quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Centro da questão

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Dez mil hipotecas são executadas por dia nos Estados Unidos. Isso significa que dez mil famílias perdem suas casas. A cada dia. Esse é o centro da questão e não apenas pelas óbvias razões humanas, mas porque derruba mais ainda os papéis imobiliários, os imóveis, os ativos dos bancos, o consumo, o emprego. Justamente esse ponto recebeu menos atenção no pacote do Tesouro.

Nos EUA, executar hipoteca é fácil, e, quando a família perde o imóvel, a polícia simplesmente o retoma. Tão fácil quanto retomar um carro no Brasil. Lá não há longas esperas e recursos judiciais cabíveis aqui. A espiral que puxa a economia americana para baixo é a dos imóveis se desvalorizando, contaminando os papéis que vão arruinando os ativos dos bancos. Hoje, as ações dos bancos valem no mercado 20% do que valiam em 2006. Dos quatro mecanismos do pacote de Geithner, o mais vago, com menos dinheiro (US$50 bilhões), foi justamente o de ajuda ao mercado hipotecário. Ficou para ser detalhado depois.

O economista Thomas Trebat, da Universidade de Columbia, tem uma visão mais benigna do pacote do que os economistas e analistas que avaliaram o tema no primeiro dia, mas considera que o ponto falho é exatamente não pôr, no centro, a questão central: a hipotecária. - Justamente isso ficou para depois. Se tanta gente perde sua casa a cada dia e isso está deteriorando todas as expectativas, quanto mais tempo ainda se pode esperar?

As críticas mais duras foram feitas por outros analistas aos mecanismos que tentam capitalizar os bancos ou livrá-los dos ativos podres.

- Existem no mercado alguns talibãs que acham que é besteira tentar sanear os bancos e que o melhor é nacionalizar (estatizar) tudo. Discordo. Se há alguma forma de evitar que o Estado tome controle de tudo, é preciso ser tentado. Nós temos vivido aqui, por muito tempo, com um sistema privado. Ele está em crise, mas ainda é a melhor forma de organizar o mercado - diz ele.

No Brasil, no caso do Proer, os acionistas perderam suas ações. Aqui havia grupos controladores bem definidos, famílias donas dos bancos. Lá é diferente.

- Aqui o capital é extremamente pulverizado, os donos são os fundos de pensão, indivíduos com participações pequenas. Um sistema que tem funcionado. Uma vez passado o pânico, as instituições podem voltar a se organizar, voltará o apetite pelo risco, por que eliminar o sistema completamente como ele existe hoje?

Tentar salvar o modo de vida da banca americana através desses mecanismos imaginados, e mal explicados, pela equipe do governo não parece tão fácil.

O primeiro mecanismo é o Fundo Público Privado, que poderia chegar a US$1 trilhão. A dúvida é se o fundo conseguiria atrair algum capital privado. Quem acredita que não argumenta que ninguém demonstrou interesse em comprar os micos, não se sabe quanto valem e há o dilema básico: comprados a preço muito baixo, devastam os balanços dos bancos; comprados a preços mais altos, é um custo imposto ao contribuinte. Quem acredita que sim argumenta que o preço está tão mais baixo do que seu valor real que pode atrair investidores que apostem na melhora da economia. O Merrill Lynch avaliou em US$0,22 o preço de créditos lastreados em hipotecas. Elas já valeram muito mais, e poderiam se recuperar desse fundo do poço.

A segunda ideia é ampliar um programa chamado Talf para US$100 bilhões, através do qual o Fed empresta com garantia do Tesouro, tendo como contrapartida os recebíveis. A ideia seria ampliar esse programa para descongelar o mercado de crédito, dando liquidez aos recebíveis de cartões de crédito, financiamentos estudantil e de automóveis, hipotecas comerciais e até algumas hipotecas residenciais. O que o plano do Tesouro sugere é que basta esta elevação do programa para US$100 bi para que se consiga alavancar US$1 trilhão.

- Não é mágica. É que, se houver um comprador de última instância para esses papéis, o mercado pode voltar a comprá-lo. Os devedores desses recebíveis são pessoas que estão com dificuldade no momento, mas querem pagar.

O terceiro mecanismo é o da injeção de capital nos bancos com recursos do que restou do programa do governo Bush. Há duas críticas: que é um requentado da ideia do ex-secretário Henry Paulson e que faz uma exigência estranha de que os bancos passem por um "compreensivo teste de estresse", para saber se podem receber esses recursos. Trebat explica que isso faz parte do "teatro político". As pessoas estão perdendo suas casas, os contribuintes perdendo emprego, seus filhos têm risco de não ir para a universidade, os valores das aposentadorias caem. Como explicar que o Tesouro injeta capital nos bancos num governo que está começando? Só mesmo fazendo exigências a eles, como o de ser submetido a uma série de testes para ver se são realmente viáveis ou se o governo está jogando dinheiro fora.

Esse arsenal é que Geithner anunciou de forma tão vaga: ampliação da Talf, nova injeção de capital nos bancos e uma entidade para compra de papéis podres. Ficou faltando dizer como resolver a raiz do problema: a queda livre do valor das hipotecas. Tudo certo, exceto o principal.

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