quinta-feira, 30 de julho de 2009

Visão turva

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O problema fiscal não é a meta. É a atitude e a interpretação. O que está errado neste ano, perdido para o crescimento em quase todos os países do mundo, não é um número, é a forma equivocada com que o governo avalia a conjuntura e aplaude as próprias decisões. Ele está aumentando o gasto errado e chamando isso de política anticíclica.

Vários economistas alertam: a conta virá no futuro.

Para o economista-chefe da Convenção Corretora, Fernando Montero, o governo terá que recorrer ao dinheiro do Fundo Soberano (FS) para cumprir a meta de superávit primário de 2009.

Ele explica que para cumprir o resultado, o crescimento da despesa — que foi 19% maior que o crescimento da receita no primeiro semestre — terá que desacelerar para 6% até dezembro. Um resultado muito difícil de ser cumprido e que obrigará o governo a usar o FS.

Nesse contexto, Montero já acredita até que a meta de superávit de 2010 não será cumprida. Primeiro, porque no ano que vem não haverá mais os recursos do Fundo Soberano — que serão usados este ano — e, segundo, porque o carregamento estatístico deste ano para o ano que vem será fraco.

A meta mudou a cada etapa do ano. Por isso, Montero a define como meta(morfose).

Ela foi já reduzida, e só será cumprida com recursos extraordinários que não existirão nos anos vindouros.

Já os custos da política permanecerão.

— Trabalhamos este ano com um superávit primário efetivo de 1,6% do PIB que foi transformado em superávit formal de 2,5% com a ajuda do Projeto Piloto de Investimentos (PPI) e do aporte de 0,4% do Fundo Soberano. O governo preferiria não ter que recorrer ao FS, mas não terá como evitar — diz.

O problema, segundo ele, é que o FS é uma poupança finita e em 2010 haverá mais dificuldade de fechar a conta porque a meta de superávit primário será de 3,3%.

Se o país crescer mais fortemente no ano que vem, a arrecadação aumentará e isto tornará possível elevar o esforço fiscal. O problema é que 2010 é ano eleitoral e a maioria das despesas que cresceram este ano não poderá ser comprimida.

O mundo inteiro está aumentando seus gastos como forma de reverter o quadro recessivo, diz o governo. E é verdade. Comparado com o resto do mundo, o Brasil tem até um quadro bom porque os déficits nominais nos outros países são muito maiores, diz também o governo. E de novo é verdade. O Brasil terá um déficit nominal de 3,5% do PIB, o que para um ano de crise não é muito.

O problema que o governo não se dá conta, nas suas frequentes sessões de autocongratulação, é que os outros países aumentam despesas que não se repetirão todos os anos porque são investimentos. Já o Brasil está aumentando os custos da máquina pública. Os governos não estão fazendo política anticíclica aumentando salário de funcionários e as contratações para o quadro efetivo. O Brasil tem também sua história: de hiperinflação, desordem de contas públicas, dívida interna pública alta, cara e curta. Por tudo isso, comparações com outros países precisam ser relativizadas.

Ninguém hoje tem medo de solvência da dívida pública. Isso é um dos nossos vários avanços. Mesmo assim, a dívida interna cresceu no governo Lula mesmo nos anos em que a arrecadação aumentou. O que caiu foi o conceito dívida pública líquida consolidada, pela queda da dívida externa, pela valorização cambial, pelo acumulo de reservas. Mas o fato de não haver temor sobre a solvência da dívida não significa que está tudo certo. O governo tem cometido erros fiscais nos bons e nos maus momentos.

— O problema é sempre a qualidade. Era a qualidade do ajuste quando o primário disparava e é a qualidade do desajuste agora que o primário despenca — diz.

Em outubro de 2008, o superávit estava em 4,3% do PIB. Ouvido por Bruno Villas Bôas, do blog (http://www.miriamleitao.com/), o economista Sérgio Vale, da MB Associados, disse que o superávit ficará em 2% este ano, já considerando o PPI (gastos que não são contados como gastos) e o Fundo Soberano (poupança feita no finalzinho do ano passado; ao contrário de países como o Chile que pouparam durante todos os bons anos).

— Este ano fiscal já está perdido. A questão agora é o que o governo vai fazer ano que vem, mas acho que não há risco fiscal ainda — explica Sérgio Vale.

A economista Monica de Bolle, da Galanto, alerta que é muito difícil comparar gastos de custeio dos países, mas afirma que outros governos tiveram rombos ainda maiores nas contas públicas.

— A deterioração fiscal nos EUA e Europa é muito maior do que aqui porque a crise financeira aconteceu lá, então, os gastos dos governos também foram muito maiores, isso é natural. O problema quando se olha para as nossas contas é que elas já estavam se deteriorando antes de a crise começar.

Então a crise, na verdade, acabou virando desculpa para que o governo pudesse gastar mais — explica.

O déficit público americano deve saltar de algo em torno de 3% para 14% do PIB em 2009. Em 2010, deve recuar para 9%. Isso terá impacto na dívida pública que ultrapassará 100% do PIB. A política anticíclica deles acontece através da sustentação da demanda e em investimento em infraestrutura.

Os nossos investimentos de infraestrutura são poucos e frequentemente nos projetos errados.

Com Alvaro Gribel

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