domingo, 9 de agosto de 2009

Lula, Sarney, Collor e Renan... por Lula, Sarney, Collor e Renan

Daniel Bramatti
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Hoje aliados, os principais personagens da crise dos atos secretos já trocaram acusações de corrupção e incompetência

A crise dos atos secretos evidenciou o compadrio de quatro figuras públicas que, há cerca de duas décadas, trocavam acusações de corrupção, incompetência e desequilíbrio. Em diversos momentos, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Collor, José Sarney e Renan Calheiros se portaram mais como inimigos que como adversários. Com o tempo, conveniências políticas fizeram com que todos gravitassem para o mesmo lado.

"Gostaria de tratar o senhor José Sarney com elegância e respeito, mas não posso, porque estou falando com um irresponsável, um omisso, um desastrado, um fraco. (...) O senhor sempre foi um político de segunda classe, nunca teve uma atitude de coragem."

As frases são de Collor, no horário gratuito de TV da campanha eleitoral de 1989, quando acusava Sarney de patrocinar, a 15 dias da eleição, uma manobra para incluir o apresentador Silvio Santos entre os candidatos a presidente. "O senhor passou boa parte de seu governo apadrinhando seus amigos, seus familiares, muitos dos quais hoje estão sendo processados por atos de corrupção", disse o então representante do PRN.

Passadas duas décadas, Sarney é novamente acusado de apadrinhar amigos e parentes, mas Collor agora está entre seus principais defensores - após ter conquistado, com o apoio do novo aliado, a presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado.

Segundo o hoje senador pelo PTB de Alagoas, as denúncias de envolvimento do colega peemedebista em contratações irregulares e secretas fazem parte de uma "campanha difamatória". "Sei o que é isso, porque por isso passei, só que em maior escala. Sei como essas coisas funcionam e como isso tudo é feito, tudo é forjado. Sei a quem interessa que o Senado retire daquela cadeira o presidente que todos nós elegemos", disse Collor, se referindo ao processo que o derrubou da Presidência da República, em 1992.

Em 1989, os ataques televisivos do candidato do PRN resultaram em um processo por calúnia, injúria e difamação. "Sarney quer ver Collor preso", noticiou o Estado na edição de 7 de novembro daquele ano. Sarney também ganhou um direito de resposta e, na TV, se apresentou como vítima de "vandalismo verbal e terrorismo eleitoral". "O Brasil é testemunha da brutalidade, da violência, do desatino com que fui agredido por um candidato profundamente transtornado", afirmou, a uma semana do primeiro turno.

A polarização com o presidente - cujo final de mandato foi marcado pela explosão dos índices de inflação e impopularidade - era tudo o que o grupo collorido queria. Naquela mesma noite, o candidato do PRN foi comemorar na casa de Renan Calheiros, então seu braço direito na campanha e um dos principais articuladores da estratégia de "demonização" de Sarney como forma de ganhar eleitores.

RETRIBUIÇÃO

Hoje Renan e Sarney são unha e carne. Ao liderar a tropa de choque que busca evitar a queda do presidente do Senado, o alagoano retribui a solidariedade que recebeu do colega quando seu próprio mandato esteve a perigo, em 2007, por causa das acusações de que teria contas pagas por um lobista da empreiteira Andrade Gutierrez.

Em relação a Collor e Lula, a trajetória de Renan também é oscilante. Rompeu com o primeiro em 1990, depois de disputar - e perder - as eleições para o governo de Alagoas sem a esperada ajuda da máquina federal. Chegou a ser processado pelo antigo amigo, depois de acusá-lo na CPI que deflagrou o impeachment. "O presidente da República tinha pleno conhecimento das ações do senhor PC Farias porque foi por mim advertido e informado, enquanto fui líder de seu governo na Câmara dos Deputados", disse, ao prestar depoimento à comissão parlamentar de inquérito, em 1992.

Na CPI, Renan ainda comparou o ex-aliado aos "perversos" imperadores romanos Nero e Calígula. Não era a primeira comparação entre Collor e figuras históricas com trajetórias nada louváveis. Em 1988, no governo Sarney, o ainda ativo Serviço Nacional de Informações (SNI) produziu um relatório que qualificava o então governador de Alagoas como "um Al Capone moderno e discípulo aplicado de Goebbels".

De Lula, Renan só se aproximou quando o petista chegou à Presidência, em 2002 - antes disso, ocupou cargo em uma estatal no governo Itamar Franco e foi ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso. Na eleição vencida pelo candidato do PT, apoiou o tucano José Serra, sem que isso o impedisse de se tornar um dos principais articuladores da base governista logo depois.

