terça-feira, 14 de abril de 2009

Quem serão os reempregados?

José Pastore
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Os primeiros que vão são os primeiros que voltam. Assim é a vida dos trabalhadores terceirizados. Na hora da crise, são logo despedidos. Isso porque as empresas relutam em perder o pessoal de seu quadro fixo. Despedi-los custa caro duplamente. As verbas rescisórias são altas e a perda do capital humano é expressiva.

Os que não fazem parte do quadro fixo são empregados de outras empresas - as contratadas - que prestam serviços às contratantes. Com raras exceções, os laços entre contratadas e contratantes são mais frouxos e as despesas de desligamento ficam por conta das contratadas, ainda que tais despesas tenham sido embutidas no preço do contrato de prestação de serviços. Há aí um rateio de riscos entre as contratantes e as contratadas.

Se os terceirizados são os mais vulneráveis na hora da crise, eles são também os primeiros a ser chamados na hora da retomada. Sim, porque a reativação dos negócios não se dá de repente. Tudo começa a aquecer devagar, de forma gradual e progressiva.

Em vista disso, as empresas tornam-se cautelosas no processo de recrutamento. A reação inicial é a de ocupar a capacidade ociosa contratando funcionários terceirizados, temporários, por prazo determinado, etc. Na medida em que as vendas vão tomando corpo, elas partem para a ampliação do seu quadro fixo. Raros são os casos em que as encomendas aparecem de repente a ponto de justificar a contratação desse pessoal logo de saída.

Se assim é a realidade, o contrário disso é a legislação trabalhista. Para dizer pouco, basta mencionar que o Brasil não possui um marco regulatório claro para contratar serviços terceirizados. A única disciplina existente é a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, que dentre outras dificuldades proíbe a contratação de terceiros nas chamadas atividades-fim da empresa.

Essa é uma grande limitação na hora da retomada. Aliás, é um obstáculo em qualquer circunstância. Até hoje não se sabe o que é fim e o que é meio no processo produtivo. A referida súmula não esclarece. Os juristas mais divergem do que convergem. A maioria das sentenças judiciais usa argumentos não definidos em lei.

E, no final das contas, de nada adianta querer distinguir esses dois tipos de atividades na economia atual, que se baseia em redes de produção, que ocupam profissionais em várias condições - os que são empregados, os que prestam serviços por meio de outras empresas, alguns em termos pessoais, outros como parte de uma equipe de especialistas e muitos de forma autônoma, executando projetos que têm começo, meio e fim e que podem se repetir no tempo de forma indefinida.

Mais importante do que definir o que é meio e o que é fim é assegurar que todos os profissionais estejam protegidos pelos direitos que lhes cabem, sejam eles derivados da lei ou dos acordos e convenções coletivas de trabalho.

A ausência de um marco regulatório para a contratação de terceiros gera desentendimento, transformando-se em grave problema para os trabalhadores. São pessoas reempregáveis que ficarão desempregadas em razão da insegurança jurídica das empresas para contratá-las de forma indireta.

O mesmo ocorre com os que trabalham em tempo parcial ou por prazo determinado. Para contratá-los, não há o menor estímulo por parte das leis vigentes. As empresas estão sujeitas às mesmas despesas de contratação que têm quando contratam um profissional por prazo indeterminado.

Sabendo que a recontratação vai começar por essas categorias, por que não tomar providências hoje para facilitar a vida de todos amanhã?

O assunto vem sendo debatido há décadas, e nada acontece. As discussões têm sido marcadas por informações incompletas, por dados distorcidos e por interesses ocultos dos que pretendem a concentração do poder do lado sindical e a ausência de responsabilidade do lado empresarial.

O fato de haver muita precarização no trabalho terceirizado é, em grande parte, em razão da ausência de uma disciplina clara, funcional e realista. Isso leva muitas pessoas a querer acabar com o processo de terceirização - o que é impensável na produção atual. Seria como jogar fora a água do banho juntamente com a criança. É urgente disciplinar o compartilhamento de riscos e de responsabilidades no processo de terceirização.

*José Pastore é professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo

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