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. A disputa entre conservadores e progressistas sobre os efeitos do New Deal, o programa adotado pelo presidente Franklin Roosevelt para tirar o país da Grande Depressão, e a comparação com o plano de recuperação econômica a ser adotado pelo futuro presidente Barack Obama é o centro da discussão nos Estados Unidos dias antes da posse. Não são apenas economistas considerados "de direita" como Amity Shlaes, autora do best-seller "O homem esquecido", que fazem uma revisão daquele período. Economistas da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), concluíram em um estudo de 2004 que as políticas intervencionistas de Roosevelt restringiram a capacidade da economia de se recuperar da crise mais rapidamente.

A criação de várias agências governamentais para administrar diversos setores da sociedade americana, criando empregos públicos de diversos níveis, como o controle de pontes federais ou fazendas públicas, gerou milhares de empregos públicos, mas também, segundo Shlaes, produziu uma estrutura burocrática dispendiosa e ineficiente.

Um exemplo citado no livro é a fazenda modelo Casa Grande, no Arizona, onde um grupo de empregados compreendeu rapidamente que, se não parassem de usar o modelo artesanal de tirar leite individualmente, não fariam com que a fazenda desse lucro.

Para cortar custos, propuseram a utilização de máquinas de tirar leite, e foram demitidos pelo administrador oficial da fazenda, com o argumento de que ele estava ali para defender o investimento governamental que objetivava a criação de empregos, e não o lucro da fazenda.

Um dos problemas detectados pela economista Amity Shlaes foi a produtividade negativa dos programas de infraestrutura criados pelo governo. Muitas vezes, novas estradas ou novos edifícios eram construídos, criavam empregos durante a construção, mas não representavam a melhor solução, pois eram orientados por interesses meramente eleitorais.

O governo Obama deparou-se com essa dificuldade no momento em que pediu que a segunda parcela do pacote de US$700 bilhões fosse liberada imediatamente pelo Congresso, o que afinal conseguiu. Mas os representantes republicanos reclamaram que não houve um acompanhamento sobre o resultado da utilização da primeira parcela, nem uma demonstração dos resultados obtidos.

Da mesma maneira que durante o governo Roosevelt, hoje há um clamor público pela regulamentação dos mercados financeiros, com um maior grau de controle e planejamento sobre as economias.

O governo Obama também já apresentou algumas normas que deverão ser aprovadas logo nos primeiro dias da nova administração, anunciadas durante a semana pelo ex-presidente do Fed Paul Volcker, que comandou um grupo de economistas nesse trabalho.

Algumas diretrizes que foram utilizadas nos anos 1930, e depois revogadas nos anos Reagan de desregulamentação, serão novamente adotadas, como a separação da atividade bancária tradicional e investimentos de mais riscos. As agências de avaliação de riscos, que falharam claramente ao não detectarem os problemas que estavam acontecendo, também terão que se separar das instituições emissoras de dívida, e os fundos de aplicação financeira, que formavam o que está sendo conhecido como um sistema bancário paralelo que funcionava fora dos limites da regulamentação bancária, terão que se submeter a novas regras de supervisão.

O editor do "New York Times" Adam Cohen, autor do livro "Nada a temer, o círculo íntimo de FDR e os cem dias que criaram a moderna América", um dos mais respeitados estudos da época, conta que resolveu escrever o livro em meio ao governo Bush, quando teve a sensação de que o processo de desregulamentação que estava em curso era uma "coisa perigosa", mesmo sem ter noção de que haveria a crise das hipotecas, contou em recente entrevista.

Adam Cohen acredita que algumas coisas do New Deal são fundamentais hoje, como a criação da rede de proteção social, e classifica de um sinal da era Bush a tentativa de privatizar a Previdência Social. Os conservadores, ao contrário, consideram que os gastos dos pacotes econômicos para debelar a crise só trarão mais problemas para a economia a longo prazo, provocando uma hiperinflação.

A tese prevalecente de que somente aumentando o déficit público será possível sair da atual situação, segundo essa visão oposicionista, fará com que trilhões de dólares sejam gastos nos próximos dois ou três anos, que somente poderão ser pagos de duas maneiras: emitindo moeda, e provocando mais inflação, ou subindo os impostos, o que prejudicaria os investimentos e a criação de empregos.

Apesar dessas críticas, a futura administração Obama caminha na direção da renovação do conceito do New Deal, e por isso busca o acordo bipartidário no Congresso e na sociedade.

Ele já revelou que leu muito sobre os primeiros cem dias de Roosevelt para se espelhar na maneira como ele se comunicava com a sociedade americana para prepará-la para os momentos difíceis que vinham pela frente.

A "conversa ao pé do rádio", um programa com que Roosevelt se comunicava com os cidadãos, está sendo adaptada por Obama a partir das novas tecnologias, e isso desde a campanha, quando ele usou a internet e os aparelhos celulares para enviar suas mensagens aos eleitores.

Desde que foi eleito, ele faz uma mensagem semanal pelo YouTube, assim como seus principais colaboradores, como Lawrence H. Summers, o presidente do Conselho Nacional de Economia, que já postou diversos filmetes com explicações sobre os planos econômicos do futuro governo.

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