quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Finanças e ciência, ilusão e religião

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Armínio Fraga critica ilusões da economia, aprova estatização provisória de bancos, mas alerta contra regulação pesada

"NOS EUA , estão dando uma moleza extraordinária para os bancos." É uma opinião de Armínio Fraga, nosso "quiet liberal", um liberal tranquilo, financista, ex-presidente do Banco Central, ex-gestor de fundos de George Soros e economista dito "ortodoxo", "ma non troppo". O economista falava na quarta-feira para parte da comunhão tucana paulista, no Instituto FHC: o próprio FHC, José Serra, ex-BCs, ex-assessores graduados de FHC, banqueiros e economistas. Expunha as recomendações de reforma financeira que elaborou com Paul Volcker e cia.

Fraga acredita que se vive o fim de grandes ilusões, como aquela "do controle científico do risco", por meio de estatística avançada, entre outras, que ajudaram a alimentar a religião ultraliberal do período em que Alan Greenspan presidiu o Fed. "E os economistas achavam, de modo meio prepotente e otimista, que se vivia a "grande moderação"", um período em que os BCs acreditavam ter encontrado um equilíbrio entre inflação baixa e crescimento.

Fraga é contra a "regulação pesada", que inibiria a inovação, seria custosa e, no caso de exigir capital demais dos bancos, limitaria o crédito. Mas acha que "a criatividade [inovação financeira] foi longe demais. O ganho [para a economia] foi pequeno tendo em vista os riscos e a crise que gerou". E, com a chancela do governo dos EUA, os bancos ficaram "superalavancados" (tinham "empréstimos" demais em relação ao capital próprio. Quanto maior essa razão, maiores a alavancagem e o risco de quebra em caso de perdas).

"O pessoal [das finanças] alega que alavancar era o modo de ganhar 25% [ao ano]. Mas qual é a lei da natureza segundo a qual os ganhos têm de ser constantes em 25%?"Fraga aprova a estatização provisória dos bancos americanos. Credores e acionistas perderiam dinheiro. "Do ponto de vista social, é justo, do ponto de vista do funcionamento do sistema, é bom": tal punição inibiria investimentos de risco demasiado. Diz que é "muito ruim o governo [dos EUA] comprar dos bancos essa papelada podre".

O aperfeiçoamento da supervisão enfrenta um problema político, avalia Fraga. Muito dinheiro das campanhas eleitorais vem de instituições financeiras. Durante a campanha de 2008, "ninguém queria saber de discutir o problema da supervisão financeira, isso é real, aconteceu", disse Armínio.

Fraga relatou uma conversa que teve faz alguns meses com Volcker, o lendário presidente do Fed que domou a grande inflação americana dos anos 70 com pancadas de juros. Volcker perguntou a Fraga quais as contribuições essenciais da teoria econômica, nos últimos 20 anos, para melhorar a política monetária. Fraga disse que teve dificuldade em responder. Suas lembranças mais importantes eram de contribuições feitas nos anos 60 e até meados dos 70 do século passado.

A outra pergunta de Volcker era sobre engenharia financeira (criação de instrumentos como derivativos exóticos). Sem engenharia financeira (e computadores e liberalização etc.), coisa que ganhou impulso no final dos anos 70, o mundo financeiro seria outro e menor. Fraga disse que o emprego da engenharia financeira "passou do ponto ótimo".

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