segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Pelo retrovisor

Wilson Figueiredo
jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Na acidentada história dos partidos políticos brasileiros, o PMDB foi o único que não nasceu de teoria e se criou fora do poder. Já era órfão quando veio ao mundo e ainda não se sabia de que lado o sol iria surgir depois que, sem ser eleito, um governo se propôs a plantar no Brasil uma ditadura para mais adiante colher democracia. Para tanto, limitada a dois partidos, sem liberdade de imprensa, com eleições relativas e oposição proibida de ter maioria no Congresso rebaixado a câmara de eco do Poder Executivo. Por último, coroada com a cláusula da eleição indireta de presidentes e governadores.

Um belo dia os partidos foram dissolvidos de uma penada e foi implantado o bipartidarismo com a condição de que a maior bancada teria de ser sempre a do governo. Caso a oposição excedesse a cota, o Executivo restabeleceria o equilíbrio à maneira de Robespierre (redução per capita da bancada excedente). O Movimento Democrático Brasileiro veio ao mundo a forceps e, do lado oficial levemente constrangido, criou-se a Aliança Renovadora Nacional. Arena, para os íntimos. O debate parlamentar, a alma do Congresso, engasgou porque, naquelas condições de pressão e temperatura, a oposição estava condenada a dizer verdades palatáveis e os governistas a polir inverdades.

O eleitor achou pouco votar para deputado (federal e estadual), senador, vereador e prefeito. Já presidente e governador, que são o filé mignon da devoção cívica, ficaram fora de alcance. O MDB, enquanto não implantou o P, foi mal sucedido com o repertório de idéias gerais. Sobreviveu a duras penas. Acrescido do P obrigatório, apresentou-se mais compacto. E foi assim que, ao se aproximar do fim da linha, as diferenças se multiplicaram, o passado se fez valer e completou a diáspora. Com a volta da figura olímpica do herói radiofônico de 1961 (a televisão ainda engatinhava na idade inocente dos desenhos animados), o brizolismo recuperou o atraso. À esquerda, o PT formigava por baixo da terra no que, enganosamente, parecia projeto sindical, mas ainda era a conexão com o peleguismo ancestral que se enriqueceu, no bom sentido.

O mesmo Luiz Inácio Lula da Silva, com alguma teoria e espessa barba, passou a pregar o socialismo homeopático, que não se encontrava no mercado de ideias mas no balcão de pequenos favores. As esquerdas mantinham eternas diferenças teóricas e se desentendiam pelo mínimo de divergência elevada ao máximo. Logo depois, outra Constituinte e, por baixo do pano, o Centrão afugentou as esquerdas e se apagou como fogo fátuo em cemitério. O PT foi o primeiro partido que, ao chegar ao poder pelo voto, não se lembrou de assimilar a diferença entre usar armas de fogo e valer-se de votos para entrar e sair de governos, e deixar limpo o caminho para a História passar.

Em respeito à simetria da inutilidade, o Movimento Democrático Brasileiro foi obrigado a incluir o P (de partido) na sigla, mas, criado na rua, aprendeu a se valer de pedras e recursos oratórios de acordo com as circunstâncias. Foi o único partido de rua que deu certo na vida brasileira. A irmãzinha gêmea, chamada Arena, diplomou-se em prendas domésticas no nível do poder, mas acabou solteirona quando, trocando o destinatário do voto indireto, premiou o candidato da oposição e deixou o governo a ver navios. Inaugurou a ponte para a volta à democracia. Afinal, política se faz mesmo é com negociação, ainda que por baixo do pano. A Arena, que morreria solteira, e o irmão criado na rua se juntaram na via parlamentar com as melhores e as piores intenções de reabilitar o ofício de votar.

É esta a oportunidade, e tão cedo haverá outra, para reconhecer que o PMDB não está à altura da má fama de que impregnou seu comportamento a partir daí, inclusive a perda de cerimônia em transgressões e oportunismo em todos os governos que se seguiram. As ideias criaram asas e se foram, uma a uma. No máximo (ou seria no mínimo?) o PMDB merece o abatimento de metade do que praticou em seu relacionamento com governos de todos os calibres. No mínimo (ou será no máximo?), faz jus à redução da culpa de metade do que pratica por fora da ética.

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