quinta-feira, 30 de julho de 2009

O orçamento da eleição permanente

Rolf Kuntz*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Trotskismo e revolução permanente já eram. A ideologia quente no Brasil é a da eleição permanente. Esse é um dado essencial para explicar o indisfarçável desmanche das contas públicas federais. Crise econômica e incentivos setoriais são apenas uma parte da história. A injustificável expansão do custeio, incluída a folha salarial, não é só barbeiragem administrativa. É também uma ação intencional e defendida pelas autoridades com argumentos inteiramente esfarrapados. O novo aumento do Bolsa-Família, previsto para setembro, foi apresentado pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin, como parte da política anticíclica. Mas os beneficiários do programa têm uma renda mínima garantida e não trabalham nos setores mais afetados pelo desemprego. Além disso, a inflação, controlada, pouco deve ter atingido seu padrão de consumo. Que outra explicação para o aumento, além do interesse eleitoral?

É igualmente difícil imaginar outra motivação para o inchaço da folha salarial, quando o Orçamento é afetado por diminuição de receita e concessão de incentivos a setores selecionados. O governo poderia ter adiado os aumentos, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva insistiu em mantê-los. No primeiro semestre, a receita nominal, descontadas as transferências a Estados e municípios, foi 1,8% menor que a de um ano antes, mas a despesa do governo central foi 17,1% maior. A gastança foi puxada pela folha de pessoal, 21% maior que a do primeiro semestre de 2008. A despesa com pessoal, é bom lembrar, continuará a crescer neste semestre, por causa dos aumentos em vigor desde julho.

"Esse discurso é surrado, está vencido", disse o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, criticando quem censura o excesso de gastos. Segundo ele, a régua usada para medir os fatos antes da crise não serve mais, porque a realidade mudou. O ministro parece um tanto confuso: a aritmética não mudou, nem os princípios das finanças públicas. O uso da política fiscal para estimular a economia é justificável e desejável, quando as contas públicas já não estão arrebentadas. No caso do Brasil, havia margem para a ação anticíclica, mas o resultado foi quase caricatural. Além da redução de impostos para setores, o governo praticamente se limitou a aumentar os gastos com pessoal e outros itens de custeio, pouco produtivos e, além disso, permanentes. O investimento nominal foi 21,8% maior que o do primeiro semestre do ano passado, mas sua participação no total do gasto público permaneceu ridiculamente pequena. Enquanto as despesas com a folha subiram R$ 12,53 bilhões - de R$ 59,60 bilhões para R$ 72,14 bilhões -, o investimento em ativos fixos aumentou R$ 2,15 bilhões - de R$ 9,87 bilhões para R$ 12,02 bilhões. A despesa total do Tesouro chegou no semestre a R$ 153,61 bilhões.

Os incentivos fiscais tiveram algum efeito positivo, mas a política de investimentos não saiu do discurso. Diante da insegurança do setor privado, caberia ao governo aumentar os gastos em infraestrutura e atrair o empresariado para participar das obras públicas. Os números do governo mostram resultados pífios e não havia por que esperar um desempenho melhor. Para pagar despesas de custeio, basta a liberação do dinheiro. Isso requer um ato burocrático dos mais simples. Conduzir um programa de investimentos é muito mais complicado: requer competência técnica e gerencial.

Despesa de custeio não é necessariamente despesa ruim. Quando se constrói uma nova escola, um novo hospital ou um novo porto, o investimento resulta em maior gasto de custeio com pessoal e com as demais condições necessárias ao funcionamento das novas instalações. Tudo isso representa mais serviços para a sociedade. Se forem serviços melhores, o ganho é ainda maior. Mas a maior parte do aumento do custeio, na máquina federal, não corresponde a serviços mais amplos e melhores para a população. Em geral, é apenas sintoma de empreguismo, inchaço dos salários, desperdício de recursos na operação da máquina. Na pior hipótese, é também sinal de corrupção ou de favorecimento político - itens presentes no dia a dia do noticiário.

Incapaz de pôr em marcha os projetos de investimento já definidos, o governo anuncia o lançamento, em 2010, de um segundo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2). Para que, senão para engordar as bazófias eleitorais do cabo eleitoral número um do País, o grande porta-bandeira da eleição permanente?

*Rolf Kuntz é jornalista

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