quinta-feira, 26 de março de 2009

Prévias secretas

EDITORIAL
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Ao impor regras em excesso, normatização eleitoral restringe a autonomia partidária e sufoca o debate político

EMARANHA-SE numa legislação burocrática e irrealista a proposta de se realizarem prévias partidárias para a escolha de candidatos em 2010. O Tribunal Superior Eleitoral, atendendo a uma consulta do PSDB, decidiu nesta terça-feira que esse tipo de mecanismo, sem dúvida desejável e democrático, não está proibido pelas normas em vigor.

Não está proibido, mas submete-se a empecilhos e condicionantes dos mais bizarros. Na verdade, já constituiria motivo suficiente de estranheza o fato de se considerar necessário o aval dos tribunais para uma questão que diz respeito exclusivamente à vida interna dos partidos políticos.

Reconhecendo esse princípio, o TSE considerou que a decisão de realizar prévias pertence à alçada interna de cada partido. As dificuldades, entretanto, surgem logo a seguir.

Como se dará a disputa entre os pré-candidatos da legenda? Quem acompanhou a disputa interna no Partido Democrático nos Estados Unidos pôde verificar a grande liberdade dos debates, e a extrema variedade dos mecanismos de consulta utilizados, até chegar-se ao nome de Barack Obama como candidato oficial à Presidência.

Nada de semelhante poderá ocorrer no Brasil, pelo que foi decidido no TSE. A corte lembra que as postulações dos pré-candidatos não podem dar margem ao que considera "propaganda eleitoral antecipada".

Desse modo, nenhum postulante poderá apresentar suas propostas na internet. Argumenta-se que, com isso, não apenas os filiados de uma agremiação, mas todo o eleitorado, estaria sendo exposto antecipadamente à propaganda política.

Ao mesmo tempo, permite-se que os pré-candidatos enviem e-mails aos seus companheiros de partido. Imagine-se, por hipótese, que o e-mail seja repassado a quem não pertence à sigla. Seria o caso de punir os responsáveis pela propaganda irregular?

Uma blindagem impraticável e antidemocrática circunscreve, então, uma disputa política de evidente interesse para todo o eleitorado. Tudo se resume, na verdade, ao irrealismo de uma lei eleitoral que estabelece, com dia marcado, o início oficial da campanha dos candidatos."A propaganda eleitoral", diz o artigo 36 da Lei 9504/97, "somente é permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição".

Em tese, a data indicaria o início das restrições destinadas a garantir um mínimo de paridade de condições e de ordenação jurídica na disputa. O dispositivo, entretanto, funciona retroativamente -e a data termina sendo tomada como um momento mágico, uma espécie de "fiat lux" da vida política. Antes de 5 de julho, tudo que possa parecer campanha se proíbe.

Mas o debate político, ainda mais quando facilitado por mecanismos como a internet, foge a parâmetros burocráticos desse tipo; e a prática das prévias, assim como a autonomia interna dos partidos, sofre com isso restrições que nada mais fazem senão sufocar o pleno desenvolvimento político do país.

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