sexta-feira, 27 de março de 2009

Iguais na diferença

Luiz Antonio Magalhães
DEU NO VALOR ECONÔMICO

"É a economia, estúpido!" O já célebre bordão usado pelo marqueteiro James Carville para explicar a vitória de Bill Clinton, em 1992, contra o então presidente dos Estados Unidos, George Bush, que se candidatava à reeleição, parece bastante atual no cenário que se vislumbra no Brasil para as eleições de 2010. Com o agravamento da crise global, a economia deverá estar no centro das atenções durante a campanha, e o tamanho do estrago a ser provocado no país pelas turbulências externas certamente terá um peso determinante no resultado das urnas.

Se o debate econômico estará na ordem do dia, não deixa de ser uma ironia que os pré-candidatos mais cotados para vencer a disputa se apresentem até aqui com discursos bastante semelhantes e poucas diferenças nas propostas.

Redução da taxa básica de juros, aumento nos investimentos em obras de infraestrutura, maior inserção do país no comércio exterior e a luta determinada para aprovar as reformas estruturais são proposições que até já viraram lugar-comum na boca dos três principais postulantes à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que na semana passada viu cair, pela primeira vez no segundo mandato, seus espantosos índices de popularidade, em duas pesquisas de opinião.

A similaridade dos projetos macroeconômicos dos governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG) e da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, chama a atenção de cientistas políticos e especialistas em marketing político, mas naturalmente encontra contestação entre os defensores dos pré-candidatos.

"Pode haver divergências em aspectos pontuais, mas em relação às grandes diretrizes não há grandes diferenças. Na política macroeconômica é muito estreita a diferenciação", afirma o jornalista Gaudêncio Torquato, professor titular de marketing político na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP).

"Do ponto de vista das propostas para a economia, Serra e Dilma são muito parecidos, mais centralizadores e mais estatizantes do que Aécio", pondera a cientista política Lucia Hippolito. Ela lembra que a atual situação do país não comporta espaço para os candidatos apresentarem projetos muito distintos.

O líder tucano na Câmara Federal, José Aníbal (SP), usa a ironia para refutar a argumentação: "Qual é a política econômica do PT? A que está aí ou a que eles defendiam? O piloto automático funcionou na bonança, neste momento de crise o governo está completamente perdido", diz o ex-presidente nacional do PSDB, apontado como um dos articuladores da candidatura de Aécio Neves. Aníbal critica ainda a condução da política econômica, que teria sido atribuída ao Banco Central pelo presidente Lula. "A Fazenda fica brincando de reforma tributária. Isso não tem nada a ver conosco", provoca.

O deputado federal José Eduardo Cardozo (SP), secretário-geral do PT, também não concorda com a tese de que a política econômica do governo Lula represente uma continuidade em relação ao que foi iniciado por Fernando Henrique Cardoso.

Ele afirma que há, sim, diferenças grandes entre os projetos que disputarão os votos dos brasileiros. "A economia moderna dá ao governante uma margem de manobra muito estreita. O que diferencia as políticas econômicas é o contexto em que elas são colocadas. As propostas de Dilma estão embasadas em uma visão de Estado, em uma visão antineoliberal da economia", afirma Cardozo. "Já Serra e Aécio têm esse componente, essa matriz neoliberal que se projeta em seus governos."

"O governo Lula é radicalmente diferente. Voltamos a priorizar mercado interno, retomamos o projeto de nação, foi uma mudança grande. A inflexão que fizemos na política de distribuição de renda no país é o que permite ao país enfrentar a crise", complementa o ex-ministro José Dirceu.

Mesmo entre os envolvidos na disputa que se anuncia, há quem reconheça os pontos em comum. O deputado federal Paulo Renato (SP), tucano da ala serrista, admite que o espaço que separava PSDB e PT diminuiu depois da chegada de Lula ao Palácio do Planalto. "O PT caiu um pouco na realidade depois que chegou ao governo. Passou a defender pontos que já defendíamos", explica. O ex-ministro da Educação na gestão FHC, porém, ressalva que Dilma possui perfil "um pouco mais estatizante do que o do governo Lula" e espera dela propostas de maior intervenção na economia.

Provocações partidárias à parte, o fato é que desde a Carta aos Brasileiros da campanha de 2002, o espaço dos defensores de propostas heterodoxas para a economia diminuiu substancialmente no campo petista, ao passo que no PSDB a ascensão da liderança de Serra aumentou a visibilidade de economistas considerados desenvolvimentistas, posição que o próprio governador de São Paulo assumiu durante os dois mandatos de Fernando Henrique, em contraposição ao então ministro da Fazenda, Pedro Malan. Os pontos de convergência, portanto, são hoje muito maiores do que eram no passado.

