sábado, 10 de janeiro de 2009

Lula revela mágoas e diz que não lê notícias

DEU EM O GLOBO

Planalto divulga íntegra de entrevista em que presidente critica imprensa e afirma se informar conversando

BRASÍLIA. Conhecido por ter dado apenas duas entrevistas coletivas formais em seis anos - o presidente eleito Barack Obama já deu cerca de dez antes mesmo de tomar posse -, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revela profunda mágoa com a imprensa, mas diz que não lê jornais, sites de notícias e revistas, além de também não assistir à televisão. Em entrevista à revista "Piauí" deste mês, ele diz que faz isso para não ter azia, afirma que prefere se informar por meio de assessores, que o abastecem com as principais notícias do dia, e das conversas com as pessoas que recebe em seu gabinete. Reitera que defende a liberdade de imprensa e que esta teve um papel importante na sua carreira política. A entrevista foi concedida dia 18 de dezembro. A íntegra foi divulgada ontem pela Presidência da República, que informa gravar todas as entrevistas do presidente Lula para divulgá-las posteriormente. Este procedimento, que não é usual, não existia em governos anteriores e nem mesmo na área de imprensa do Planalto no começo do governo. Lula disse ainda que empresários do setor de comunicação têm o direito de recorrer aos bancos oficiais, especialmente ao BNDES, e que "duvida" que tenha um governo capaz de querer emprestar dinheiro e pedir contrapartida. "Um governo não faria retaliações", disse.

A seguir, principais trechos da entrevista:

IMPRENSA: "Eu não vejo melhora ou piora na imprensa. Acho que a imprensa brasileira tem um comportamento, que não é um comportamento de agora, é um comportamento histórico. Eu, por exemplo, sou um cidadão brasileiro que nunca tive a grande mídia brasileira com preocupação de fazer coisas favoráveis a mim, e nunca me preocupei muito com isso, porque antes de tudo eu acredito na inteligência de quem assina uma revista ou um jornal, de quem vê televisão e escuta rádio."

INFORMAÇÃO: "Possivelmente ainda tenha gente inocente, que acredita que tudo o que ele fala, tudo o que ele escreve é recebido pelo leitor como a verdade mais absoluta. Ou seja, ele não acredita na capacidade de análise do leitor, que pega uma matéria e percebe se há má fé, se não há má fé, se a matéria está informando corretamente ou se não está informando corretamente."

FONTE: "Não gosto de ser fonte, porque acho que você estabelece uma relação promíscua com o jornalista, com o jornal, a revista, com a televisão. Se você passa a ser uma espécie de informante privilegiado, no caso do mundo policial, isso seria informante. No mundo jornalístico é mais chique, você passa a ser fonte. Então, é o cara que planta laranja para colher manga, é o cara que planta manga para colher limão."

JORNAIS: "Eu leio menos do que deveria, e converso mais do que preciso. (...) Tenho não (hábito de ler jornal pela manhã). Faz tempo. Não é que não dá, eu não quero. (...) Tenho problema de azia. Eu me cuido profundamente, para não perder o humor logo cedo."

TV: "Raramente (assiste à TV), porque não tenho tempo. Eu chego em casa muito tarde."

CONFIANÇA: "Mas é muito melhor ficar na mão de um assessor em que eu confio do que na mão de um artigo que eu não conheço o jornalista. Então, prefiro conversar com alguém que eu recruto, da maior seriedade, e que me dá as informações."

CONVERSAS: "Um homem que conversa com o tanto de pessoas que eu converso por dia deve ter uns 30 jornais na cabeça todo santo dia. (...) Não há hipótese de um presidente da República ser desinformado."

DISTORÇÃO: "Muitas vezes você tem coisas que deformam a notícia. Por exemplo, quando lançamos o programa para o povo comprar material de construção com desconto, um jornal importante no Brasil publicou "Lula faveliza o Brasil". Ou seja, é uma concepção distorcida de um cara que possivelmente não tem a menor noção do que significa as pessoas mais pobres terem acesso a comprar material de construção mais barato e poder fazer a sua casa, reformar, fazer a sua garagem, fazer seu puxadinho." (...) Quando fiz o programa Bolsa Família, as matérias que saíam deles, analistas, eram de que isso era assistencialismo. Ou seja, as pessoas muitas vezes têm a sua formação ideológica, têm a sua tese sobre as coisas. O que eu às vezes não concordo é que as pessoas, em vez de publicarem um fato como ele é, contra ou a favor, não importa, as pessoas colocam apenas aquilo que pensam sem se importar com o fato como ele é."

EMPRESAS: "Trato empresários do meio de comunicação como trato os empresários da construção civil, como trato os bancos, como trato o pessoal do setor siderúrgico, ou seja, é um cidadão que apresenta uma pauta de reivindicação." (...) Acho normal que um empresário de meio de comunicação, se precisar de dinheiro emprestado do BNDES, entre com o mesmo pedido como entra uma empresa de construção civil, como entra uma indústria automobilística. É um direito que ele tem de fazer investimento. O Brasil tem um banco que empresta; portanto, ele não deve favor nem ao banco e nem ao país."

RETALIAÇÃO: "Não, porque a análise é eminentemente técnica. Alguém, para pegar dinheiro no BNDES, tem que apresentar um projeto que tenha, eu diria, os fundamentos técnicos corretos, e por conta disso, o dinheiro é emprestado. Qualquer empresário de empresa de comunicação que entrar com um pedido de empréstimo, ele vai ser analisado - pode ficar certo - como qualquer outro."

PRECONCEITO: "O que há, na verdade, é um preconceito da própria imprensa contra a questão da relação dos meios de comunicação com o governo ou com os bancos públicos. Vem um agricultor de qualquer parte do Brasil, vai ao Banco do Brasil e pega dinheiro emprestado. Isso vale para o dono da Record, o dono da Globo, o dono do SBT, o dono da Bandeirantes, o dono da rádio "fulano de tal". Se ele tiver um projeto que seja convincente e aquele projeto seja exequível, o BNDES ou o Banco do Brasil deve tratar como se fosse um empréstimo comum."

EMPRÉSTIMO: "O empresário não precisa ficar receoso, porque duvido que tenha um governo capaz de querer emprestar dinheiro e pedir contrapartida. Ele seria execrado por todos os outros que não pediram empréstimo. Então, a forma mais segura para os donos dos meios de comunicação é agir com naturalidade, e acho que é assim que agimos, é assim que age o BNDES."

FIM DE SEMANA: "Dia de sábado e domingo não quero conversar política, quero conversar sobre futebol, cinema, sobre qualquer outra coisa. Então esse cara que só sabe conversar sobre um assunto termina virando um cara que você não pode chamar para qualquer coisa. Você vai fazer um churrasco, você não vai chamar o cara. Mas eu sempre me dei bem com a imprensa."

TERAPIA: "Ficar o final de semana sem discutir problema e sem discutir economia, sem discutir política, é uma terapia que acho que todo político precisaria aprender a fazer. O exercício da Presidência é tão importante, é um cargo tão nobre em uma República, que precisamos aprender o momento de fazer as coisas, de falar, de ficar quieto. Estou no aprendizado. Lamentavelmente, faltam só dois anos para terminar o mandato."

RELAÇÕES: "Eu sei de presidentes que levavam editores para sua casa para jantar, almoçar, que às vezes convocavam os principais articulistas para almoçar, para jantar, eu não gosto de fazer isso."

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