quarta-feira, 25 de março de 2009

Diálogo com sinais trocados

Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Nada mais parecido com as declarações de um ex-presidente, especialmente do último, do que os discursos do presidente em exercício, além da metade do mandato, quando as saudades se antecipam ao calendário na amarga temporada da despedida do poder.

Ainda agora, com o tempero da coincidência, mas em cenários diferentes, o presidente Lula e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso trocaram farpas que, com pequenos ajustes, podem ser trocadas sem que o leitor perceba o truque. Não pretendo cair na brincadeira do faz-de-conta. Vou apenas transcrever frases da entrevista de Lula à Rádio Jornal de Pernambuco, quando comparou a crise a uma gripe que "num cabra muito fino, ele fica de cama, num cabra macho ele vai trabalhar e não perde uma hora de serviço". O papo fecha na comparação: "A crise é como uma gripe. Vamos enfrentar esta crise trabalhando".

O ex-presidente FHC deu muitas voltas para chegar ao objetivo, começando por analisar o nosso sistema de representação política que "não representa mais nada". Apenas o introito para as farpas lançadas contra o governo leniente com as denúncias de corrupção, muitas envolvendo o Congresso. Em linha reta: "Como ter democracia se não há respeito pelo Congresso? E como ter respeito ao Congresso se todo o dia a imprensa noticia coisas que não são corretas no Legislativo?".

Lula não conhecia o desabafo de FHC. Mas, a sua resposta parece direta e certeira: "Quando chegar a 2011 vou fazer outro PAC. Nem sei quem vai ser o presidente, mas quero que ele tome posse com uma prateleira de projetos aprovados". E, na mosca: "Vou deixar o Brasil muito mais preparado do que o Brasil que eu recebi".

FHC, como se estivesse com o ouvido colado no rádio devolve a bola, condenando as nomeações políticas para cargos estratégicos, qualificando de "cupins" os militantes que infestam diversas repartições do governo: "Há hoje um partidarismo, uma troca de técnicos por militantes, e o cupim vai minando. Estamos assistindo a uma cupinização do Estado brasileiro". Em recado ao pé do ouvido do seu sucessor: "A máquina tem que ser mais profissional, ela foi muito penetrada nos últimos anos por interesses partidários. Não só de um partido, mas de vários. É a chamada fisiologia".

A desmoralização do Congresso chegou a tal baixeza que já se credenciou como um tema da campanha eleitoral que só deve chegar às manchetes no próximo ano, quando os candidatos do governo e da oposição aprovados pelas convenções partidárias entrarem na briga para valer.

Não deveremos esperar tanto. Afinal, o governo já tem a sua candidata Dilma Rousseff escolhida e indicada pelo presidente Lula. E em plena pré-campanha, mistificada com as viagens semanais a pretexto de acompanhar as obras do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC de múltiplas serventias.

A oposição é a responsável pelo freio de mão que empaca a campanha, com o seu drama de indecisão entre dois candidatos que podem compor uma chapa de grande potencial eleitoral, mas que patinam na definição: José Serra e Aécio Neves ou Aécio Neves e José Serra. Se fugir da lógica para a aventura, o provável fracasso eleitoral explodirá a oposição por um longo inverno.

Nos últimos dias, as articulações para encontrar a saída do entendimento se não evoluíram para definições claras, pelo menos amenizaram a tormenta, com a troca de amabilidades e rapapés entre os governadores candidatos José Serra e Aécio Neves.

Não dá para esperar por muito tempo.

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