quarta-feira, 22 de julho de 2009

Erro sem volta

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Por mais que alguns senadores tentem justificar o voto contra a indicação de Bruno Pagnoccheschi para uma diretoria da Agência Nacional de Águas (ANA), não conseguirão enobrecer seu desastrado gesto. O acontecimento caracteriza-se como o disparo de uma bala perdida pelo Senado Federal, já esperada no prolongado ambiente de caos ali instalado. Os senadores, ainda sem porta de saída da sua interminável crise, fariam injustamente uma vítima.

Pois encontraram neste engenheiro paulista de 59 anos, sólida formação na área ambiental e de recursos hídricos, com uma carreira que lhe proporcionou vasta experiência, inclusive em regulação e gestão, o alto funcionário, o especialista a ser imolado.

As reações políticas às agressões verbais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo se a Casa não estivesse em colapso ético, são legítimas e até necessárias para a busca de algum equilíbrio de forças que evite o trânsito para descaminhos institucionais. Não é excessivo lembrar ao chefe do governo que a compostura é necessária.

Com as características do que foi feito a Bruno, porém, não há precedentes. Da formação às atividades profissionais, trata-se de um especialista. Bruno é pós-graduado em Hidráulica e Saneamento, em Hidrologia e Administração de Projetos de Meio Ambiente, e doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Sua experiência vai do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, o antigo DNAEE, à implantação da Secretaria do Meio Ambiente. Passou por vários cargos no Ministério do Meio Ambiente e na própria ANA, onde foi Secretário Geral, à época da presidência de Jerson Kelmann, e depois cumpriu mandato de diretor, de 2005 até agora, renovação que o governo pleiteava este ano ao Senado.

Bruno exerceu atividades para organismos internacionais, da OPAS ao PNUD, BID e BIRD. Tem livros e trabalhos publicados. Tudo isso lhe valeu, junto com uma exposição sobre política de recursos hídricos e meio ambiente, a aprovação, por unanimidade, na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle, do Senado, em maio último.

Tratava-se de recondução, sem riscos, quando o nome chegasse ao plenário. Da sabatina em comissão, o especialista participara ao lado de um outro indicado para a diretoria, também aprovado na primeira instância. No plenário, contudo, os processos entraram separados, e o seu tramitou primeiro. Ficou no trajeto da bala.

Na votação feita segundos antes, um requerimento, de número 854, de 2009, feito pelo líder do governo Romero Jucá (PMDB-RO), foi aprovado por 45 votos contra apenas um e duas abstenções, num total de 48 votos no plenário. Entraria em pauta, a seguir, o processo de Bruno. Chega, então, ao plenário, a notícia que humilhou o Senado: "Os senadores são todos bons pizzaiolos". Sequer era uma novidade pois Lula já identificara, na composição do Congresso, "300 picaretas". No entanto, à época, não era Presidente da República e o Senado não estava na situação a que foi conduzido agora pelos seus dirigentes.

Sucederam-se discursos inflamados, alternando-se na tributa, principalmente, parlamentares do PSDB, com um ou outro do PDT e PTB entre eles. O presidente da sessão, Marcone Perillo (PSDB-GO), apresentou à discussão o parecer 583, de 2009, da Comissão de Meio Ambiente, sobre a mensagem 78 do Presidente da República, submetendo ao Senado a escolha de Bruno Pagnoccheschi para ser reconduzido ao cargo de diretor da ANA. Em fração de segundos Perillo pôs o assunto em discussão e, alegando que não se apresentaram oradores, abriu logo a votação. Neste momento, viu-se o sinal em código, mais tarde confirmado por senadores oposicionistas, que comanda a represália ao Presidente da República: o gesto é passar a mão, em concha, do nó ao meio da gravata, multiplicando a informação de um para outro. A ordem é recusar.

Depois de mais alguns discursos em que se revezaram na tribuna o PSDB, o PTB, o DEM, falaram dois governistas: o senador Renato Casagrande (PSB-ES), que tentou defender a aprovação do nome de Bruno por ser ambientalista e profundo conhecedor da área de recursos hídricos, e o líder Romero Jucá (PMDB-RR), que pediu a aprovação de Bruno mas, conhecedor dos códigos do plenário, solicitou ao presidente da Mesa que não colocasse em votação, a seguir, o segundo indicado para a ANA, "porque o quorum está baixo". A ex-ministra e senadora Marina Silva deu um depoimento forte em plenário, ressaltando as qualidades pessoais e profissionais do ambientalista, e lamentou que, com o processo já iniciado, não tenha sido possível retirar de pauta o nome indicado.

O placar: 20 senadores aprovaram Bruno, 30 votaram contra e houve 1 abstenção."Não quero ter a pretensão de que 30 senadores não gostam de mim, eles sequer me conhecem", diz Bruno, bem depois do susto, ao conversar, com tranquilidade, sobre os furos do sistema de indicações para as agências reguladoras.

Aliviado por estar em casa e não no plenário, tendo evitado assim o constrangimento que já viu outros passarem de corpo presente, Bruno refletiu: "A gente fica vendido, pois está sendo julgado não pelo que fez, mas por uma circunstância política de quem tem o mandato legal para indicar". Desde a aprovação por unanimidade, na Comissão do Meio Ambiente, em maio, até hoje, não aconteceu nada que justificasse a mudança. "Não fui preso, não se descobriu nenhum escândalo. É uma situação contraditória que deveria, talvez, ser examinada para aperfeiçoar o sistema".

Há uma lei das agências tramitando no Congresso e esta poderia ser uma oportunidade para rever a questão, com foco principal na condução de dirigentes. "Eu acredito no sistema de regulação, são decisões que requerem um tempo de maturação muito grande e investimentos muito pesados. Quando uma agência decide outorgar um empreendimento do setor elétrico, estamos falando de uma quantidade muito grande de recursos e outorgas por um período de 30, 35 anos. Se deixar ao sabor dos governos, a imperfeição é maior. O modelo de agências resguarda um pouco o processo".

Não se reapresenta ao Senado um nome rejeitado, independentemente da razão pela qual o foi.

A perda, portanto, é total. "O meu caso é concluído, acabado", diz um dos maiores especialistas brasileiros em recursos hídricos.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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