terça-feira, 12 de maio de 2009

Limpeza política

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

A prova de que o aparelhamento do Estado com o preenchimento de cargos em estatais com indicados de políticos não é uma política eficiente está na necessidade de enxugar a estrutura da Infraero para que ela possa abrir seu capital e para que alguns aeroportos possam ser privatizados. A decisão do governo de fazer uma limpeza na estatal que controla os aeroportos do país, para torná-la mais atraente para o investidor privado, é a admissão de que ela nunca deveria ter sido tomada por indicações políticas. A falta de estrutura profissionalizante na Infraero e na Agência Nacional de Aviação Civil, que também passa por uma reformulação, certamente teve reflexos no recente caos aéreo, que ainda deixa suas sequelas.

O brigadeiro Cleonilson Nicácio, novo presidente da Infraero, aprovou um estatuto que obriga que as diretorias de administração, operações, finanças, comercial e engenharia sejam preenchidas por funcionários de carreira do quadro da Infraero.

No novo esquema, foram restritos a 12 os "contratos especiais", que já chegaram a ser mais de 200, com salários mensais que podem ir a mais de R$13 mil. Só com o fim desses contratos, a estatal terá uma economia de mais de R$19 milhões ao ano.

E quem estava nessa "boquinha" que foi fechada? Ninguém menos que um irmão e a cunhada do líder do governo Romero Jucá (PMDB-RR), a ex-mulher do líder do PMDB, Henrique Alves (RN), um indicado pelo ex-presidente da Câmara, o petista Arlindo Chinaglia, e outros menos votados.

Ontem, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que é um político do PMDB, mandou um recado depois de ter uma audiência com o presidente Lula: as demissões estão mantidas. E deixou no ar uma ameaça: "Se não for para fazer um trabalho sério, não é o meu ambiente".

Os líderes do PMDB atingidos pela limpeza ética não se envergonharam de terem sido apanhados com a boca na botija, tanto está entranhada a cultura clientelista de indicar parentes e amigos para cargos para os quais não estão minimamente capacitados.

Uma atitude normal dentro do sistema franciscano de fazer política "é dando que se recebe". O senador Romero Jucá, líder dedicado tanto a governos tucanos como petistas, desde que seus interesses sejam atendidos, sentiu-se genuinamente destratado pelo governo a que serve com tanto zelo.

E, na prática, talvez desanimado com tamanha ingratidão, deixou passar diversas alterações no Senado na medida provisória 449, que definiu o perdão de dívidas tributárias e o parcelamento de débitos de empresas.

Na Câmara, o PMDB foi mais explícito e uniu-se ao oposicionista DEM para derrotar o governo que apoia, ampliando o alívio financeiro aos prefeitos.

Foram apenas alguns avisos para lembrar ao governo o poder de fogo que o maior partido do país tem para defender seus interesses.

Ao que parece, a solução será ampliar mais ainda o poder do PMDB dentro do governo, dando-lhe o que é o seu objeto de desejo no momento, um lugar entre os chamados "ministros da casa", isto é, aqueles que têm gabinetes próximos ao presidente Lula no Palácio do Planalto e fazem parte do núcleo político decisório do governo.

Como não é possível cobiçar os cargos da chefe do Gabinete Civil, Dilma Rousseff, nem do ministro da Comunicação, Franklin Martins, e muito menos do secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, o único remanescente do núcleo duro original, o único cargo cobiçável é o do ministro de Relações Institucionais, hoje ocupado pelo PTB.

O deputado José Mucio já demonstrou interesse em ir para o Tribunal de Contas da União, e é provável que se encontre por aí uma saída para contentar o PMDB pelo momento.

Outro cargo que deverá ficar livre em breve é o do secretário-particular Gilberto Carvalho, se ele for mesmo assumir a presidência do PT. Mas esse é um cargo de extrema confiança do presidente Lula, e dificilmente entrará em barganhas políticas.

Um problema para incluir alguém do PMDB nesse restrito grupo de assessores presidenciais é a incerteza quanto o apoio formal do partido à candidatura oficial de Dilma Rousseff.

Como é possível admitir-se nos centros decisórios mais fechados um político cujo partido pode estar na trincheira inimiga dentro de poucos meses?

O fato é que a reestruturação da Infraero, e a privatização de alguns aeroportos importantes do país, como o Galeão/Antonio Carlos Jobim, no Rio de Janeiro, mostram bem que o governo tem um discurso político que freqüentemente é atropelado pela realidade.

A privatização foi demonizada por Lula na campanha eleitoral de 2006 e foi a pá de cal na candidatura franzina do tucano Geraldo Alckmim, mas de lá para cá o governo reeleito já privatizou rodovias, hidrelétricas e agora aeroportos, justamente partes da infra-estrutura que necessitam de investimentos de modernização incapazes de serem feitos pelo governo.

É o raciocínio oposto ao que aconteceu recentemente no Banco do Brasil, onde, após a intervenção do Palácio do Planalto, um presidente ligado ao secretário-particular de Lula e provável futuro presidente nacional do PT, Gilberto Carvalho, foi nomeado a pretexto de reduzir o spread dos financiamentos, e o PT passou a controlar cinco das nove vice-presidências, o PMDB ficou com uma vice-presidência e apenas três são ocupadas por técnicos sem ligações partidárias explícitas.

O governo sabe que essa maneira de gerir um banco é menos eficiente do que a profissionalização, mas vai para o lado que o vento sopra, dependendo da ocasião.

Outras estatais, que continuam sendo fatiadas e entregues aos indicados pelos partidos políticos que formam a heterogênea e insaciável base parlamentar que apoia o governo, deveriam seguir o mesmo critério atual da Infraero, se o governo quisesse que se tornassem máquinas eficientes de políticas públicas.

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