quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Dom de iludir e confundir

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Luiz Inácio da Silva tem uma espontaneidade seletiva. Diz o que lhe vem à cabeça de acordo com o que acredita saberá bem ao paladar da plateia na ocasião.

Na terça-feira precisava dar um jeito de convencer os prefeitos reunidos em Brasília que não haviam sido convidados a fazer o papel de massa de manobra eleitoral.

Não teve dúvida (nem criatividade): sapecou as aleivosias de sempre, desta vez caprichando de modo especial no dom de confundir para iludir.

Vestiu a carapuça do uso da máquina federal para fins eleitorais no espetáculo montado sob o gentil patrocínio dos cofres públicos e acentuou ele mesmo o caráter pejorativo da denominação "pacote de bondades", dada aos agrados distribuídos às prefeituras em troca da presença de seus titulares no comício.

Esquisito alguém se irritar daquela maneira por ser visto como benemérito. Houvesse o noticiário qualificado o presentinho como "pacote de maldades" ainda se admitiria uma reação mais animosa.

A zanga, então, só pode estar relacionada à consciência que Lula tem sobre a exorbitância cometida e sua contrariedade em ver isso exposto com clareza aos eleitores, ouvintes e telespectadores.

Ele, decerto, preferiria que os meios de comunicação fossem acríticos, não vissem, e se vissem não dissessem o que está à vista de todos, mas não pode ser dito, pois se trata de uma ilegalidade.

"Dona Dilma", como o presidente Lula agora chama a candidata à sua sucessão, é tida como candidata, recebida como candidata, apresentada como candidata, anda para lá e para cá como candidata, Lula faz de tudo para que assim ela apareça no noticiário, mas não admite que se digam as coisas como elas são. Quer que sejam ditas como lhe interessam.

No encontro de prefeitos, queria que as notícias relatassem uma reunião de trabalho entre o presidente, ministros e chefes de executivos municipais. Sem nenhum outro significado: de promover Dilma Rousseff, propiciar um passeio com presentes em substituição a uma marcha de reivindicações ou angariar simpatias de potenciais cabos eleitorais.

A própria forma do evento impediu que se desse a ele a interpretação pretendida. Lula anunciou que proporia aos prefeitos um pacto contra a mortalidade infantil, em favor do desenvolvimento, no combate ao analfabetismo.

Pacto pressupõe o cotejo de várias vontades e a formação de um consenso ao final. O que se viu foi um palco e uma plateia sem direito a voz a não ser para manifestar entusiasmo e agradecimento pelos brindes recebidos.

O presidente da República é avesso a críticas e, como na sua concepção autoritária do exercício do poder o chefe se confunde com a Nação, qualquer atitude diferente da reverência e subserviência mental é recebida como ofensa pessoal, tratada como crime de lesa-pátria.

Em nome da defesa da soberania (da vontade dele), Lula acha que vale tudo. Inclusive inventar para melhor manipular reações em seu favor. Acredita que ao presidente todas as homenagens são devidas, mas o chefe da Nação não deve nada a ninguém. Sequer respeito pelo contraditório natural da democracia.

Considera-se abusado em sua "inteligência" por "insinuações grotescas" de uso eleitoral de solenidade oficial, mas abusa sem contemplação da capacidade alheia de discernir, pretendendo interditar o raciocínio lógico e a liberdade de apreciações críticas.

Sem qualquer cerimônia, no encontro dos prefeitos o presidente da República misturou o conteúdo de uma única carta de leitor publicada em um jornal com a informação de que várias prefeituras estavam inadimplentes com o INSS e ainda assim poderiam renegociar suas dívidas, para dizer que a imprensa havia chamado seus convivas de "ladrões".

"Não deram sequer a oportunidade para vocês mostrarem que não são os ladrões que escreveram que vocês são."

Jornalista algum escreveu isso, mas foi dito pelo presidente, indignado porque "tem gente que pensa que o povo é marionete".

Altos e baixos

A Câmara não sabe da missa a metade. Não captou a mensagem da indignação geral contra o caso Edmar Moreira.

O problema da opinião pública não é com o deputado, mas com o conjunto da obra do colegiado, cujos líderes voltaram a agir como se nada tivesse acontecido.

Mal Moreira deu as costas da Mesa Diretora, suas excelências engavetaram proposta de divulgação na internet das notas fiscais dos gastos com a verba extra e deixaram para lá a ideia de fazer da corregedoria da Casa uma instância autônoma, provando que a sugestão inicial tinha o único objetivo de tentar livrar o castelão do constrangimento da renúncia.

Se os presidentes José Sarney e Michel Temer querem, conforma alegam, fazer do Congresso um ambiente para discussão de assuntos altos, como a crise econômica internacional, só conseguirão se mexerem primeiro no passivo de assuntos baixos.

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