quinta-feira, 26 de março de 2009

Inferno à vista?

Clóvis Rossi:
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O mundo deu ontem mais alguns passos à beira do abismo a partir do instante em que o primeiro-ministro tcheco, Mirek Topolanek, presidente de turno da União Europeia, disse que os planos de salvamento da economia lançados pelos Estados Unidos são "o caminho para o inferno".

Topolanek não é o líder de maior prestígio no mundo, tanto que pediu demissão anteontem, abatido por uma moção de desconfiança. Mas afirmou, em linguagem desabrida, o que a maior parte de seus pares europeus diz com elegância. Além disso, repôs uma falsa guerra para a cúpula do G20, as maiores economias do planeta, entre os Estados Unidos (pró-pacotes) e a Europa (contra). Barack Obama acabou contribuindo para a guerra, ao dizer, de seu lado: "Não queremos uma situação em que alguns países estão fazendo esforços extraordinários e outros não".

A guerra é falsa, porque o texto dos ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais do G20, emitido dia 14, já anunciou a disposição de tomar "qualquer ação que for necessária até que o crescimento seja restaurado", inclusive "instrumentos não convencionais" [de política monetária]. Aí, cabe tudo. Novos pacotes, novas heterodoxias, esperar para ver o que vão dar os pacotes já lançados, como prefere a Europa.

O que o ataque de Topolanek faz é semear desconfiança sobre a mais recente ação do governo Obama, já posta sob suspeição por economistas do calibre de Paul Krugman. Mina igualmente a posição do anfitrião do G20, Gordon Brown, já atingido na linha de flutuação por um torpedo do "governor" do Banco da Inglaterra, que avisou que não há espaço para novos estímulos com dinheiro público.

Não por acaso, ontem o governo micou com os títulos públicos que pôs a venda, pela primeira vez em sete anos. De repente, pode ser o início da rota "para o inferno".

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