quarta-feira, 1 de abril de 2009

''Ambiguidade é característica da carreira de Lula''

Roldão Arruda
Entrevista Marco Antonio Villa
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para historiador, presidente aplica discurso de esquerda no exterior, mas pratica política conservadora no País

Nos encontros que mantém com autoridades do exterior, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem procurado cultivar a imagem de liderança democrática de esquerda. Diante dos microfones das redes internacionais de comunicação, critica os ricos e sai em defesa dos oprimidos. Internamente, porém, a política econômica praticada pelo ex-líder sindical não tem nada a ver com a esquerda: herdada de seu antecessor, ela é estritamente capitalista, de contornos liberais, conservadora. Qual a razão desse descompasso entre discurso e prática? Para o historiador Marco Antonio Villa, professor do programa de pós-graduação em ciência política da Universidade Federal de São Carlos, a ambiguidade tem sido uma característica do presidente Lula desde os tempos de sindicalismo.

Como o sr. vê a ambiguidade do discurso presidencial, líder de esquerda no exterior e conservador internamente?

Parece-me que quando o presidente está lá fora ou conversando com líderes estrangeiros o que predomina é a visão de Marco Aurélio Garcia, seu assessor para assuntos internacionais. De acordo com essa visão é necessário cultivar simpatias e aproximações fortes com governos de esquerda, adotando a mesma linguagem dos líderes desses governos. Isso não combina com a política econômica interna, que é ultra ortodoxa e responsável, precisamos reconhecer, pelo sucesso que o governo teve até o terceiro trimestre do ano passado - quando a conjuntura internacional era favorável.

Por que ele não aplica internamente o discurso que faz fora?

Porque perderia a base de sustentação política, econômica e social.

Na prática, esse discurso de líder não alinhado traz alguma vantagem para o País?

Nenhuma. Na prática isso não tem redundado em benefícios concretos. Em todas as ocasiões em que tentou colher frutos dessa política, o governo foi derrotado.

O sr. falou na influência de Marco Aurélio Garcia. Mas como é que o presidente Lula se enquadra nesse figurino ambíguo?

A ambiguidade tem sido uma característica da carreira do presidente. Ela já se manifestava nos tempos de sindicalismo. Durante a grande greve de 1980, a mais longa do ABC, Lula começou a defender para as pessoas mais próximas que estava na hora de pôr um fim ao movimento. Ele queria um ponto final para a greve, mas não tinha coragem de falar isso publicamente. Então, pediu aos colegas da diretoria do sindicato para que o fizessem. Foi um desastre: eles receberam vaias assim que tocaram no assunto. Lula então apareceu em cena e pediu um voto de confiança aos grevistas para dialogar com os empresários. Conquistou o voto e acabou fazendo uma negociação, por debaixo do pano, para acabar com a greve. Essa ambiguidade, que o leva a radicalizar o discurso, ao mesmo tempo que busca soluções conservadoras na prática, vem, portanto, desde os tempos do ABC.

Qual a função real desse discurso radical?

O presidente Lula pode estar pensando lá na frente, na continuidade da sua vida política. Ele já se referiu a um programa internacional de apoio à África. Isso permitiria a ele continuar no primeiro plano da cena política e voltar como candidato em 2014. Voltaria não como ex-líder sindical ou personalidade de projeção nacional, mas como figura internacional.

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