segunda-feira, 1 de junho de 2009

Novo ciclo de inserção internacional

Ricardo Ubiraci Sennes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

As transformações políticas e econômicas por que o Brasil tem passado desde a década de 1990 estão mudando o padrão de inserção externa do País e redefinindo suas bases e seus interesses internacionais. Essa situação abre um leque de oportunidades para o País se posicionar em áreas que antes recebiam pouca atenção dos formuladores de políticas. Mas, apesar de esse movimento de atualização da agenda internacional ser notório, ainda não foi assumido como parte essencial da estratégia de desenvolvimento nacional.

Como tende a acontecer em nações com forte diversidade socioeconômica, a redefinição da inserção externa não está ocorrendo de maneira linear e homogênea. Ao contrário, convivem lado a lado estratégias e ações diversas, tanto dentro como fora da esfera estatal. E uma de suas dimensões mais interessantes está associada às reformas econômicas de caráter seletivo, que combinaram abertura forte de alguns setores e comedida de outros, com algumas políticas públicas bem-sucedidas que, ao final, criaram incentivos para uma surpreendente expansão brasileira no exterior.

Houve um crescimento de mais de 440% do fluxo comercial do Brasil com o mundo, de 1990 até 2008. Isso dobrou a importância do comércio exterior no PIB nacional, que saltou de 11% para 22%. Simultaneamente, a pauta de exportação se diversificou, abrindo espaço para segmentos como os de serviços, incluindo as áreas de tecnologia da informação (TI), financeira e de engenharia e construção - todas intensivas em tecnologia, pesquisa e conhecimento. Outro indicador que teve alterações significativas foi o de investimento externo direto no País, que saiu de menos de US$ 1 bilhão em 1990 para US$ 45 bilhões em 2008.

Um dos mais importantes reflexos dessa dinâmica foi a recente quitação da dívida com o FMI e o aumento das reservas internacionais ao maior nível na História. O montante das reservas coloca o Brasil, pela primeira vez, como credor internacional, o que certamente tem efeitos positivos sobre sua respeitabilidade e seu poder de barganha no cenário externo.

Dentre as frentes de internacionalização do País, um dos maiores destaques é o rápido avanço de multinacionais brasileiras no exterior. Além de crescente, essa presença é cada vez mais diversificada em termos de porte, de setores - incluindo áreas como siderurgia, mineração, financeira, TI, engenharia e construção, energia e aviação, entre outras - e de mercados, como América Latina, EUA, Europa e China. O estoque de investimento brasileiro direto no exterior alcançou US$ 114 bilhões em 2006. Isso colocou o Brasil como o 12º maior investidor externo do mundo e o 2º entre os países emergentes.

Pesquisa e inovação também deram um importante salto nos últimos anos e acompanharam a internacionalização, e em alguns campos científicos o País deixou de ser apenas importador de conhecimento e passou a exportar capital intelectual. Há esforços para diminuir o gap nessa área, como a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce), a Lei de Inovação, a Lei do Bem e as linhas de crédito do BNDES, da Financiadora de Estudos e Pesquisas (Finep), além de iniciativas dos governos estaduais e municipais.

Os pesquisadores brasileiros quadruplicaram a publicação de artigos em periódicos científicos internacionais e foram, em 2006, responsáveis por quase 50% de toda a produção científica indexada na América Latina. A contínua falta de conexão entre a academia e o meio empresarial, no entanto, contribui para o descompasso entre o grande crescimento das publicações internacionais e a evolução do número de patentes de residentes brasileiros no Brasil e no exterior.

Essa internacionalização multifacetada tem acarretado mudanças dos fóruns e meios prioritários de atuação do País. Por exemplo, as arenas estritamente formais e diplomáticas perdem importância relativa e ganham relevância novos atores, como agências reguladoras, bancos de fomento, instituições de pesquisa e inovação e empresas. A participação desses atores tem redefinido a ação internacional do País e forçado uma articulação crescente deles com a orientação da política externa. Em geral, isso tem contribuído para a posição do governo externamente se alinhar às estratégias setoriais e às políticas públicas internas.

A definição de uma nova estratégia de inserção internacional precisa considerar, acima de tudo, que a economia brasileira é razoavelmente aberta, competitiva e com razoável potencial de crescimento, o que coloca o País num patamar bastante distinto daquele em que se encontrava há alguns anos. O crescimento do comércio e do investimento no exterior, tanto industrial como de serviços, incluindo média e alta tecnologias, tornou-se parte essencial da estratégia de uma vasta gama de empresas aqui sediadas. O padrão regulatório nacional em áreas como telecomunicação, concorrência, inovação e sistema financeiro já está bastante alinhado ao de países desenvolvidos e, por vezes, é até mais aberto e moderno que o deles. Por isso esse padrão precisa ser incorporado à agenda estratégica do Brasil. Não há por que o País não ser mais ativo e propositivo também nesses campos, tanto regional quanto globalmente.

Diferentemente dos outros ciclos de inserção internacional do Brasil, o atual é, por sua própria natureza, mais amplo e multifacetado e não se restringe a ajustes da política externa. Envolve novos atores e fóruns dentro e fora do País e implica redefinições de estratégias e alianças internacionais. O Brasil está diante de um enorme desafio: incorporar integralmente as variáveis internacionais na equação do desenvolvimento nacional e redesenhar, de forma coerente e criativa, o papel que espera desempenhar no mundo nas próximas décadas.

Ricardo Ubiraci Sennes, economista, doutor em Relações Internacionais (USP), é professor de Relações Internacionais (PUC-SP) e sócio-diretor da Prospectiva Consultoria

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