domingo, 9 de agosto de 2009

Câmbio mata

Yoshiaki Nakano
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Permitir uma apreciação e a flutuação excessiva é uma escolha entre consumo imediato ou crescimento

"INFLAÇÃO ALEIJA , câmbio mata" -alerta de Mario Henrique Simonsen que continua válido para o grupo de países dependentes de condições internacionais para seu crescimento. São dependentes porque não conseguem traçar a própria trajetória; têm horizonte temporal curto, portanto não planejam a longo prazo, privilegiando sempre o consumo imediato em detrimento da poupança, ou seja, investimento com recursos próprios. Incorrem em déficits em transações correntes, endividamento externo e crises de balanço de pagamento, interrompendo repetidamente o seu crescimento. Com essa nova apreciação excessiva da taxa de câmbio, cabe alertar: por que mata o crescimento?

Parece fora de propósito falar em crise de balanço de endividamento externo e de balanço de pagamento quando o Brasil tem mais de US$ 200 bilhões de reserva cambial, a situação das contas externas é boa e o risco Brasil está num nível muito baixo. Mas o Brasil ainda não tem a característica fundamental de países que crescem persistentemente para alcançar os países desenvolvidos: horizonte temporal longo para tomada de decisões de política econômica. Não respeitamos ensinamentos básicos da teoria econômica: para crescer é preciso elevadas taxas de investimento e poupança.

Países que crescem persistentemente privilegiam os investimentos que ampliam a capacidade produtiva em vez do consumo imediato; as exportações diversificadas de manufaturados para construir uma estrutura produtiva moderna, enfrentando os próprios países desenvolvidos, e poder importar bens de capital para trazer o conhecimento e a fronteira tecnológica para o país sem se endividar. A taxa de câmbio mata esse processo porque é o preço-chave nessas economias.

A taxa real de câmbio define a escala de comparação entre os preços de todos os produtos nacionais em relação aos do resto do mundo. País que privilegia o consumo imediato prefere câmbio apreciado, pois os importados ficam mais baratos relativamente aos nacionais. Taxa de câmbio determina preços relativos macroeconômicos que definem a alocação de recursos ("tradables" x "non-tradables"), a distribuição de renda (lucro x salário, ou seja, poupança x consumo) e a demanda agregada (tirar proveito ou não da ampla e elástica demanda externa).

A taxa nominal de câmbio é preço de um ativo financeiro, a moeda nacional -assim é âncora nominal do sistema de preços e afeta a inflação tanto via custos como canal de transmissão da política monetária, e pode ser usado também para controlar as expectativas no mercado.

Assim, permitir a apreciação e a flutuação excessiva da taxa de câmbio é uma escolha entre consumo imediato ou crescimento; entre importar e transferir emprego para o exterior ou construir uma estrutura produtiva nacional competitiva e gerar emprego no país; entre flutuações na taxa de inflação ou estabilidade de preços; entre ganho imediato e único no salário real ou aumento contínuo nos salários acompanhado de aumento de produtividade; entre especulação, falso e momentâneo fortalecimento da moeda nacional (ancorado nos ciclos de fluxo de capitais) e instabilidade ou estabilidade no mercado financeiro e fortalecimento da moeda ancorado nos fundamentos (sistemáticos superávits transações correntes).

Yoshiaki Nakano, 64, diretor da Escola de Economia de São Paulo, da FGV, foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001).

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