segunda-feira, 27 de abril de 2009

Centrais Sindicais e Mundo do Trabalho: disputas e dilemas em um quadro de fragmentação

Fernando Perlatto1
DEU NO BOLETIM CEDES/IUPERJ - março/Abril

Recentemente, duas notícias que ganharam certa repercussão na imprensa, evidenciaram a agitação em que se encontra o mundo sindical, em decorrência de disputas que têm sido travadas no âmbito das centrais sindicais. Por um lado, a recente decisão da Central Única dos Trabalhadores (CUT) de institucionalizar o PROIFES (Fórum de Professores das Instituições Federais de Ensino Superior) como sindicato nacional dos docentes universitários do ensino público, com o intuito de disputar a base do ANDES-SN (Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior), outrora vinculada à CUT e hoje “submetida” à Coordenação Nacional de Lutas (CONLUTAS).

Por outro lado, chamou atenção a resolução da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), em seu último Congresso Nacional, encerrado em Brasília, no dia 14/03/2009, aprovando a desfiliação da CUT e, ainda que continue mantendo laços privilegiados com esta central, passa também agora a fazê-lo com a Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB).

Essas movimentações evidenciam que o mundo sindical encontra-se permeado por diversas disputas internas, cuja conseqüência mais evidente refere-se ao enfraquecimento da CUT, que já não conta mais com a mesma força de outros tempos, no sentido de hegemonizar o movimento sindical no âmbito da esquerda. As divergências entre as diversas correntes do mundo sindical com esta central foram exacerbadas principalmente após a ascensão de Lula ao poder, em 2002, fazendo com que, a partir de então, o quadro de fragmentação do mundo sindical se intensificasse ainda mais. Os desacordos entre estas correntes que outrora compunham a CUT vão desde a avaliação do Governo Lula até a posição das mesmas frente ao imposto sindical e à liberdade sindical, passando pela divergência no plano internacional, até chegar às disputas relacionadas às verbas do fundo sindical. Independente dos motivos existentes – sejam eles programáticos ou pragmáticos – fato é que hoje ocorrem diversas movimentações, que têm contribuído para alterar a cena sindical nacional.

Em 2004, setores ligados ao Partido Social dos Trabalhadores Unificados (PSTU) desligaram-se da CUT e constituíram a CONLUTAS, acusando a central de “pelega” por ter se transformado em “chapa branca” diante dos ataques “neoliberais” das reformas sindical e trabalhista propostas pelo Governo Lula. Desde então, esta “Coordenação Nacional de Lutas” vem buscando se constituir como um pólo alternativo à CUT, articulando, para tanto, diversos movimentos sociais, rompendo, dessa forma, com a idéia de uma central exclusiva de trabalhadores. Tecendo críticas semelhantes ao “governismo” e ao “burocratismo” que teriam tomado conta da CUT, sobretudo após a vitória de Lula em 2002, setores ligados ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) criaram a Intersindical, visando colocar-se contra as “reformas neoliberais” do governo petista apoiados por seu braço no movimento sindical. Este quadro de fragmentação foi agravado pelo rompimento recente da Corrente Sindical Classista (CSC), ligada ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), da CUT para a criação da Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB).

O cenário sindical configura-se hoje, por conseguinte, com quatro organizações sindicais no espectro da esquerda, cada qual com maior proximidade de um partido político (CUT/PT, CTB/PCdoB, CONLUTAS/PSTU, Intersindical/PSOL)

Além destas movimentações à esquerda, convém destacar a constituição da Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST), assim como a formação da União Geral dos Trabalhadores (UGT), através da fusão das centrais sindicais Confederação Geral dos Trabalhadores
(CGT), Social Democracia Sindical (SDS) e Central Autônoma dos Trabalhadores (CAT), estas duas últimas antigos “rachas” da Força Sindical (FS), outrora tida como principal representante do conservadorismo no movimento sindical. As recentes movimentações da FS evidenciam o quadro confuso em que se encontra hoje o mundo sindical, haja vista sua guinada política, quando de ferrenha opositora da CUT e do Governo Lula passou para a base aliada após a indicação de Carlos Lupi (PDT) para o Ministério do Trabalho.

