segunda-feira, 4 de maio de 2009

União triplica despesas mesmo com lei fiscal

Regina Alvarez
DEU EM O GLOBO


Regras que freiam estados e municípios não afetam governo federal

ALei de Responsabilidade Fiscal, que completa nove anos hoje, tem sido usada pelo governo federal para enquadrar estados e municípios nos princípios da austeridade fiscal. Se não cumprirem os limites da lei, esses entes ficam impedidos de contratar empréstimos e receber recursos e aval da União. Mas o governo federal adota um comportamento menos rígido em relação aos seus próprios gastos: na vigência da LRF, as despesas correntes da União triplicaram: subiram de R$171,371 bilhões (14,5% do PIB) para R$564,457 bilhões (18,2% do PIB), um aumento de R$393,086 bilhões, o equivalente a 12,7% do PIB.

O aumento da carga tributária no período - da ordem de 5% do PIB - abriu espaço para a ampliação das despesas da União com pessoal, custeio da máquina e programas de assistência como o Bolsa Família, além dos benefícios do INSS. Os gastos com pessoal passaram de R$58,240 bilhões em 2000 (4,9% do PIB) para R$168,795 bilhões em 2009 (5,4%). Em nove anos, a folha de pessoal e encargos sociais da União aumentou R$110,5 bilhões, 3,57% do PIB.

E os próximos orçamentos já estão comprometidos com aumentos autorizados e aprovados pelo Congresso até 2012.

O limite imposto pela LRF para as despesas de pessoal da União - de 50% da Receita Corrente Líquida - revelou-se folgado para conter gastos com pessoal, principalmente por conta do aumento das receitas federais. Em 2009, esses gastos alcançarão R$168,795 bilhões, mas ainda ficarão abaixo do limite da lei.

Os demais gastos correntes pularam de R$113,131 bilhões para 395,662 bilhões no período. A diferença, de R$282,531 bilhões, equivale a 9,13% do PIB. A lei determina que, para cada despesa nova, seja indicada a fonte de receita, mas isso não travou o aumento das despesas da União.

- A LRF representa uma revolução no relacionamento entre o governo central e os governos subnacionais. Daqui a 50 anos, quando a história das finanças públicas for contada, haverá o antes e o depois da lei. Mas, em relação ao governo central, é claramente insuficiente - afirma o economista Fábio Giambiagi, do BNDES.

Limite depende de votação no Congresso

Especialista em finanças públicas, Giambiagi defende a LRF e critica a expansão dos gastos. Em 2007, o governo encaminhou projeto ao Congresso para conter gastos, complementando os limites da LRF.

- É um assunto que clama para entrar na pauta do Congresso - afirma Giambiagi.

Um indicador que reflete a performance da União, de estados e municípios na vigência da LRF é o superávit primário (economia para pagar juros). Entre 2000 e 2008, enquanto o superávit do governo federal cresceu 13,8%, passando de 2,59% para 2,95% do PIB, o de estados e municípios aumentou 76,5% - de 0,64% do PIB para 1,13%.

O economista José Roberto Afonso, um dos pais da LRF, vê com preocupação as contas públicas na conjuntura de queda da arrecadação, combinada com a elevação dos gastos da União. Ele reconhece que o aumento da receita na vigência da lei beneficiou os entes da federação, mas pondera que os estados fizeram sua parte ajustando seus orçamentos.

- O ajuste fiscal da União estava baseado no aumento contínuo e cada vez mais intenso da carga tributária. Agora, o castelo está ruindo porque os ventos da carga tributária apontam no sentido inverso - afirma Afonso.

O economista chama a atenção para o fato de que os limites de endividamento só valem para estados e municípios, enquanto a União continua livre. Os projetos que regulamentam limites das dívidas consolidada e mobiliária estão no Congresso, e o governo não se mexe para fazê-los avançar.

Estados e municípios, por sua vez, tiveram que apertar o cinto para se enquadrar. No caso dos estados, os limites correspondem a duas vezes a Receita Corrente Líquida e, nos municípios, a 1,2 vez. Em 2000, sete estados estavam com dívida acima do limite da LRF, enquanto em 2008 apenas o Rio Grande do Sul se encontrava nessa situação.

- Governos estaduais e municipais respondem por 3% da dívida pública bruta do país, que chega a 62% do PIB. Os outros 97% são de responsabilidade do governo federal e não estão sujeitos a limites - alerta Afonso.

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