sábado, 11 de abril de 2009

Quem vai liderar este novo mundo multipolar?

Fernando Abrucio
DEU EM ÉPOCA


O G20 é um marco histórico, mas é preciso definir quem vai segurar o leme nos momentos críticos

A reunião do G20 foi um marco histórico. Sepultou o antigo clubinho dos desenvolvidos e incluiu mais países no centro decisório do mundo. O resultado mostrou uma ordem internacional mais multipolar, em contraste com a bipolaridade da Guerra Fria e com a dominância americana recente. Tudo isso é um avanço. O problema é saber quais serão as bases da cooperação entre as nações daqui para diante. Em outras palavras: como será o processo decisório da nova governança global?

A primeira hipótese seria a realização de acordos apenas com a aceitação de todos os atores globais. Mas quem seriam eles? Todos os integrantes do G20? Será que as outras nações não gostariam de ter um sistema de acesso a esse clube? Tais perguntas são embaraçosas e mostram que a multipolaridade pode ser um fato, mas não define por si quem serão os novos atores. Provavelmente, estamos assistindo ao surgimento de um mundo em que as principais potências terão de conversar e, em algumas situações, negociar com mais países – sem que isso, contudo, signifique que todos terão o mesmo poder de voto. Não se trata aqui apenas de um problema de distribuição de poder. A experiência da Organização Mundial do Comércio (OMC), baseada no princípio da unanimidade, revelou que também existe uma questão de eficácia do sistema decisório internacional. Basta ver a interminável novela da Rodada Doha, na OMC.

Caso se aceite a ideia de que alguns países terão mais poder que outros no final – embora só possam fazê-lo depois de ouvir e levar em consideração outras nações –, fica pendente a seleção dos “escolhidos”. Serão os poderes efetivos e os construídos internacionalmente que definirão esse processo.

O poder efetivo das nações vincula-se à riqueza e ao poderio geopolítico, este último ligado – mas não só – à capacidade militar. Estados Unidos, as peças centrais da União Europeia – Alemanha, Inglaterra e França –, Rússia, China e Índia detêm tais condições. Mas a legitimidade internacional construída pelos países também deve ser colocada como critério para estar no clube dos mais poderosos. A necessidade de obter legitimidade numa ordem internacional mais multipolar abre espaço a países sem tanta riqueza ou poder militar, mas que estejam numa rota de fortalecimento econômico e geopolítico, que atuem como intermediadores dos descontentes ou de regiões sem lugar cativo no clube dos poderosos. Essa é a possibilidade aberta a nações como África do Sul e Brasil.

Sai desse novo contexto a frase de Barack Obama ao presidente Lula. O líder americano sabe que a configuração multipolar não ignora os poderes efetivos, mas percebeu rapidamente que sua força depende cada vez mais da legitimidade de sua atuação, incluindo aí a simpatia de potências intermediárias, capazes de reduzir os custos da cooperação ou de abrir as portas a barganhas interditadas. Se a tradução deve ser “Ele é o cara” ou “Ele é meu chapa”, tanto faz. O que importa é a necessidade de construir alianças com nações como o Brasil, tanto por seus poderes efetivos como por sua capacidade de construir legitimidade internacional.

A ordem multipolar contará com algumas nações mais fortes à frente, outras intermediárias um pouco abaixo, embora estas possam ter poder de interferir no jogo entre os poderosos. Talvez tenhamos um G20 com sete ou oito nações no primeiro bloco e três a quatro no segundo. A definição do número e dos nomes dos atores globais não esgota o problema. De que maneira definirão o processo decisório? As instituições internacionais terão de ser reformuladas para a nova realidade, algo que demandará tempo. Mesmo quando isso ocorrer, as decisões serão mais eficazes à medida que houver lideranças capazes de mobilizar e convencer os demais. Uma ordem multipolar precisa, particularmente nos momentos mais críticos, que alguém ou alguns poucos segurem o leme. Nos próximos anos conheceremos os timoneiros da mudança – e quem o fizer terá mais legitimidade no futuro, como os EUA no pós-guerra.

Fernando Abrucio é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA

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