quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Um pacote na calada da noite

Cristiano Romero
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Trapalhada ou não, a decisão do governo de levantar barreiras não-tarifárias para dificultar até 60% das importações revela o grau de desespero que já começa a tomar conta da equipe econômica. As decisões parecem tomadas de sobressalto, revelando, além de excesso de aflição, problemas na administração dos riscos trazidos pela crise. As contas externas vêm se deteriorando há um ano, os números da balança comercial entraram em terreno negativo antes do esperado, mas o Brasil está longe de viver uma situação de risco que lembre as turbulências do passado nessa área.

"Não estamos diante da mesma família de vulnerabilidades do passado. Temos câmbio flutuante, que nos dá muito mais flexibilidade, um bom montante de reservas cambiais (US$ 200 bilhões) e um sistema financeiro bem saudável. Portanto, não é um evento que deva trazer lembranças como as moratórias, as grandes crises", atesta o ex-presidente do Banco Central (BC) Armínio Fraga, hoje dono da Gávea Investimentos.

O ambiente, claro, azedou. Os preços das commodities caíram pela metade nos últimos seis meses, prejudicando justamente os setores mais robustos das exportações brasileiras nos últimos oito anos. O fluxo de crédito externo diminuiu e, durante um período, se mostrou arisco a ponto de não financiar as exportações, o que também é anormal. Ainda assim, não há, na avaliação de especialistas, motivo para pânico.

O professor Antônio Corrêa de Lacerda, da PUC de São Paulo, um perito em comércio exterior, sustenta que a situação das contas externas em 2009 é administrável. O investimento estrangeiro direto, que em 2008 bateu recorde histórico (US$ 45 bilhões), deve recuar, mas para um patamar ainda confortável - ele estima US$ 25 bilhões, um pouco abaixo da estimativa feita pelo BC, de US$ 30 bilhões. Esses recursos seriam suficientes para financiar o déficit em conta corrente no ano.

"O Brasil tem condições de se financiar razoavelmente em 2009. O déficit em conta corrente não deverá ser muito maior que o de 2008 (US$ 28,3 bilhões). Pode até cair", diz Corrêa. De fato, com a desvalorização do real frente ao dólar, os gastos de brasileiros com viagens ao exterior devem diminuir. Além disso, dificilmente as multinacionais remeterão lucros e dividendos ao exterior num montante parecido com o de 2008 (US$ 33,8 bilhões). Em primeiro lugar, porque, com a desaceleração da economia, não produzirão os resultados positivos dos últimos dois anos. Muitas empresas anteciparam as remessas nos primeiros meses da crise. Com o câmbio médio mais elevado, as remessas em dólares encolherão.

"O Brasil preservou o nível de reservas, ao contrário da Índia, da Rússia e da Coréia do Sul. Vai poder usar uma parte disso para financiar as empresas, um destino nobre, eu diria, neste momento de crise de liquidez. Além disso, o Brasil tem aquele "cheque especial" com o Federal Reserve (o BC dos Estados Unidos) de US$ 30 bilhões. Pode ainda, se necessário, recorrer ao Fundo Monetário Internacional", observa Corrêa, que acredita no retorno, daqui a alguns meses, dos investimentos estrangeiros em portfólio e em papéis de empresas brasileiras.

"Não há qualquer motivo para desespero. A medida do governo de controle da importação foi atabalhoada porque toda medida genérica é um tiro no pé. Pode prejudicar as próprias exportações. Muitos exportadores são grandes importadores. Um exemplo é a Embraer", lembra o professor.

Com a crise, há uma onda de protecionismo no mundo, paralela à adoção agressiva de estímulos às exportações em países como a China. Corrêa sugere que o governo readeque a política industrial lançada no ano passado às necessidades criadas pela crise; aprimore os instrumentos antidumping; faça uma revisão tarifária, mas dentro dos limites acordados na Organização Mundial do Comércio e nos acordos comerciais assinados pelo país; desonere efetivamente as exportações; e promova uma substituição competitiva de importações, onde isso for possível, aproveitando-se de vantagens competitivas.

"Não se trata de tomar uma medida na calada da noite, sem transparência e critério", ressalva o professor da PUC-SP. "Não adianta, por exemplo, querer proteger o setor de semicondutores porque não há indústria local. Isso é bobagem, como também o é impedir a entrada de máquinas e equipamentos que não são produzidos aqui. Isso aumenta o custo de produção das empresas e tira competitividade."

O muro erigido pelo governo contra as importações foi justamente uma medida adotada às escondidas, sem divulgação, denunciada pelo setor privado. Lembra os pacotes dos anos 80 e 90 que o presidente Lula diz abominar. A iniciativa, diz a economista Monica Baumgarten de Bolle, da Galanto Consultoria, não contribui "para visões mais benignas" quanto à evolução do quadro externo.

"Por um lado, aumentam as suspeitas de que o governo esteja enxergando um panorama ainda pior para o setor externo, apesar das justificativas de que a medida foi tomada para promover uma "adequação estatística com os dados da Receita Federal". Por outro, a imposição de barreiras não-tarifárias a essas alturas pode prejudicar a percepção externa do país, comprometendo os fluxos de recursos com os quais alguns parecem contar para financiar o crescente rombo nas contas externas. O resultado pode ser uma trajetória de câmbio ainda mais complicada para o BC", alerta Monica em seu blog (www.galanto.com.br/blogmonica/blog.php).

A economista não está entre os mais otimistas quanto à possibilidade de o Brasil ainda gerar, neste ano, um saldo positivo na balança comercial de US$ 15 bilhões, como muitos analistas estão prevendo. Ela explica que a queda nos preços das commodities pode ainda não estar refletida nos dados oficiais, dada a longa duração dos contratos. Ademais, as perspectivas para o comércio mundial e a demanda externa são "assustadoras". Países cujas economias são lideradas pelas exportações, como China e Coréia, estão registrando quedas significativas nas vendas externas.

Cristiano Romero é repórter especial e escreve às quartas-feiras.

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