É o que defende o economista Plínio Arruda Sampaio Jr., professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), para quem as três pré-candidaturas estão postas "dentro dos parâmetros da ordem estabelecida, com pequenas diferenças em relação à inserção do Brasil no mercado externo, ao grau de conflito entre Estado e mercado e às mudanças na relação de capital e trabalho".

Se as semelhanças são tantas no campo econômico, quais serão as estratégias de diferenciação dos candidatos em 2010, quando a crise ainda poderá ser o grande tema de debate? Não é uma questão simples. Acadêmicos, marqueteiros e políticos são unânimes em afirmar que a resposta depende em grande medida justamente dos efeitos das turbulências internacionais no país.

"Por enquanto, a crise está sendo boa para o governo, não para a oposição", sustenta Lucia Hippolito. Ela lembra que o presidente conseguiu passar para a opinião pública a ideia de que os problemas têm origem fora do Brasil e seu governo não tem culpa alguma pelo que está ocorrendo. Além disso, diz a cientista política, os governadores tucanos também poderão sair chamuscados nesse processo: "Serra governa o Estado que está sofrendo mais com a crise; o segundo é Minas. Por que a crise só atingiria a popularidade do governo federal?"

Para o experiente Chico Santa Rita, um dos pioneiros do marketing político tal como é praticado hoje no país, será necessário aguardar a definição do alcance da crise na vida real dos brasileiros antes de projetar as estratégias de diferenciação para as campanhas eleitorais. "É preciso ver, entre os mortos e feridos, quem se salvou. O tom vai depender muito do momento", explica.

Santa Rita recorda que, no ano passado, de dez capitais pesquisadas pelo instituto Datafolha um mês antes das eleições, em apenas duas - Curitiba e Porto Alegre - os favoritos nas enquetes conseguiram vencer o pleito. "Nas oito demais, ganhou quem estava em terceiro, às vezes em quarto lugar", observa o marqueteiro. Por isso mesmo, ele afirma que a dianteira de Serra nas pesquisas "não quer dizer absolutamente nada" e sugere ao PSDB que realize uma ampla e bem conduzida pesquisa qualitativa nacional para saber qual dos pré-candidatos reúne as melhores condições de enfrentar o governo.

O problema todo, lamenta Chico Santa Rita, "é que político usa pesquisa como os bêbados usam o poste - não como uma fonte de luz, mas como apoio".

Os políticos, por sua vez, concordam com a ideia de que a crise será um elemento fundamental na campanha, mas moldam os seus discursos de acordo com a candidatura que defendem.

"Imagine se tivéssemos seguido à risca a política do governo FHC, como estaríamos hoje?", questiona o petista Cardozo. "Não teríamos como enfrentar a crise, sem os bancos estatais, sem o BNDES, seguiríamos o modelo do México", responde, em seguida, enfático, o secretário-geral do PT, antecipando uma estratégia que pode voltar a ser usada em 2010: a da vinculação do PSDB com um projeto de privatizações de empresas e instituições que permanecem nas mãos do Estado.

A tática foi aplicada no segundo turno das eleições de 2006, quando Lula acusou Geraldo Alckmin de planejar a venda do Banco do Brasil e da Petrobras. Alckmin mordeu a isca e o resto da história é conhecido.

Do lado tucano, Aníbal e Paulo Renato tocam a mesma nota quando falam dos efeitos das turbulências no Brasil e suas consequências na campanha que se aproxima. "Dilma terá de explicar a má condução da crise no país. O mundo não vai estar recuperado e o governo terá de ser responsabilizado", diz o ex-ministro da Educação.

"O governo está à mercê da retórica do presidente Lula. Em São Paulo, o governador Serra está realizando investimentos públicos, são R$ 4 bilhões em estradas vicinais, outro tanto em metrô e transportes de massa. São Paulo está combatendo a crise, está fazendo, o governo federal está só observando", afirma o líder Aníbal.

Apesar das dificuldades para esboçar, 19 meses antes do pleito, uma estratégia coerente para a campanha eleitoral, alguns temas foram citados por quase todas as fontes ouvidas. No campo petista, não há nenhuma dúvida: Dilma deverá ser portadora da mensagem da continuidade do governo Lula. "Ela vai a tiracolo do presidente. Como o Nordeste é o "país do Lula", acredito que ela deva buscar um vice do Sudeste para compensar. Talvez o [presidente da Câmara Federal] Michel Temer (PMDB-SP)", avalia Gaudêncio Torquato.

O deputado José Eduardo Cardozo está certo de que os adversários do PT já iniciaram a pré-campanha cometendo equívocos: "Eles estão correndo um grave risco ao explorar a crise. É difícil vender para a sociedade que a culpa é do Lula, vai ficar parecendo que estão torcendo pelo "quanto pior, melhor"", adverte.

