quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Uma decepção e dois trilhões

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Plano Obama estreia como fiasco político, ainda não está pronto e estatiza mais o crédito por meio do Fed, o BC dos EUA

É MUITO DIFÍCIL , para não dizer logo pretensioso, avaliar um plano que prevê negócios de trilhões de dólares, lida com instrumentos financeiros que nem a cúpula da banca diz compreender e que pretende reformar os maiores bancos da maior economia do mundo. Mas um efeito evidente e imediato do anúncio do pacote Obama foi uma onda de decepção nos EUA.

Barack Obama já enfrentara dificuldades para aprovar no Congresso mesmo uma versão desfigurada de seu plano de estímulo fiscal (gastos em obras, serviços públicos e abatimento de impostos). O seu plano de conserto das finanças privadas não foi, a princípio, politicamente mais afortunado. A estreia econômica do presidente da esperança foi inesperadamente ruim. Sim, o governo não tem nem um mês. Mas, antes mesmo da posse, americanos eminentes ou influentes já se perguntavam se os EUA podiam esperar tanto para George Bush descer da pilha de ruínas que deixou na Casa Branca.

O núcleo do plano é aparentado do plano Bush. Agora, um fundo com dinheiro público e privado compraria títulos podres dos bancos, começando com US$ 500 bilhões. Isto é, compraria papéis cuja renda dependia do pagamento de prestações imobiliárias, na maior parte. Ainda se trata, pois, de repassar a alguém o mico dos bancos. O objetivo é recompor a quantidade mínima de dinheiro (base de capital) nos bancos, de modo a que possam voltar a emprestar ou não parecer falidos.

O problema também continua o mesmo do plano Bush: quanto pagar por papéis podres? Pagar demais significa dar dinheiro aos bancos. Pagar pouco pode acabar com eles. A alternativa é estatizar: ficar com os prejuízos e com os bancos. De resto, de onde virá o dinheiro privado?

Outro aspecto importante do plano reforça o papel do Fed como banco-mor dos EUA. Mas o plano Obama eleva o caixa do Fed para tais fins de US$ 200 bilhões para até US$ 1 trilhão. O Fed, indiretamente, empresta dinheiro a empresas e consumidores (que compram casas, carros e mensalidades da faculdade ou gastam via cartão de crédito). O Fed na verdade empresta dinheiro para que fundos e instituições financeiras comprem títulos lastreados nessas dívidas, o que abre espaço para mais empréstimos no setor privado.

Um problema que continua a arruinar o sistema financeiro são os despejos e os calotes imobiliários (e, agora, também no cartão de crédito etc.). Mais calotes, menos capital nos bancos. Menos capital, menos empréstimos e juros maiores. O governo não deu detalhes do plano para auxiliar a renegociação de dívidas da casa própria (para piorar, mal se sabe hoje quem são os credores dessa dívida, que foi transformada em títulos e revendida no mercado).

Uma dificuldade nova, mas incontornável, serão as auditorias ("testes de estresse") que vão verificar quais bancos ainda são viáveis o suficiente para que possam receber dinheiro do plano de socorro (via compra de ações). Além das disputas que isso deve causar, pode haver um clima de juízo final ou de tribunal do júri: quem morre e quem merece auxílio público? Novidade também, os bancos socorridos só vão poder pagar no máximo um centavo de dividendo por ação enquanto não pagarem sua dívida com o governo.

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