terça-feira, 12 de maio de 2009

Entre oligarquias e plutocracias

Cláudio Gonçalves Couto
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Ainda em meio à avalanche de escândalos que lhe tem assolado, o Congresso Nacional retoma (uma vez mais) as discussões em torno da sempre tão conclamada "reforma política". É curioso, aliás, que ela seja tão alardeada, uma vez que "reforma política" é algo que pode assumir incontáveis formatos, de significados completamente díspares. O clamor em torno dela tem mais a ver com uma percepção mais ou menos generalizada de que o sistema político funciona mal do que com convicções precisas acerca de quais os remédios apropriados à cura dos males percebidos.

Isto é ainda mais verdadeiro se o que se busca com uma "reforma política" é a concretização de consensos sobre os desenhos institucionais desejáveis; afinal, tais consensos simplesmente inexistem. Por isto, muitos dos que bradam na mídia pela "reforma política" sequer saberiam responder o que entendem concretamente por ela se fossem instados a fazê-lo. Ou ainda pior, seriam capazes de vociferar em prol de fórmulas prontas do tipo "voto distrital" ou "financiamento público de campanhas", sem medir exatamente as conseqüências que tais medidas teriam sobre nossas instituições. Desta forma, "reforma política" nada mais seria do que uma ilusória palavra-mágica, um abracadabra cuja enunciação serve apenas para vituperar contra a ordem política posta.

Mas o fato é que os verdadeiramente envolvidos com propostas de mudança institucional (legal ou constitucional) que podem, cada uma delas, ser considerada uma pequena reforma do sistema político, estes efetivamente sabem quais as prováveis implicações das mudanças. Digo aqui "prováveis", pois nunca é possível antecipar com certeza completa todas as eventuais conseqüências que mudanças das instituições políticas poderiam vir a ter sobre o sistema.

Tomemos o exemplo da catastrófica (e ilegítima) decisão de reformar as regras eleitorais das eleições nacionais e estaduais que acabou denominada como "verticalização das coligações". Ao legislar a partir dos tribunais (daí sua ilegitimidade) com vistas a nacionalizar os partidos nas eleições federais e estaduais, seus propositores conseguiram o contrário - os partidos médios e pequenos se estadualizaram como forma de manter a flexibilidade aliancista que lhes viabilizou eleitoralmente.

Hoje boa parte da discussão sobre a reforma política tem incidido sobre dois aspectos relacionados de um mesmo problema: a reforma das regras eleitorais. O primeiro desses aspectos diz respeito à proposta de substituir o vigente sistema eleitoral, de listas abertas nas eleições proporcionais (para deputados e vereadores), por um de listas fechadas. O segundo concerne ao financiamento público de campanhas. Por questão de espaço, tratarei aqui apenas do primeiro aspecto.

No atual sistema, o eleitor pode votar tanto num candidato qualquer, como na legenda de um partido, definindo-se o percentual de cadeiras a que cada partido terá direito com base na soma do total de votos dados aos candidatos e à legenda. No sistema alternativo, o eleitor passaria a votar exclusivamente na legenda de um partido, sendo a lista de candidatos definida pelo partido previamente à eleição, de forma ordenada; os partidos continuariam a ter direito a um número de cadeiras correspondente à proporção de votos recebidos - que desta feita não poderiam mais ser dados a pessoas.

Os defensores desse modelo alternativo alegam que ele reforça os partidos e facilita a escolha do eleitor, que em vez de ter de escolher um nome entre os milhares de candidatos que lhe são apresentados, passaria a optar por uma dentre as pouco mais de duas dezenas de legendas existentes. Já os detratores deste modelo apontam que ele reforçaria as oligarquias partidárias, pois a definição da ordem dos candidatos nas listas seria estipulada pelos caciques dos partidos, a despeito das preferências dos eleitores. O sistema de lista aberta, alegam eles, seria mais democrático por permitir ao eleitorado definir a ordem dos eleitos. Deste modo, seria um antídoto contra as oligarquias.

Considerando-se a péssima qualidade de nossa classe parlamentar (o termo elite sequer é apropriado aqui), a idéia de que o sistema atual previne contra oligarquias não parece ter muita sustentação. Ademais, estudo de Jairo Nicolau ("Como controlar o representante? considerações sobre as eleições para a Câmara dos Deputados no Brasil") mostra que apenas 35,5% dos eleitores votam em candidatos que conseguem se eleger. Desta forma, apenas 1/3 do eleitorado teria alguma influência efetiva na ordenação dos eleitos - o resto fica a ver navios. Onde está o poder do eleitor?

Mas vale acrescentar um ponto crucial: o atual sistema eleitoral eleva sobremaneira os custos de campanha, se comparado a sistemas alternativos. É muito caro eleger-se deputado num sistema de lista aberta, concorrendo com um número avassalador de adversários (inclusive de sua própria agremiação) e tendo de percorrer todo um Estado para assegurar a eleição. Se compararmos tal sistema tanto com o de " voto distrital " (em que se concorre dentro de um território bem mais delimitado contra um número também mais reduzido de candidatos), quanto com o de lista fechada (em que a campanha se dá " no atacado " , para o partido como um todo), o modelo adotado no Brasil é apropriado para eleger uma plutocracia - dos que obtêm boas verbas de campanha. E sabendo-se como tais verbas são obtidas, pode-se dizer que esta plutocracia tende a ser não só oligárquica, como também corrupta. Podemos, portanto, escolher: ou continuamos com oligarcas-plutocratas-corruptos, ou arriscarmos ficar com os escolhidos por oligarcas partidários, como faz a grande maioria das democracias que adota a representação proporcional mundo afora.

Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da PUC-SP e da FGV-SP. O titular da coluna, Raymundo Costa, está em férias

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