De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), publicados no Diário Oficial da União (DOU), no último dia 15, a representatividade das centrais sindicais, reconhecidas pelo Governo – e que atenderam, portanto, aos requisitos previstos na Lei nº. 11.648/2008, que reconhece as centrais sindicais no Brasil – divide-se hoje, aproximadamente, da seguinte forma: CUT (36,79%), Força Sindical (13,10%), UGT (7,19%), CTB (6,12%), NCST (5,47%) e CGTB (5,02%)3. Obviamente este quadro de fracionamento, sobretudo no campo da esquerda, pode ser prejudicial para a classe trabalhadora como um todo, na medida em que a pauta sindical deixa de ser somente a luta pela valorização do trabalho e passa a se dar em torno da disputa entre as máquinas sindicais pelas entidades de bases afiliadas, posto que de acordo com a regulamentação das centrais sindicais, cada sindicato de base deverá declarar a qual central está ligado4. Estas disputas tendem a afastar cada vez mais a base dos sindicatos, que passam a ser vistos por muitos trabalhadores somente como espaços de lutas políticas internas, deixando de lado as reivindicações em prol da classe operária.

Em contrapartida, contudo, o atual quadro de fracionamento não impede que atos conjuntos possam ocorrer, envolvendo diferentes centrais sindicais. No dia 30/03/2009, dirigentes de diversas centrais sindicais – como CUT, Força Sindical, CGTB, CTB, NCST, UGT, Intersindical, CONLUTAS – protagonizaram um ato unitário com lideranças de outros movimentos sociais em defesa da geração de empregos, da valorização dos salários e da garantia de direitos trabalhistas. Muitas destas pautas foram entregues pelas centrais sindicais em reunião com o presidente Lula no último dia 08/04, na qual às reivindicações em torno da aprovação das questões relacionadas ao mundo do trabalho, somaram-se aquelas referentes à necessidade da redução dos juros e dos spreads bancários, à expansão do crédito e ao fortalecimento do papel do Estado neste contexto de crise.

Espera-se que o referido ato do dia 30 atue como um catalisador de novas movimentações no sentido de construir pautas comuns capazes de unificar o movimento sindical e social em relação às suas reivindicações. Resistir de maneira unitária às pressões pela flexibilização da legislação trabalhista e travar a luta em torno de pautas propositivas, como a ratificação das convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – em especial a 1515 e a 1586 – e a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas, sem redução de salários, parece ser o caminho mais promissor para um movimento sindical que ainda se coloca como um ator relevante na disputa hegemônica entre capital e trabalho na sociedade brasileira.

1 )Mestrando em Sociologia no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e pesquisador do Centro de Estudos Direito e Sociedade (CEDES).

2 )Nas eleições presidenciais de 2006, a CUT apoiou Lula, enquanto que a CONLUTAS e a Intersindical apoiaram Heloísa Helena. A CTB fazia parte da CUT e também apoiou a eleição de Lula. A Força Sindical deu seu apoio a Geraldo Alckmin.

3 )A CONLUTAS e a Intersindical não participaram desse processo de reconhecimento das centrais sindicais, apontando para a possibilidade de ingerência do Estado sobre as mesmas, da forma como o projeto foi aprovado. Daí, estarem excluídas deste cálculo de representatividade.

4 )A “representatividade” das centrais sindicais, de acordo com suas bases, define a parte do bolo (10%) do imposto sindical arrecadado que caberá a cada central sindical. Caso se tome como parâmetro a arrecadação de 2007, as centrais irão receber, na proporção de sua representação, R$ 144,1 milhões.

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