PRAGMATISMO

Ao tomar posse, em 2003, Lula abandonara há muito a prática de selecionar os aliados com base em afinidades políticas e ideológicas. Em 1989, no segundo turno da campanha, o então candidato chegou a recusar o apoio do derrotado Ulysses Guimarães e de outros representantes do PMDB. A partir da derrota para Collor, o pragmatismo foi adotado como regra.

Nesse contexto, a campanha petista recebeu com festa, em 2002, o reforço de Sarney e seu grupo - o mesmo Sarney que o PT qualificava como oligarca e representante do atraso e que Lula havia chamado de ladrão.

Foi em 1987. O líder petista fazia um discurso em Aracaju, marcado por críticas ao então presidente. "Nós sabemos que antigamente se dizia que o Ademar de Barros era ladrão, que o Maluf era ladrão. Pois bem: Ademar de Barros e Maluf poderiam ser ladrões , mas eles são trombadinhas perto do grande ladrão que é o governante da Nova República", acusou. O ataque caiu no esquecimento até ressurgir em 2003, graças ao então deputado federal petista João Fontes (SE). Ameaçado de expulsão por ter votado contra a reforma da Previdência, Fontes queria mostrar que continuava fiel aos princípios petistas, e que Lula é que havia mudado de lado ao chegar ao poder. Expulso do partido, Fontes ajudou a criar o PSOL.

Ofendido e espezinhado pelo PT, Sarney - aliado de FHC em seus dois mandatos - só se converteu ao lulismo quando um episódio policial inviabilizou de vez a manutenção da parceria com os tucanos. Em março de 2002, durante investigação sobre desvios de recursos da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), a Polícia Federal invadiu a sede da empresa Lunus, pertencente a Jorge Murad, marido de Roseana Sarney, então governadora do Maranhão. Foram apreendidos no local cerca de R$ 1,3 milhão em dinheiro.

Roseana, que na época ensaiava se lançar candidata a presidente pelo PFL, acusou José Serra de estar por trás da investida da PF. Em nota, o então pré-candidato tucano considerou as declarações da governadora "estapafúrdias, para não dizer malucas". O fato é que o escândalo provocado pela exibição da pilhas de cédulas apreendidas inviabilizou a candidatura de Roseana e provocou a saída do PFL do governo FHC, além de jogar Sarney nos braços de Lula.

ABORTO E RACISMO

A ampla base governista acomodou, além de Sarney, outros adversários históricos do petismo, como Paulo Maluf. Ainda assim, foi com surpresa e desagrado que parte do PT assistiu à reaproximação entre Lula e Collor.

No segundo turno de 1989, diante do esgotamento da estratégia de se apresentar como anti-Sarney - papel que Lula também desempenhava -, o candidato do PRN voltou as baterias para o adversário.

Na TV, Collor acusou Lula de defender a luta armada e a invasão de casas e apartamentos. Chamou-o de "cambalacheiro" por negar em público acordos com peemedebistas e supostamente negociar seu apoio nos bastidores.

O ápice da investida, coincidente com a ascensão de Lula nas pesquisas, se deu com a aparição de Miriam Cordeiro, ex-mulher do petista, no programa eleitoral do PRN. Em depoimento gravado, Miriam acusava Lula de ser racista e de ter oferecido dinheiro a ela para que abortasse, nos anos 70. "Apoiar o Lula seria trair a mim mesma. Eu sofri muito na mão do Lula, fui traída por ele." Dois dias depois, emocionalmente abalado, o petista participou do último e decisivo debate televisivo com Collor, a quem chamou de "caçador de maracujás".

Passadas duas décadas, Lula faz afagos públicos ao ex-inimigo, que, como presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado, tem poder para acelerar ou atrapalhar a tramitação de propostas relacionadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Apesar de ter sido um dos principais incentivadores do impeachment de Collor, o petista recebeu dele sinais de solidariedade em meio ao escândalo do mensalão, quando a oposição discutia a possibilidade de pedir sua cassação.

"Não quero para o Lula o que fizeram comigo, pois me apearam do poder sem provas", disse Collor, em 2005. Ele ainda anunciou que apoiaria a reeleição no ano seguinte. "Não faço parte do rol daqueles brasileiros que tinham o PT como ícone da ética e da moralidade. Tem uma massa do eleitorado do PT que votou no Lula achando isso, mas eu não", justificou.

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