terça-feira, 18 de agosto de 2009

Com as barbas de molho

Wilson Figueiredo
DEU NO JORNAL DO BRASIL


RIO - A sucessão presidencial está à vista, com diferentes ângulos para ser considerada, mas faltam pretendentes suficientes para a largada. Uma andorinha não faz verão e apenas uma candidata não faz eleição. O marco histórico da fase eleitoralmente bem sucedida da esquerda, em que entramos com o pé direito de Lula, foi a quarta candidatura dele (e a primeira vitoriosa), graças à carta endereçada aos brasileiros, mais citada do que lida e praticada. Lula deu tempo ao tempo que, se não tem, não deixa de ter atributo político. A premissa agora é “ Lula não pode perder”. E o dilema ser ou não mantém o desafio.

Longe da transparência, os áulicos localizaram-se no que o poder tem de melhor e inebriaram-se com a hipótese do terceiro mandato, depois de tudo e do que ficou para depois. Ainda falta ao denominador comum montado por Lula um numerador convincente. O presidente, que sabe tanto ou mais de derrota quanto de vitória, e é ambidestro em política, faz raciocínios em todas as direções. E, diante do que as pesquisas disseram, tratou de tirar o corpo fora. Terceiro mandato, não. O PT esquivou-se, sem se comprometer. Lula deve ter percebido a predisposição petista para bloquear o processo com um nome que, não podendo ser o do presidente, fosse alguém do PT, e eleitoralmente movido pela teoria do puro sangue eleitoral. Questão genética e não de raça.

Por hábito (ou vício), Lula vê antes e mais longe. Aplicou o golpe da surpresa e inventou a ministra Dilma Rousseff, que o PT assimilou com dificuldade. Foi, internamente, uma daquelas situações classificadas na História do Brasil, desde 1930, na rubrica de batalha de Itararé. Isto é: não passou de expectativa. Lula ganhou tempo, mas ficou evidente que, por outro lado, a longa exposição poria em perigo a candidata. Acontece que o Brasil tem na sucessão presidencial um gatilho chamado vice-presidente, e a munição é a mesma para todos. Não se fala de raio nem de outras manifestações alheias à vontade humana. O vice pertence à categoria de candidatos que não comparecem com um voto sequer, além do próprio. E, à medida que o tempo passa e a sucessão fica mais perto, a escolha do vice se complica e troca o acordo de cavalheiros pelo custo que nenhum seguro banca. Foi assim até que o imprevisível se anunciou à ministra Dilma, aos seus eleitores e aos adversários. A desconversa se tornou a língua oficial no encaminhamento de um companheiro de chapa. O PMDB arregalou os olhos cobiçosos, e Lula não falou nem concedeu apartes. O PT acredita em fatalidade histórica, e a oposição está grávida de candidaturas gêmeas. Não se falou mais de companheiro de chapa para dona Dilma, que concorre como candidata do presidente, que vem a ser quem mais tem a perder. Qual seja, o próprio cargo.

Foram todos surpreendidos pelo diagnóstico médico de que a candidata era portadora de um risco que não figurava nos cálculos eleitorais. Um fato (porque não era boato) a ser considerado de outro modo. O tempo voltou a ser a incógnita geral, a ministra manteve-se na via administrativa e tropeça, aqui e ali, em versões de veemência inoportuna. Lula deixou de ser o mesmo, mas ainda não é outro. Quem perdeu o controle sobre as próprias emoções foi o PMDB, mas aproveitou a oportunidade e chegou mais perto do presidente, enquanto o PT tenta, sem maior sucesso, pensar por conta própria. O petismo resignou-se a fazer do tempo um eventual aliado. Quem sabe? Todos, aliás, e a própria oposição, se calhar, tiram o chapéu ao tempo, ao qual caberá a última palavra. A primeira devia ser a escolha do vice. As consequências não apenas se adiantam aos fatos, como não prestam contas a nenhum dos interessados que se atropelam.

Lula curou-se do terceiro mandato, embora nada impeça a recaída. Mas estará à mão. Pode-se contar com ele, enquanto a candidatura Dilma Rousseff procura ser apenas a continuação do governo de Lula pelas suas próprias mãos. Mais adiante fará novos acenos e novos exames para tranquilizar a coesão. O presidente está ciente de que a situação lhe diz respeito. O fato é que, desde antes de haver política e só depois que ela for substituída pelo consenso, não há exemplo citável de criatura que não escape ao seu criador. Mais cedo ou mais tarde. Lula suspeita que a História não é confiável. Para não haver intromissão em seara alheia, e antes que a escolha do vice se torne mais importante do que a da própria candidata, aproxima-se a hora de botar as barbas de molho. E Lula as tem.

* Jornalista

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