domingo, 8 de fevereiro de 2009

Drama maior

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

O maior drama numa crise é o desemprego. Na virada do ano eu perguntei ao professor José Pastore quantos empregos o Brasil perderia em 2009 e ele me assustou com o número: um milhão. Voltei a falar com ele agora, e a previsão aumentou: "Acho que o Brasil deve perder um milhão e meio de empregos e eu não sei se quando houver a recuperação todos eles serão repostos."

Para o sociólogo, um dos maiores especialistas brasileiros no tema, sua previsão não se baseia apenas na crise, mas na maneira como o Brasil reage a ela.

- Há muito entrave na Justiça, no Ministério Público e nos sindicatos a qualquer tentativa de se ter algum ambiente mais flexível para o acerto entre trabalhador e empresa. O Tribunal Superior do Trabalho tem anulado acordos que as partes acertaram, e uma anulação como essa cria um tremendo de um passivo trabalhista - lembra José Pastore.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) de São Paulo divulgou uma recomendação aos sindicatos e federações patronais que estão negociando diminuição da jornada com redução de salário que mais parece uma ameaça. Diz que o acordo tem que ser precedido da "situação financeira precária da empresa" e que seja uma negociação coletiva, da qual participem todos os trabalhadores, mesmo os que não são sindicalizados. Diz ainda que a redução salarial não pode ser superior a três meses, que os direitos trabalhistas são irrenunciáveis e que tudo tem que ter a assinatura do MPT.

Num país em que metade dos trabalhadores não tem qualquer proteção, fica até engraçado tanto alerta e cuidado com os que estão no mercado formal. No Brasil, gasta-se mais tempo e dinheiro protegendo-se os protegidos. Se a empresa estiver em situação precária, ela não estaria negociando reduções temporárias e, sim, demitindo. O movimento é para impedir que ela entre em "situação financeira precária".

O Ministério Público do Trabalho mandou notificações para seis centrais e 16 federações sobre o assunto e instaurou um procedimento preparatório para investigar as negociações. Tudo é para evitar, segundo o MPT, "a disseminação" desses acordos. Segundo a procuradora Laura de Andrade, "essa discussão não pode ser feita de forma generalizada". Vários procuradores já avisaram que vão pedir a anulação. Isso deixa as empresas numa situação de insegurança para procurar qualquer solução que não seja a demissão do funcionário.

Em Minas, semanas atrás, um acordo entre trabalhadores e uma empresa para redução de jornada e salário foi vetado pelo sindicato. O governo faz campanha aberta contra a terceirização. Deveria regulamentar a medida, para ampliar a oferta de emprego neste momento, mas evitar os abusos já ocorridos no passado.

Os Estados Unidos têm uma legislação flexível em que as partes podem acertar uma série de formas diferentes do contrato de trabalho, e a Europa tem legislação rígida. Nos EUA, tradicionalmente, o desemprego é menor do que na Europa, e o mercado de trabalho se recupera mais rapidamente após uma crise. Mesmo subindo para 7,6%, no dado divulgado na última sexta-feira, o desemprego americano foi, durante todo o ano passado, menor do que no Brasil.

O desemprego e a informalidade vão aumentar, segundo Pastore, e o temor que ele tem é que não seja passageiro.

- A dúvida que eu tenho é se, passando a crise, o emprego volta. As empresas estão fazendo remanejamentos e mudanças que podem afetar o nível de emprego de forma permanente. Hoje, elas demitem por falta de confiança, por falta de crédito e por desestímulo para investir. Os novos arranjos produtivos podem acabar sendo permanentes e esses empregos não serão recriados - diz Pastore.

O desemprego bate nos trabalhadores de forma geral, como perda de renda ou como ameaça que gera estresse, adia decisões de compras, que impede atividades de lazer, desestrutura famílias. Mas as estatísticas não deixam dúvidas. Os mais vulneráveis são os negros, as mulheres e os muito jovens. A taxa de desemprego das mulheres no melhor momento do mercado de trabalho é igual à taxa dos homens no pior momento. Em 2003, pior ano recente, a taxa de desemprego dos homens era de 10% e a das mulheres era 15,2%. No ano passado, o melhor ano recente, o desemprego das mulheres era de 10% e o dos homens, 6%. Os dados são do IBGE.

Quando o recorte é pela idade, é a mesma coisa. Em 2003, o desemprego de 18 a 24 anos era de 23,4% e o de 25 a 49 anos era de 9,4%. No ano passado, o dos jovens tinha caído para 16,6% e o dos trabalhadores até 49 anos era de 6,3%. Importante notar que só entra na estatística quem está procurando emprego. Se o jovem está estudando, e não procurando emprego, ele não entra na estatística.

A mesma realidade se vê quando se comparam os dados de brancos e negros (pretos e pardos). Na Pesquisa Mensal de Emprego de dezembro, o desemprego dos brancos era de 5,8%, - a média de desemprego da população estava em 6,8% - mas a dos negros estava em 8%. Ou seja, a taxa de desocupação dos negros se mantém 40% acima da dos brancos.

O desemprego tem mais essa perversidade, ele atinge mais os negros, as mulheres e os jovens. Negros e mulheres pelos velhos preconceitos. Jovens porque, na crise, as portas se fecham para os recém-chegados. O desemprego é um drama social e pessoal. O pior lado de qualquer crise.

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