quinta-feira, 7 de maio de 2009

A democracia vive de boas e más notícias

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A má notícia é que o Legislativo mantém-se como uma extensão de uma cultura patrimonial que permeia a vida política brasileira. Essa cultura tem engolido com uma rapidez enorme os que se credenciam, pelo voto, a representar setores da sociedade no Congresso. O patrimonialismo é isso: é a apropriação privada do bem público, como se o voto desse ao eleito não o dever da representação política, mas o direito pessoal sobre parcela dos recursos públicos.

Essa tênue separação entre o público e o privado tornou legítima - do ponto de vista da legalidade, de estar de acordo com normas acordadas entre os parlamentares -, por exemplo, as cotas de passagens aéreas, que transcenderam o uso estrito para compromissos parlamentares.

A partir dessa mistura, os conceitos se enviesam, um a um. Por exemplo, da ideia, certa, de que o Legislativo deve preservar sua autonomia perante os demais poderes, deriva a conclusão, errada, de que o uso privado desse dinheiro pode ser partilhado por aqueles que chegaram ao Congresso ungidos pelo voto, ou pelos que são seus "procuradores". E, como o dinheiro público é para o uso privado, mantém-se um frouxo controle sobre os recursos. O descompromisso dos senadores com a fiscalização, ao que tudo indica, pode ter sido um vazadouro de recursos via diretorias da instituição ocupadas por funcionários da casa ou da confiança dos senadores.

Assim é que mesmo as minorias, os pequenos partidos ideológicos, as oposições, os parlamentares tidos na cota dos "éticos" conviveram com relativa paz, ao longo dos tempos, com cotas de passagens, desvios de dinheiro do Legislativo, excesso de vantagens aos integrantes das mesas diretoras etc. Os escândalos no Parlamento só se tornaram escândalos, mesmo, quando "vazaram" para a imprensa e tiveram nome e sobrenome - um deputado Severino Cavalcanti, por exemplo, que pediu propina para renovar o contrato do restaurante da Câmara. Quando foi de uso coletivo, não causou qualquer mal-estar - um conforto concedido por atos da mesa diretora, que tornaram legítimas as práticas de patrimonialismo.

A boa notícia é que, pela primeira vez, essa cultura foi exposta como coletiva. Pelo fato de não terem se originado no próprio Congresso, ela se apresentou não como o desvio de um único parlamentar, mas como um padrão de comportamento que deve ser combatido. Não basta, portanto, abater Severinos de vez em quando, como se eles fossem problemas eventuais da instituição, mas mudar a cultura das duas casas legislativas.

A má notícia é a pequena separação que tem existido, nesse debate, entre as práticas que são condenáveis e o Poder Legislativo, que é a instituição por excelência do regime democrático. É no Legislativo que os partidos são melhor representados, que as minorias têm direito a voz e voto, que se consegue a síntese de um embate ideológico que ocorre, sem mediações, na sociedade civil. Quando o Congresso é apresentado como um poder intrinsicamente venal, sem ressalvas, corre-se o risco de abrir espaço para os que defendem a tese de que o Legislativo é descartável. Não é. Não existe democracia sem partidos políticos, e sem que exista uma representação partidária com função legislativa.

A boa notícia é que, o fato de estarem todos os partidos no mesmo barco dá uma chance única de que se unam para defender a instituição. A outra boa notícia é que a única defesa possível é uma mudança radical na cultura patrimonialista.

José Sarney

A coluna recebeu uma carta cordial do ex-presidente José Sarney, atribuindo as opiniões do artigo da coluna passada, "Coronelismo globalizado", à leitura de um livro do deputado do PT maranhense Domingos Dutra. Fiz várias outras leituras sobre o Maranhão, mas não esta. Não conheço o referido livro. O senador afirma que "em profundidade, há muitos estudos sobre a pobreza do Maranhão, todos eles com a constatação comum de ser o Maranhão um Estado numa posição estratégica difícil, com terras absolutamente pobres e nenhum minério. Até o princípio do Século XVIII, o que circulava no Maranhão como moeda eram rolos de algodão. Os índices sociais, em seu conjunto, não são inferiores aos dos outros Estados do Brasil, e o nosso PIB é o 17º dentre os Estados brasileiros".

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

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