Fundamental mesmo para Cardozo, porém, será comparar as concepções de Estado, a visão macroeconômica e pontuar as diferenças, como as presentes na política externa, segundo ele "completamente diferente da executada pelo PSDB". O deputado petista lembra que os tucanos eram favoráveis à Alca, projeto que acabou sepultado durante os dois mandatos petistas.

Além da tática de colocar frente a frente os legados de Lula e Fernando Henrique, Cardozo aposta na "desconstrução" das gestões de Serra e Aécio em São Paulo e Minas. "Precisamos fazer um contraponto com os respectivos governos, compará-los com a nossa gestão federal. Vamos mostrar que temos resultados melhores", afirma, confiante, o secretário-geral do PT.

Pois é justamente o desempenho de José Serra e Aécio Neves nos Palácios dos Bandeirantes e da Liberdade o grande trunfo do PSDB, crê o deputado Aníbal, que de sua parte também pretende comparar as gestões para provar que os tucanos são mais eficientes e estão mais preparados para lidar com a crise. Já o ex-ministro Paulo Renato avalia que temas como a "banalização da corrupção e da transgressão" estarão na pauta da campanha tucana, qualquer que seja o candidato do partido.

Cientistas políticos e marqueteiros foram mais comedidos ao analisar as perspectivas do PSDB para o próximo ano. Em primeiro lugar, quase todos ressaltaram que a condução e a estratégia serão bem diferentes, a depender do candidato. Para Carlos Melo, professor de sociologia e política da Faculdade Ibmec São Paulo, Serra teria um discurso mais reformista e programático.

Também seria mais agressivo em relação ao governo Lula, tocaria em temas como loteamento do governo e ineficiência da gestão e procuraria formas de fazer um embate político com o PT.

Já Aécio, na opinião do professor, se apresentaria como o candidato do consenso, disputando até mesmo partidos importantes da base do governo, como PSB, PMDB e PDT, além dos pequenos e fisiológicos. "Aécio não briga com o lulismo", ressalta. Na hipótese de os dois saírem candidatos, "Serra ficaria confinado à oposição, em maus lençóis", aposta Melo.

Torquato concorda com a ideia de que uma eventual campanha de Aécio seria bem diferente em relação ao que produziria o seu rival tucano e lembra que 2010 será o ano do centenário de nascimento de Tancredo Neves. "Aécio poderia fazer um grande discurso de emoção", comenta. Ele também não vê hoje o governador Serra com disposição de criticar o presidente. "Bater no Lula seria ruim para ele. Serra vai dar a espada para o DEM."

Lucia Hippolito é mais crítica em relação à posição da oposição. Segundo ela, nem Aécio nem Serra possuem um discurso para enfrentar a candidata do governo. "Os tucanos falam em porta de saída para o Bolsa Família. Ora, o nordestino quer entrar no Bolsa Família, não quer saber de saída. A oposição está sem discurso, sem bandeira, sem rumo. Hoje, a ministra Dilma estaria eleita", afirma.

O ex-ministro José Dirceu está alinhado com ela. "A grande fragilidade da oposição, hoje, não é falta candidato", afirma. "Eles têm bons candidatos, os dois são governadores de Estados importantes, estão bem colocados nas pesquisas. O problema da oposição é a falta de programa."

Que a grande variável da eleição será o efeito da crise no Brasil todos os analistas concordam.

Poucos, no entanto, acreditam em um cenário de agravamento dos problemas econômicos de tal magnitude que permita abrir novas perspectivas em 2010.

Uma voz dissonante é a do professor Plínio de Arruda Sampaio Jr., ao lado de quem o economista Nouriel Roubini não passa de um rematado otimista. Segundo ele, as turbulências pelas quais o país passará até o pleito têm potencial de "liquidar o presidente Lula", movimento que já estaria em curso com a piora nos índices de popularidade - na semana passada o Ibope mostrou uma queda de 84% para 78% no apoio ao presidente e o Datafolha registrou declínio de 70% para 65% na aprovação do governo federal.

Para Sampaio Jr., o cenário sombrio no campo econômico abre caminho para candidaturas "outsiders", "à direita ou à esquerda". Heloísa Helena (PSOL), Roberto Requião (PMDB), Ciro Gomes (PSB) e até Anthony Garotinho (PMDB) são alguns dos nomes que passariam a ter chances reais de disputar o poder na conjuntura política imaginada pelo economista da Unicamp. Segundo ele, a lógica da eleição seria outra e as candidaturas da ordem "perderiam o chão".

Apesar de não acreditar em uma evolução tão negativa da economia nacional, José Eduardo Cardozo concorda com Sampaio. Para o deputado, só candidaturas de cunho populista e com forte apelo emocional teriam a ganhar se a crise evoluir para uma situação de convulsão social.

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