domingo, 18 de janeiro de 2009

Prova dos nove

Rubens Ricupero
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Terá a equipe de Obama a capacidade para restabelecer o equilíbrio social e sobre tal base reedificar a economia?

O REAL desafio de Barack Obama não é apenas ressuscitar a economia. É reverter o processo de concentração e de desigualdade que está na raiz dos desequilíbrios econômico-sociais dos Estados Unidos.

Não foi a vitória sobre a Depressão, relativa e discutível durante seus primeiros dois mandatos, que deu glória a Franklin Roosevelt. Seu mérito residiu em haver instituído, em favor dos mais vulneráveis, um novo pacto social, o "New Deal", cujo nome imortalizou seu governo. Mais do que um programa econômico, tratou-se de uma reinvenção da sociedade americana.

A leitura superficial da crise econômica identifica como causas alguns excessos como a bolha das hipotecas de alto risco ou os erros de falta de regulação em matéria de derivativos ou securitização. Essas podem ter sido as causas imediatas, mas não passam dos vaga-lumes de Braudel, isto é, não iluminam o caminho do entendimento das razões profundas.

O que se tem de indagar é: por que se permitiu o desenvolvimento das bolhas, qual foi o contexto de poder, a ideologia, que tornou possível evitar a regulação dos derivativos? A resposta é óbvia: a espúria "revolução conservadora", a chegada ao poder de Reagan e Thatcher, imprimiu à economia uma direção cujas distorções preparariam a atual crise.

A primeira delas é o processo de crescente desigualdade social, de achatamento das classes médias, estagnação de salários durante décadas, com a contrapartida do obsceno enriquecimento dos magnatas das finanças. Um alto executivo de empresa, que nos anos de 1970 ganhava o equivalente a 40 salários do trabalhador médio, passou a receber 367 vezes mais!

A estagnação dos rendimentos comprimiu a demanda da população, que só conseguiu continuar a consumir graças ao endividamento ilimitado e infinito. A poupança desabou, os déficits se tornaram estruturais e o país virou dependente do ópio financeiro fornecido pelos chineses.

A outra distorção consistiu em converter o setor financeiro de meio para financiar a economia real num fim em si próprio para benefício de uns poucos. A parcela dos lucros controlados pelas finanças passou de 10% para 40%, talvez mais da metade, se incluídos os bônus distribuídos aos corretores.

Sempre que se tentou regular o setor, a resistência tomava a forma do mesmo argumento: isso vai limitar o crescimento do mercado financeiro. As bolhas -imobiliária, em ações de tecnologia, commodities, petróleo- deixaram de ser um acidente a evitar. Tornaram-se a condição mesma da expansão contínua do setor.

É por isso que a solução não pode se limitar a aperfeiçoamentos de regulação ou de supervisão. Na melhor das hipóteses, eles resolverão alguns problemas disfuncionais, mas não tocam na essência do sistema, que continuará a inventar novos meios de produzir bolhas. Como ocorreu após a bolha das telecomunicações de 2000 e dos escândalos da Enron em 2002.

Em 1933, Roosevelt reuniu os cérebros mais inovadores para repensar a economia e a sociedade, datando da época o uso corrente da expressão "think tank".

Com o fim da era Bush, cai o pano final sobre o sistema político-ideológico ultraconservador.

Mas isso não basta. Terá a equipe de Obama, gente requentada após se ter queimado na crise, a mesma capacidade de ousadia e inovação para restabelecer o equilíbrio social e sobre tal base reedificar a economia?

Rubens Ricupero , 71, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

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