terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Mais brasileiros abaixo da linha de pobreza

Ricardo Beghini
DEU NO ESTADO DE MINAS

Presidente do Colegiado Nacional de Secretários de Assistência Social teme que desvalorização do real engrosse cada vez mais o grupo daqueles que sobrevivem com menos de US$ 1 por dia

A desvalorização de quase 40% do real em relação à moeda norte-americana, desde que foi desencadeada a crise financeira internacional, em novembro do ano passado, provocará uma reviravolta nas estatísticas sobre a miséria no país. A Organização das Nações Unidas (ONU) convenciona que o indivíduo está abaixo da linha da pobreza se sobreviver com menos de US$ 1 por dia, equivalente a R$ 2,39 na cotação de sexta-feira. Significa ainda que as famílias que têm renda per capita mensal inferior a R$ 71,70 vão engrossar os números da exclusão social.

O padrão, reconhecido por organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Banco Mundial (Bird), preocupa o governo. No fim do mês passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, anunciaram o aumento no limite de renda das famílias que podem ser beneficiadas pelo programa Bolsa-Família. Para serem atendidas, as famílias precisam ter uma renda per capita máxima de R$ 137 mensais. Antes, a renda era de R$ 120. No total, mais 1,8 milhão de famílias poderão participar do programa, que atende atualmente 11,1 milhões de famílias.

Para o governo, a medida foi apresentada para enfrentar os efeitos da crise mundial entre os mais pobres, mas pode ser entendida como uma maneira de ampliar, preventivamente, a margem de segurança em relação à linha da pobreza, ao aumentar a renda das famílias mais pobres. Os beneficiários do programa recebem de R$ 20 a R$ 182. “A ampliação para R$ 137 per capita para ingressar no Bolsa-Família gera uma artificialidade. Algumas pessoas podem até não ficar abaixo da linha da pobreza, mas e se o dólar subir para R$ 4?”, questiona Marcelo Garcia, secretário de Assistência Social da Prefeitura de Juiz de Fora e presidente do Colegiado Nacional de Secretários Municipais de Assistência Social.

Embora seja um defensor do programa Bolsa-Família, Garcia destaca o quanto são frágeis as políticas sociais focadas na distribuição de renda. Ele toma como exemplo uma família de oito pessoas que recebe R$ 460 e, que, portanto, tem renda per capta de R$ 57,50. Com um auxílio R$ 120 do programa, a renda se eleva a R$ 580, proporcionando novo valor por pessoa: R$ 72,50. Com o dólar valendo R$ 2,39, significa que cada membro da família sobrevive, diariamente, com US$ 1,01.

“As margens de segurança estão cada vez mais frágeis. Com certeza, muita gente voltou para a extrema pobreza e ninguém estudou isso”, alerta o secretário. De acordo com ele, uma política social adequada não pode centrar todo o esforço somente no financiamento da transferência de renda. Outros ativos sociais, segundo Garcia, precisam ser oferecidos como educação, habitação, qualificação profissional, saneamento e saúde.

Contradição

O aumento de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, em função do fortalecimento moeda norte-americana frente ao real, foi percebido no mapa da exclusão social elaborado pela Secretaria de Assistência Social. O estudo começou a ser executado no início de janeiro, com o dólar cotado a R$ 2,32. A conclusão, com base em informações sobre renda do IBGE, é que Juiz de Fora tem 41.280 pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza. Se o levantamento fosse feito antes da crise financeira, com a moeda americana na casa de R$ 1,60, o número cairia para 19 mil pessoas em condições miseráveis na principal cidade da Zona da Mata, que conta com 510 mil habitantes. “Não podemos esconder esses dados da população, mas sim mostrar a sua contradição”, recomenda Garcia, que pretende realizar o estudo em outras 60 cidades mineiras.

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