quarta-feira, 27 de maio de 2009

CPI na regra do jogo

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A CPI do Mensalão, a mais grave investigação conduzida sobre a ação da cúpula do Partido dos Trabalhadores no governo Lula, que teve claro potencial para atingir o Presidente da República, desenvolveu-se sob o comando do próprio governo investigado que também tinha a maioria no plenário da comissão. A CPI do PC, que levou um presidente da República ao impeachment e à renúncia, funcionou muito bem apesar de comandada por um político de partido aliado ao governo que apoiou o acusado até o fim.

O fato de a CPI da Petrobras ser dominada pelos partidos governistas, com presidência, relatoria, sub-relatorias, maioria do plenário ou seja lá o que mais for, não decreta, por antecipação, sua inutilidade. Não a vocaciona, também, ao signo do compadrio. O que pode determinar a relevância do trabalho é a natureza dos problemas que conseguir abordar.

É uma a CPI da Petrobras que se limitar ao levantamento de verbas de patrocínio para Ongs, mesmo que sejam em maioria as do PT, de sindicatos e do MST, ou as prefeituras do PT da Bahia, do Nordeste ou do Brasil. Esta é uma consequência do aparelhamento sindical e partidário da empresa e sua descambada para a política. A investigação segundo este modelo fica a um passo daquela inócua apuração do uso inadequado dos cartões corporativos e a dois passos daquilo que o deputado baiano de oposição, José Carlos Aleluia (DEM), tem chamado de CPI do Forró.

É outra a CPI da Petrobras que conseguir levar a uma investigação sobre os bilionários contratos da empresa, apurando, inclusive, se realmente existem os feitos sem licitação. Também consistente seria o inquérito sobre as decisões técnicas que, neste governo, acabaram se submetendo às injunções político-partidárias, como as facilidades e transigências especiais para os amigos Hugo Chaves e Evo Morales, por exemplo.

Um comando sério, competente, independe de ser de partido da situação ou da oposição, há os precedentes citados. Poderá conduzir as investigações de forma equilibrada e produtiva para todos. Não será a primeira vez que o investigado estará no comando da investigação, se for esta a opção final do governo que, de resto, tem maioria no Congresso para decidir o que quiser.

Há até quem avalie, e não são poucos, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá feito um favor ao DEM se confirmar que não aceita na presidência dos trabalhos o senador Antonio Carlos Magalhães Jr., o mais cotado durante toda a negociação entre os nomes da oposição para a tarefa.

Lula teria tomado a decisão, ou pelo menos comunicado ao ministro da articulação política e aos líderes, que a levaram ao Congresso, após reunião com José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras, e com José Eduardo Dutra, presidente da BR. O recuo nas negociações para dar a presidência à oposição foi interpretado, também, como indício de fechamento do governo no seu casulo por temer expor demais seu estilo administrativo.

O senador ACM Jr, embora considerado um político de pavio curto, é também avaliado como um dos mais equilibrados da oposição, um bom professor universitário que preza uma visão técnica das questões a que se dedica na política. O senador é baiano, colega de cátedra do presidente da Petrobras, e estas seriam características a avalizar a isenção.

Aleluia, do mesmo partido e do mesmo Estado de ACM Jr, não vê em nada disso um mal, ao contrário, poderia, a seu ver, ser a garantia de equilíbrio e serenidade na condução dos trabalhos. "O pior é ter alguém do governo sabotando a CPI, esvaziando os depoimentos, barrando investigações, vetando convocações ou engavetando papéis", compara o deputado . Se a CPI sofrer esta sabotagem, acreditam oposicionistas correligionários de Aleluia que estão em posição antagônica, aí mesmo é que é melhor não estar no seu comando, pois a sociedade perceberá o leilão ali instalado.

Ontem, o líder do PSDB na Câmara, José Aníbal - os deputados, por guardarem certo distanciamento do calor dos fatos, estão vendo com mais nitidez a realidade - chamou a atenção para a falta de explicações da Petrobras, do governo e dos governistas sobre as questões de conteúdo já levantadas sobre a administração da empresa. Realmente não há como não notar: a Petrobras, desde que se iniciou o atual movimento pelas investigações, nada informa sobre as dúvidas levantadas. Não há certezas, também, sobre se o comando da Petrobras, de reconhecida soberba, fornecerá explicações e informações ao inquérito, seja ele conduzido por governistas ou oposicionistas.

"Pode acontecer tudo, o que inclui o nada", afirma o historiador e cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília. Ele não vê a relevância que parte dos políticos - não todos nem a maioria - veem em ter um dos cargos de comando. Quando a maioria quer apurar, apura, quando quer participar, participa, diz o professor. As CPIs do Mensalão e do PC são os precedentes. A investigação não depende só do presidente e do relator. Se o presidente for da oposição, a maioria governista do plenário pode recorrer de todas as suas decisões. Se for do governo, a minoria oposicionista pode apresentar votos em separado e conseguir adesões para votá-los, obtendo maiorias em eventuais votações. Pode ir até ao Supremo se considerar-se tolhida.

O presidente e o relator podem muito, mas não podem tudo, diz Octaciano. Se for, então, para enterrar os trabalhos no nascedouro, é aí que a razão estará com os políticos de oposição que vinham defendendo a distância dos cargos de comando.

Segundo análise de Octaciano Nogueira, a empresa é maior que o Congresso, onde dificilmente haverá expertise técnica para analisar contratos bilionários e operações muito sofisticadas. Se ficarem os parlamentares patinando nos fáceis negócios da subvenção, a CPI vai se perder, embora haja consenso de que não se deve deixar sair barato o desmando neste pantanoso campo. Que, se existiu desde sempre, mais ainda agora com inédito aparelhamento político da estatal.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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